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18/02/2022 às 22h16min - Atualizada em 18/02/2022 às 21h45min

O segredo das Angels

O que estava por trás das cortinas nas passarelas da Victoria's Secret?

Gabriely Coelho - Editado por Larissa Bispo
Créditos/Reprodução: Internet


Nem tudo está sob os holofotes, não esqueça de tentar espiar por trás das cortinas. No ano de 2019, o desfile mais sensual de todos os tempos chega ao fim. Consideradas por muito tempo ‘o padrão ideal’, as top models vem desconstruindo o significado de perfeição, e essa nova era de influência pode impactar o mundo real. A pressão da sociedade, a ascensão e a queda. Quanto custam os números na balança? Existe fracasso numa busca por aquilo que é inalcançável? Será mesmo que as 'Angels' podem guardar tantos segredos?

 

No paraíso dos homens ‘Anjos’ são mulheres que vestem apenas asas e lingerie

A marca Victoria’s Secret não foi fundada por uma mulher, foi fundada por um homem, o empresário Roy Raymond. Na década de 70, O MBA de Stanford foi à uma loja de departamento comprar roupas íntimas para a esposa e se deparou com uma problemática: o desconforto no ambiente e o desapontamento com as peças que encontrou. Assim, surgiu a ideia de criar uma loja para que homens pudessem se sentir à vontade ao comprar peças femininas. Raymond, então, ao tomar essa decisão, fez dois empréstimos de 40 mil dólares cada, um com seu banco e um com seus sogros, e criou a loja que chamaria Victoria’s Secret.



Ao utilizar tapetes orientais, cortinas de seda e imitando penteadeiras femininas da alta sociedade cheios de madeira fina envelhecida, a ideia de Roy era criar, na Califórnia, num pequeno shopping de Palo Alto, um quarto de requinte, como nos tempos antigos, inspirado na época vitoriana, no século 19. A escolha do nome da loja foi inteiramente associada à refinada rainha. Os segredos de Victoria e a sensualidade inglesa poderiam, para Roy, estar escondidos sob os tecidos de suas roupas. Segundo a Entrepreneur, em 1977 (o primeiro ano da loja), as vendas da marca atingiram o marco de US$500 mil.
 

Após cinco anos, a marca contava com mais três lojas e faturamento anual de US$4 milhões. Roy vende a empresa para Leslie Wexner, mas permanece como presidente por mais um ano. Mas ao se divorciar, dois anos depois, a empresa vale US$500 milhões e Roy Raymond atira-se da Golden Gate Bridge. Vendo-se como Ícaro, ser mitológico grego, que ao chegar perto demais do sol, caí. 

 

A passarela da Victoria’s Secret é o céu das top models

Em 1995, a marca Victoria’s Secret tinha em mãos a receita perfeita para entrar na história. Além das 670 lojas nos EUA, inaugurou-se o primeiro desfile da marca, com top models que estavam entre as mais lindas do mundo na passarela. Esse evento se tornaria um  dos espetáculos mais esperados do ano, e as modelos foram chamadas ‘Angels’ porque desfilavam com asas às costas e lingeries exclusivas, com uma performance de cenários e cantores estonteantes. Nomes como Naomi Campbell, Heidi Klum, Tyra Banks, Stephanie Seymour, Laetitia Casta, Doutzen Kroes, Gisele Bündchen, Alessandra Ambrosio, Karolina Kurkova Miranda Kerr, Adriana Lima, Lais Ribeiro foram alguns anjos que ascenderam ao paraíso fashion. Entretanto, muitos outros nomes entraram e saíram dessa lista que foi muito disputada no mundo da moda.

 

Anjos caídos não guardam segredos

A disputa e a rivalidade, além de ocorrer entre as modelos, muitas vezes acontecia da agência ou da própria modelo, que colocava toda pressão possível em si mesma, afinal, estavam sempre em busca da perfeição. Surge, então, em meio ao glamour, o lado sombrio de toda história. As modelos foram submetidas a exames, dietas e exercícios absurdos. Kendall Jenner ingeriu 400 calorias ao dia quando desfilou pela Victoria's Secret e Gigi Hadid foi rejeitada por seu peso. 
 

Bridget Malcolm, ex-Angel, conta sobre os diversos abusos sofridos durante a carreira e alega que foi instruída, enquanto menor de idade, a usar cocaína e manter relações sexuais para perder peso. A modelo desenvolveu diversos transtornos, como o TEPT (Transtorno do Estresse Pós-Traumático), anorexia e a ortorexia (transtornos alimentares). Além de ter desenvolvido ansiedade e depressão, que a levaram a sofrer ataques de pânico e desencadear dependência em remédios e sedativos.
 

Já Erin Heatherton, outra representante da Victoria’s Secret que atuou entre 2010 e 2013, por algum tempo entregou-se à pressão que sentia. Apesar das dietas e exercícios, seu corpo estava passando por mudanças, e Erin sentiu-se desesperada. Foi quando procurou por um nutricionista de celebridades, que a receitou alguns remédios, entre eles um inibidor de apetite, a fentermina. Muito semelhante à anfetamina, quase uma espécie de metanfetamina.
 

A modelo comparou seu trauma com a marca Victoria’s Secret a "automutilação emocional”, pois apesar de ir contra o que fazia, sabia que para estar ali, seria necessário sentir alguma dor. “Eu compartilho minha história novamente porque não quero que ninguém tenha um distúrbio alimentar ou odeie o próprio corpo” conta.

