Por meio da linguagem de um povo pode-se descobrir muitas coisas: as origens, colonização, localização geográfica, influências, cultura, estilo de vida e diversas singularidades que podem ser captadas por meio da fala, seja na sonoridade do sotaque ou nas expressões.
Em Cuiabá e na baixada cuiabana* não é diferente: com uma linguagem que forma quase um dialeto único, o qual muitos chamam de “cuiabanês”, é quase necessário o uso de um dicionário para entender o linguajar do povo da capital mato-grossense e adjacências.
Historicamente a região foi habitada por indígenas ribeirinhos e escravos que fugiam e estabeleciam quilombos na região, mas teve influência direta do contato com portugueses que falavam o português camoniano, bandeirantes paulistas e imigrantes espanhóis que se deslocaram até a região em busca de ouro, pedras preciosas e terras. Com o choque cultural produzido por este encontro entre povos, o falar cuiabano tornou-se uma herança da mistura dos termos e sotaques lusitano e bororó, dos indígenas da região.
No entanto, num contexto de mundo globalizado e com o fluxo migratório intenso que uma capital com o tamanho de Cuiabá possui, muitos temem que o falar e as expressões cotidianas do cuiabanês tradicional possam estar com os dias contados. Isso porque houve tempo em que as pessoas sentiam vergonha em falar, por serem alvo de preconceito linguístico e social, quando na verdade sua fala deve ser motivo de orgulho, pois é inclusive considerada patrimônio imaterial de Mato Grosso.
Além da capital receber uma intensa imigração e emigração de pessoas de todas as localidades e regiões em seu território, encontrar um morador de Cuiabá, Várzea Grande ou mesmo de Poconé que ainda hoje possui o sotaque “arrastado” é mais comum no interior ou nas regiões próximas ao Rio Cuiabá, onde os ribeirinhos ainda mantém sua cultura e raízes preservadas.
Mas o que faz deste um dialeto tão único?
A começar pelo acréscimo das letras “d” e “t” em algumas palavras, como por exemplo “cadju” e “djeito” (cajú e jeito) e “petche” e “ratchado” (peixe e rachado); a troca da letra “l” pela “r”, ficando “bicicreta”, “crima compretamente nubrado”, frase inclusive muito conhecida dos cuiabanos. É notável a presença sonora marcante de um acento fonético nas palavras com a vogal "a" que caracteriza e torna inigualável o sotaque cuiabano, como pode ser percebido no vídeo:
Entre alguns dos termos do cotidiano mais utilizados pelos cuiabanos raíz, ou melhor, de tchapa e cruz, se destacam:
Agora o quequeesse! - Espanto.
Agora quãndo? - Indica dúvida.
Ah! Uuum - Expressão de indignação, concordância ou não.
Berrano - Gritando.
Bocó de fivela - Pessoa boba, ignorante.
Bom demás - Muito bom.
Bonito prô cê - Expressão que indica quando a atitude tomada, não foi boa.
Chá por Deus - Expressão de espanto, admiração, dúvida.
Chuça e Rebuça - Baile.
Caínha - Quem não dá nada prá ninguém, egoísta.
Canháem - Expressão usada para discordar
Catcho - Namoro, paquera.
Catiça - Muito, bastante, "pra catiça"..
De jápa - O que vem a mais é gratuito.
De tchapa e cruz - puro de origem, legítimo, um cuiabano raíz é cuiabano de tchapa e cruz, que nasceu e morreu em Cuiabá.
Digoreste - Ótimo, muito bom.
Espia lá - Olha lá, veja lá.
Festá - Festar, ir a uma festa.
Futxicaiada - Muito fuxico, fofoca.
Malemá - Mais ou menos.
Maria Isabel - Prato típico da região com arroz, carne e banana verde.
Moage - Frescura.
Não tá nem aí pá paçoca - Não liga para nada.
Na xinxa - Levar uma ação com seriedade.
Pranchar de banda - Saiu fora.
Quebra-torto - Comer uma comida reforçada no desjejum.
Rapelô - Levou tudo.
Rufar - Bater.
Sartei de banda - Não concordar, não querer mais, cair fora.
Sucedeu - Aconteceu.
Tchá co bolo - Chá com bolo.
Tchá mãe - Expressão características para xingar alguém.
Tocano pizero - Namorando escondido.
Vá tomá na peidera - Vai se lascar.
Vôte! - Expressão de espanto, muito utilizada em vários contextos
Xás creança - Expressão para cumprimentar as pessoas, de qualquer idade.
Xispada - Mandar embora.
Xô Mano - Expressão para cumprimentar alguém.
Importante e fundamental para passar de geração em geração, a língua segue sendo aliada para a perpetuação da história e dos costumes. É interessante ressaltar que a língua é viva, orgânica e mutável. Preservar a memória das origens e das raízes é importante, abarcar o novo e suas transformações também pode ser uma forma de contemplar as novas atualizações sem esquecer o passado que a trouxe até aqui.
*Por baixada cuiabana, se compreende os municípios próximos à capital Cuiabá, como Barão de Melgaço, Chapada dos Guimarães, Jangada, Nobres, Nossa Senhora do Livramento, Poconé, Rosário Oeste, Santo Antônio do Leverger, Várzea Grande, etc.