Após dez anos da implementação, o projeto de Lei n.º 12.711, conhecido como a Lei de Cotas, coleciona resultados positivos e demonstra efetividade como política pública de acesso ao ensino superior. O aumento significativo de estudantes cotistas tornou as universidades plurais e democráticas, abrindo caminhos aos setores do mercado de trabalho de nível superior, que, até então, eram inacessíveis.
O congresso nacional receberá, até o fim de 2022, o texto base que tratará do futuro do programa. As sessões devem acontecer a poucos meses das eleições gerais. De um lado, a base governista defende a exclusão das cotas raciais e considera ampliar as cotas por renda. Por outro lado, a base de oposição irá propor a renovação da lei para 2032.
A lei foi projetada com o intuito de promover uma política de equidade no processo seletivo de acesso nas universidades públicas, visto que, grande parte dos alunos que concluíam os estudos do ensino básico em escolas públicas não conseguiam chegar ao ensino superior. Esta dificuldade demonstra-se mais severa no que se refere a questões étnico-raciais.
O sistema de cotas apresentou efetividade em reestruturar o corpo acadêmico e deixá-lo mais diverso, num curto espaço de tempo. A presença de alunos cotistas no ensino superior teve um crescimento expressivo desde a lei de cotas. Segundo o Censo da Educação Superior, realizado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, em 2012, cerca de 280 mil alunos declarados negros, pardos e indígenas ingressaram nas universidades públicas. Sete anos após, o número de alunos cotistas já ultrapassou 770 mil.
Para Bruna Alencar Xavier, de 28 anos, Cientista Social formada pela Universidade de Brasília (UnB), as cotas atuam como uma revisão aos processos de estratificação social causada pelas questões de raça, além disso, conclui que:
A curto prazo não há uma forma de igualar o acesso educacional sem ser por cotas. Ainda mais após esse governo do Bolsonaro e a pandemia da Covid-19, fatores que só acentuaram ainda mais a desigualdade de raça e classe no país.
Bruna Alencar Xavier, de 28 anos, Cientista Social formada pela Universidade de Brasília (UnB). Aprovada no vestibular em 2013, utilizou o sistema de cotas raciais. Creditos: arquivo pessoal.
Os críticos das cotas, muitas vezes, apoiam-se em alguns argumentos, como, por exemplo: que os alunos contemplados entram na universidade despreparados, atrapalhando a dinâmica das aulas; que as cotas por renda seriam mais justas; que o sistema de avaliação é passível de fraudes. Até o momento, não há dados oficiais que sustentem estas teses.
Em artigo publicado na Folha de São Paulo, Rodrigo Zeidan — doutor em economia pela UFRJ — reporta um estudo realizado em parceria com Silvio Almeida, Inácio Bó e Neil Lewis, Jr. Foram analisados todos os artigos publicados em diversos periódicos renomados, e, concluíram que: “alunos cotistas têm excelente desempenho e não retardam o aprendizado de ninguém, cotas por renda não são suficientes para aumentar diversidade do corpo discente, e não há nenhuma evidência de que fraudes são um problema sistêmico”.
A respeito das dificuldades durante a graduação, André Ignácio da Silva, de 27 anos, formado em Educação Física na Universidade Federal do Paraná (UFPR), diz:
A maior dificuldade era participar do ambiente acadêmico, mas não sentir que pertencia a ele. Vários professores deixavam claro sua contrariedade às cotas e vários colegas afirmavam que os cotistas “roubavam vagas” dos demais. Obviamente esse ambiente me causava muita insegurança. Outra barreira foi a precariedade da minha formação básica que exigiu uma dedicação ainda maior para igualar aos demais.
No livro Racismo Estrutural, publicado em 2020, Silvio Almeida traz uma reflexão sobre o sentimento hostil que as cotas raciais enfrentam no meio acadêmico: “No Brasil a universidade não é apenas um local de formação técnica e científica para o trabalho, mas um espaço de privilégio e destaque social — um lugar que, no imaginário social produzido pelo racismo, foi feito para pessoas brancas. O aumento de negros no corpo dicente das universidades tem, portanto, impactos ideológicos e econômicos, pois, ainda que timidamente, tende a alterar a percepção que se tem sobre a divisão social de trabalho e a política salarial”.