 

“A perfeição é a doença da nação”, a beleza não pode doer

A dieta das modelos incluía não ingerir alimentos sólidos dias antes dos desfiles e treinar disciplinadamente ao menos duas vezes por dia para engajar o condicionamento físico em busca do ‘corpo ideal’, uma ideia distorcida que promove uma visão irreal do que é o corpo feminino para o mundo e pode ser a causa de grande impacto para garotas e mulheres na sociedade.
 

Beyoncé, em sua música Pretty Hurts, relata que a ditadura da beleza oprime garotas desde a infância. A cantora revela uma expressão artística que faz uma crítica social muito importante: as consequências que a falta de aceitação social ou status podem acarretar em mulheres que se tornam vítimas da sociedade.
 

Na corda bamba entre aceitar a felicidade ou abraçar a repressão da mídia, estão os transtornos alimentares: a cada 10 pessoas com distorção de imagem, 9 são mulheres. O ‘corpo perfeito’ está em todo lugar, na mídia, nos outdoors, no cotidiano. As angels poderiam estar em cima de passarelas, inalcançáveis, mas as mulheres que estavam nos sofás atrás das telas da televisão queriam aquele corpo, aquele glamour. Elas eram inspirações, o cúmulo da perfeição. Entretanto, na tentativa de alcançar a imagem que tanto se adorava, algumas mulheres chegaram no limite entre a sobrevivência e a morte.
 

Existem diversos transtornos alimentares que podem ser causados pelo consumo excessivo de conteúdos como os que foram realizados pela Victoria’s Secret à época, por causar preocupação em demasia com o próprio corpo e a intensidade do pensamento de que só existe um modelo de corpo considerado belo. Mas a estética pode prejudicar a saúde e esses fatores podem levar mulheres reais a tomar atitudes arriscadas e desenvolver transtornos reais e muito perigosos.


 

Alguns transtornos alimentares, como a anorexia, já são conhecidos. A anorexia é o conjunto da distorção de imagem, com a dieta extremamente restritiva. Mesmo com a alimentação pautada no emagrecimento, e ainda que os números na balança atingissem os menores possíveis, a imagem no espelho não muda; é uma busca infinita pelo inalcançável. Imagine se olhar no espelho e sempre se sentir insuficientemente magro e, apesar de qualquer esforço, por meio exercícios físicos ou até mesmo do jejum, nunca atingir um objetivo real.
 

Já na Bulimia, outro quadro recorrente de TA (Transtorno Alimentar), é ‘normal’ se alimentar, ou até mesmo exagerar no consumo de alguns alimentos, e depois se sentir culpado. Culminam-se pensamentos como: “As garotas nas capas de revistas não se alimentam, eu não deveria ter feito isso, agora eu vou engordar”. E é a partir daí que os atos que acontecem em sequência, são pensados unicamente para expurgar as calorias, seja por meio do vômito, da compensação com exercícios físicos ou do uso de medicamentos, laxantes ou diuréticos.
 

A compulsão alimentar está ao lado da anorexia e da bulimia e pode se associar a estes transtornos ou não. Aqui, exagera-se ao ingerir alimentos, muitas vezes motivados pela tristeza, estresse e até mesmo ansiedade. A pessoa ingere quantidades exorbitantes de calorias em poucos minutos.
 

Além da tríade aqui apresentada, existem muitos outros transtornos alimentares, como, por exemplo, o Transtorno Alimentar Restritivo Evitativo (TARE), a Ruminação e a Ortorexia.
 

A frustração e o sentimento de culpa ao fracassar na busca pela magreza excessiva podem desencadear outros problemas psicológicos, como a ansiedade e a depressão. A tristeza é quase insuportável, a pressão vem de dentro, e para sair é necessário muito trabalho como psicólogos, psiquiatras e terapeutas. É a mudança de todo o estilo de vida que foi criado em torno do corpo. É enxergar a beleza no processo de recomeçar do zero o padrão da felicidade em estar sob a própria pele.

 

Da ascensão à queda: o fim do desfile das Angels

A pressão que vem do mundo da moda pode influenciar toda a sociedade, e a pressão ao mundo da moda, também. Todas as modelos voltaram aos camarins, tiraram suas asas e as cortinas foram fechadas de uma vez. Tentando apagar parte do passado obscuro e tóxico da corporação, as ‘Angels’, marca registrada de uma das maiores grifes do mundo, chega ao fim. A Victoria’s Secret deu lugar a um novo momento em sua influência e contratou porta-vozes que atuarão nessa nova gestão da marca (que é feita agora 99% de mulheres), definindo estratégias para comunicação e inclusão. O novo parâmetro para estar entre as porta-vozes da Victoria’s Secret são as realizações profissionais, não mais o corpo. A ideia de sensualidade se transforma em inteligência, em representatividade e em diferenças. Mostrando que para ser feliz e bem sucedida não existe um número como pré-requisito na balança, as integrantes do grupo Collective são: Megan Rapinoe, Priyanka Chopra Jones, Valentina Sampaio, Paloma Elesser, Adut Akech, Eileen Gu e Amanda de Cadenet. 


Esse novo posicionamento é urgente para que as próximas gerações não sejam contaminadas pelo ciclo infinito de tentar se encaixar em um padrão estético, e é apenas o começo, um dos primeiros passos para a mudança. Resistir às imposições, lidar com as causas e consequências do medo que é viver inteiramente, de corpo e alma, e retomar o controle das próprias vontades será um processo de superação para muitas mulheres, mas seremos criadoras de nossa realidade, seremos mais que Anjos e ainda assim seremos unicamente inalcançáveis, com imperfeições perfeitamente aceitáveis e reais. Seremos apaixonadas, apaixonantes. Seremos mulheres.

 
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