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15/02/2022 às 17h44min - Atualizada em 14/02/2022 às 00h43min

Como os relacionamentos abusivos são romantizados pelos produtos midiáticos da cultura pop

A cultura pop, através de artigos de consumo e mídias, costuma naturalizar os relacionamentos abusivos, negligenciando seu caráter destrutivo e tornando-o desejável especialmente para os jovens

Ana Faely Nobre - Revisado por Jéssica Meira
Exemplos de casais da cultura pop que mantem um relacionamento abusivo. (Fonte: Reprodução/ Montagem: Ana Faely Nobre)

Antes de debater a problemática da romantização dos relacionamentos abusivos pelos produtos midiáticos é necessário entender que um relacionamento abusivo é caracterizado pelo excesso de poder de uma pessoa sobre a outra dentro de um relacionamento afetivo, no qual um parceiro extremamente controlador quer comandar as atitudes e decisões do outro, tentando isolá-lo do restante do mundo. Toda essa conjuntura é em virtude do machismo enraizado assim como da construção patriarcal da sociedade ocidental.

O comportamento social é completamente envolto de preconceito, expresso por opiniões e atitudes de um indivíduo que recusa a igualdade de direitos e deveres entre os gêneros, favorecendo e enaltecendo o sexo masculino sobre o feminino. Por isso, é importante notar que a maioria das vítimas dos relacionamentos abusivos são mulheres, visto que a cultura e a sociedade são moldadas a partir de um ideal patriarcal e machista que objetifica e estabelece funções e atitudes prévias sobretudo para a mulher.

Como dito anteriormente, os jovens estão mais suscetíveis a esta influência de idealização de relações. Isso porque o atual cenário social se deve a uma crise da autoridade familiar, uma vez que mesmo os adultos desejam comportar-se como adolescentes para enquadrar-se aos padrões ideais de consumo, e os jovens não têm a quem recorrer tanto para se espelhar, como para se diferenciar. Dessa forma, a partir de uma “juvenilização da cultura” ocorre uma crise de autoridade dos adultos no ambiente familiar, na escola, entre outros.

Com este conflito, faltam modelos “saudáveis” de assimilação no ambiente familiar e acadêmico para os jovens. Para preencher esse espaço vazio, o jovem se volta as identificações que obtém da mídia, e, uma vez que este “eu” aceita apenas as versões da realidade impostas pelo produto, ele trará como suas as ideias de amor romântico, de felicidade atrelada ao consumo exacerbado, como meios legítimos de se comportar na sociedade e encarar a realidade.

Consequentemente, devido a vulnerabilidade do período da adolescência, uma mulher que se encontra dentro desta fase da vida estaria duplamente suscetível a se inserir em um relacionamento abusivo, graças a sua juventude e gênero. Isso pode trazer consequências severas para as vítimas de agressão e de abuso, como sequelas emocionais (diminuição da autoestima, por exemplo), transtornos alimentares, problemas gastrointestinais, crises de choro e de ansiedade, e em situações mais extremas, depressão e pensamentos suicidas.


 
Desde a década de 1940, quando o casamento por amor passou a ser uma perspectiva realista para as pessoas, tem sido divulgado como propaganda pelas produtoras de filmes de Hollywood um modelo de relacionamento afetivo construído a partir de um ideal de amor e de felicidade. Essa idealização dos relacionamentos na indústria cultural é extremamente perigosa devido a criação de uma linha tênue entre uma relação destrutiva e a fantasia romântica.

A romantização desse tipo de relacionamento nos produtos culturais vendidos é comum e diz respeito à transposição de uma realidade violenta e problemática para a forma de romance, como uma espécie de fascínio e embelezamento do abuso, tornando-o poético e desejável. Assim, ao tratar dessa romantização, espera-se que os consumidores perpetuem uma cultura que sexualiza, perdoa, tolera e glorifica situações abusivas e a violência da vida real.

É importante destacar que sempre há uma transmissão de valores morais e éticos sobre as regras a seguir conforme o que foi imposto. O principal ensinamento, especialmente para as mulheres, é a formação de um caráter feminino “ideal”, o qual é expresso pela necessidade constante de seguir ordens e apresentar falas e atitudes dignas de uma moça “correta” e “digna” de encontrar o amor. Percebe-se que as mercadorias dessa indústria de massa estão operando diretamente na construção das identidades femininas das jovens.

Há também uma idealização da sexualidade feminina e do herói romântico, construídos como base de um relacionamento onde existe a perigosa ideia de que tudo que é feito “por amor” é justificável. Seja o constrangimento causado pelo excesso de ciúmes, a obsessão, o abuso sexual, a agressão física, o assassinato ou outros diversos tipos de violências erroneamente naturalizadas, que normalizam o abuso em amor. O mercado capitalista e a cultura pop, ao romantizar o abuso de forma a torná-lo justificável, tem como consequência direta a criação da ideia de que isso basta para dispensar a condição abusiva de um relacionamento, e é nessa linha tênue que as pessoas confundem a relação tóxica com a idealização romântica.

O perfil dos "mocinhos" dos filmes e livros normalmente é de homens possessivos e controladores, que não assumem seus sentimentos e diminuem os da parceira. No entanto, alguns deles são considerados desejáveis, sendo muito comum que ciúmes, controle e omissão de sentimentos sejam vistos de forma atraente ou disfarçada de proteção, amor e mistério. 

Há ainda quem tente defender os comportamentos abusivos dos personagens desses produtos massivos amplamente divulgados alegando que suas tendências à perseguição e ao controle são provas do seu amor. Dessa forma, é perceptível que a violência é estruturada das relações que produzem a vulnerabilidade e submissão das mulheres como reflexo do contexto patriarcal que objetiva a figura feminina à posse da figura masculina. A romantização do abuso na literatura, música, cinema, TV e qualquer outro meio capaz de impregnar estereótipos de um relacionamento ideal, reforça o discurso machista de que a mulher deve ser passiva ao permitir que se submeta a esse cenário.


 

Exemplos famosos de casais que mantêm relacionamentos abusivos produzidos pela cultura pop americana são muito comuns na sociedade ocidental.
 
Hardin e Tessa, de After da escritora Anna Todd, é um dos mais novos casais do momento. Entretanto, o enredo produzido já inicia problemático logo no primeiro livro, onde Hardin aposta a virgindade da protagonista a fim de ganhar reconhecimento dos amigos na disputa. Mesmo que Tessa perdoe este grande erro inicial num relacionamento, seu namorado ao longo da série se mostra agressivo, sem paciência e manipulador.
 
Edward Cullen e Bella Swan, da Saga Crepúsculo, da autora Stephenie Meyer, é um histórico casal da cultura pop. Mas o que pensar deste stalker da protagonista que a vê dormindo sem o conhecimento dela, entra em sua casa sem ela saber, a persegue onde vai e literalmente deseja sugar seu sangue e a mantem ciente disso? Além de tudo isso, ambos desenvolvem dependência emocional e Edward frequentemente a manipula psicologicamente.
 
Blair e Chuck, da série Gossip Girl, também são frequentemente apontados como meta de casal pelos jovens atualmente. A problemática desse casal é bem séria. Chuck tenta estuprar a amiga de Blair no primeiro episódio da série e após esse assédio sexual, ele assedia psicologicamente e moralmente Blair ao manipular a garota a praticar relação sexual com seu tio em prol de ganhos futuros. Além de todas as situações gravíssimas, ele a trata como propriedade e é agressivo com Blair.

 

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