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10/02/2022 às 13h37min - Atualizada em 10/02/2022 às 13h04min

Corpos em tempos de amor

Júlia Guimarães - Editado por Andrieli Torres
Imagem: Reprodução/In The Black
 No dia 28 de janeiro, a participante Lina Pereira, Linn da Quebrada, do reality show da TV Globo Big Brother Brasil 22, trouxe para o debate o amor como uma questão social e viralizou na web, sendo compartilhado por muitos internautas. 

“O amor é uma coisa social também, foi uma invenção. Tanto que, até a década de 40, não existia casamento por amor. Era um contrato.  Os casamentos eram arranjados. As mulheres não se casavam por amor, o amor era uma invenção que era um contrato de uma ferramenta de manutenção desse sistema, porque ‘daí’ existiam outras formas de manipulação desse contrato. O amor é algo super novo, gente. O amor como a gente conhece: esse amor romântico, que é induzido pelas novelas e tudo mais. E ele vai se moldando socialmente”, disse ela.  

Segundo a historiadora Mariana Muaze, foi recorrente até o final do século 19 o recurso de se construir o matrimônio entre troncos familiares com negócios em comum a fim de estabelecer um acordo como forma de manutenção da riqueza, assim, o casamento era uma garantia para que ela não se dissipasse.  

Na literatura, José de Alencar por meio de seus romances urbanos, criticava a união por esses interesses econômicos. O dote das noivas era a característica comercial mais nítida, pois quanto maior era, maior a probabilidade de fortuna e ascensão social. Não só isso, mas também o branqueamento da população, enobrecimento e maior espaço no mercado de trabalho. As mulheres serviam apenas como uma mercadoria de produção e reprodução familiar.  

Essa atividade predominou no Brasil do século 17 até a primeira metade do século 20, onde o casamento passou a ser considerado um status que para a mulher significava influência e para o homem autoridade, e assim passaram a ter funções, tarefas e espaços muito bem definidos em sociedade. Além do surgimento do ideal amor romântico, que tinha como representação comum um homem e uma mulher, ambos brancos e cis, geralmente de classe média alta, que procuram a sua outra cara metade a fim de exercerem a completude e viverem um romance digno de “felizes para sempre”. 

"Se a gente não discute o amor, ele continua nesse terreno do sagrado, do intocável que ninguém fala do ‘como assim gosto não se discute?’. A gente não percebe porque algumas pessoas, alguns corpos, são muito mais amados do que outros, porque nós somos estimulados a amar alguns corpos muito mais do que outros. Corpos gordos, corpos negros, corpos trans, corpos de pessoas com deficiência... a gente nem pensa nessas pessoas quando a gente pensa em amar alguém. A gente não vê essas pessoas protagonizando filmes que falam sobre amor", completou Linn. 

Quando pensa em amor, naquela pessoa ideal, qual é a imagem que você vê? Geralmente é alguém alto, com corpo atlético ou magro, olhos claros e branco?  

  O estudante Eduan Britto comentou: “me sinto frustrado, porque as pessoas simplesmente escolhem julgar, não demonstram o "amor", não tem um bom convívio. Isso meio que contraria tudo pelo qual vivemos até o momento. Mas estou disposto a demonstrar isso se for causar uma mudança, mesmo que mínima.” 

Esse amor romântico, mítico, clichê e digno de obras cinematográficas, influencia nossa identidade, mas caminha muito longe de algumas camadas sociais. Bell Hooks, filósofa estadunidense, afirma que as imposições do racismo impactam estruturalmente a forma como as mulheres negras recebem e exercem o amor, por serem taxadas e agressivas e interiorizando um sentimento de inferioridade. O mesmo tipo de amor também é negado para pessoas trans e travestis, uma vez que uma maioria esmagadora, com cerca de 90%, encontra trabalho apenas na prostituição, segundo a Folha.  

De acordo com um levantamento produzido em 2017 pela Fundação Annenberg, sobre diversidade no cinema, conclui-se que existe uma forte disparidade nos filmes em geral, incluindo aqui os dramas envolvendo casais e ideais amorosos. Conforme os dados disponíveis, dos 3.961 personagens com etnia de Hollywood, a representação de minorias étnicas ficou em 29,3% naquele ano, enquanto 70,7% eram brancos. Quanto à representatividade de pessoas com deficiência, apenas 112 personagens (2,5%) apareceram nas produções de 2017, em que 51,8% eram secundários e 32,1% deles não eram considerados essenciais para o enredo do filme. 

 Além disso, há um grande culto ao corpo, que com o boom dos movimentos por uma vida fitness e mais saudável e dos procedimentos estéticos, criou-se o estigma de que os corpos gordos não são saudáveis. Mais que isso, não há espaço para eles em bancos de ônibus, moda, cintos de segurança ou cabines de avião.  

“Para retornarmos ao amor, para conseguirmos o amor que sempre quisemos, mas nunca tivemos, para termos o amor que sempre quisemos, mas não estamos preparados para dar, buscamos relações românticas idealizadas. Acreditamos que essas relações, mais do que quaisquer outras, irá nos resgatar e nos redimir da solidão. E o amor verdadeiro tem o poder de nos redimir, entretanto, temos que estar prontos para a redenção. O amor só pode nos salvar se quisermos a salvação”, explica Hooks. 

 Eduan também complementa que para isso, “basta apenas as demais pessoas entenderem e respeitarem, e a mudança parte de cada um de nós, sendo assim, é completamente plausível e palpável. O nosso lugar de fala é no mundo, independente do estereótipo, a liberdade de expressão deve sim permanecer, e sem julgamentos! Tudo é construído por nós, a forma de afeto, carinho, então sim, podemos fazer a diferença, demonstrar para as pessoas que somos a estrutura, e que quanto mais pessoas cultivarem isso, será possível uma melhora.” 

 O amor deveria olhar para todos os corpos e ser o único que garante que todos tenham acesso a um amor verdadeiro, das ruas, do trabalho, de todos. O amor não o que exclui o pobre, o negro, o gordo, a travesti ou a pessoa com deficiência. E sim dá espaço, visibilidade, representatividade e trabalho.  

Que tal começar com a mudança? Aqui vai alguns exemplos de obras com protagonismo: 
  • Os garotos do cemitério de Aiden Thomas – protagonismo trans; 
  • Apenas uma garota de Meredith Russo – protagonismo trans; 
  • A garota dinamarquesa de David Evershoff – protagonismo trans; 
  • A mentira perfeita de Carina Risse – protagonista deficiente físico; 
  • Extraordinário de R. J. Palacio – protagonista deficiente; 
  • Os 27 Crushes de Molly de Becky Albertalli – protagonista gorda; 
  • Acorda pra vida Chloe Brown de Talia Hibbert – protagonismo negro e gordo; 
  • Quinze Dias de Vitor Martins – protagonismo gordo; 
  • Um salto para o amor de Aione Simões - protagonismo gordo; 
  • Em fogo alto de Elizabeth Acevedo – protagonismo negro; 
  • Cinderela está morta de Kalynn Bayron – protagonismo negro; 
  •  Tudo Nela Brilha e Quiema de Ryane Leão - protagonismo negro. 

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