Como prometia Elza Soares ao afirmar ser a “mulher do fim do mundo”, a cantora produziu até dois dias antes de sua morte. Elza faleceu aos 91 anos e deixou um DVD composto pelos maiores sucessos da artista regravados. Além disso, músicas inéditas foram registradas em um álbum e, segundo o empresário da cantora, as produções serão lançadas ainda em 2022. Um documentário também foi produzido em homenagem à Elza Soares.
Para entender as narrativas presentes nas produções que foram programadas para o lançamento após o falecimento da artista, é essencial também compreender brevemente a trajetória de vida de Elza:
A voz, a mulher… pouco: a existência do milênio
Bambeia, cambaleia, é dura na queda, custa a cair em si. Largou família, bebeu veneno e vai morrer de rir”, já narrava Chico Buarque na música escrita especialmente sobre Elza Soares. A artista que registrava e publicava muitas de suas dores, sem perder o brilho e a esperança, representa a história de muitas mulheres, principalmente, vítimas de violência doméstica.
Elza Gomes da Conceição nasceu em 20 de janeiro de 1930, no Rio de Janeiro. Originária da comunidade Moça Bonita, conhecida atualmente como Vila Vintém, a artista viveu uma infância simples e dura, que durou apenas até os seus 11 anos de idade. Elza, nesse período, foi obrigada por seu pai a casar- se com Lourdes Antonio Soares, de quem obteve o sobrenome pelo qual é conhecida. Nesse primeiro casamento, a garota já sofria agressões físicas e sexuais advindas do cônjuge. Aos 13 anos de idade, a menina já era mãe e, aos 21, viúva pela primeira vez.
Após trabalhar como lavadeira e encaixotadora numa fábrica de sabão, Elza aventurou-se na música pela primeira vez, mas não por simples vontade, e sim por adoecimento do filho. A necessidade financeira a fez se candidatar no “Calouros em desfile”, programa de Ary Barroso na Rádio Tupi. Ganhadora do concurso, a cantora logo lançou a sua primeira música “Se Acaso Você Chegasse”, em 1959.
Considerado o verdadeiro início de Elza como artista, o concurso marcou a sua história, não só pela participação e pela vitória, mas pelo diálogo com o apresentador. Ary a questionou de que planeta vinha e a cantora o respondeu “do planeta fome”. Desde então, Elza Soares foi contratada por rádios, apresentou-se em eventos de bossa nova, trabalhou na Orquestra Garam Bailes e até representou o Brasil na Copa do Mundo no Chile.
Retornando ao cenário da vida pessoal de Elza - que sempre esteve presente também na produção artística - é importante salientar que, aos 15 anos de idade, a cantora já havia perdido dois filhos recém-nascidos por desnutrição. Mais tarde, também faleceram Garrinchinha e Gilson, dos quais também era mãe. O primeiro faleceu mediante acidente automobilístico, em 1896, e o segundo, em 2015, por conta de complicações de uma infecção urinária.
Fato também pertinente à produção e à vivência de Elza como mulher foi o envolvimento amoroso dela com Manoel Francisco dos Santos, o Mané Garrincha, em 1962. Na época, a artista foi bastante criticada por se relacionar com o jogador quando ele ainda era casado. Ainda que os dois tenham resolvido assumir o relacionamento formalmente após alguns anos, a relação logo apresentou aspectos problemáticos. Isso foi provocado, principalmente pelo alcoolismo que o jogador desenvolveu. O problema amplificou os atos violentos de Mané Garrincha, que passou a, frequentemente, agredir Elza verbal e fisicamente. A união, que durou mais de 16 anos, acabou pouco antes da morte do jogador, causada por cirrose hepática.
Elza Soares, a voz que embalou um país. Sua estrela sempre brilhará ao nosso lado. pic.twitter.com/q6kiNKQtBR
— CBF Futebol (@CBF_Futebol) January 20, 2022
Twitter de CBF Futebol. (Reprodução: @CBF_Futebol - Twitter)
A artista recentemente demonstrou ter bons sentimentos quanto ao seu ex-marido falecido, mas apontou não gostar de falar sobre essas questões vividas. Apesar disso, as vivências foram bastante refletidas nos posicionamentos sociais da cantora e também nas músicas.
Elza Soares foi contemplada em escala mundial com prêmios de reconhecimento por seus trabalhos e com a admiração de milhões de fãs. Isso porque a artista, além de bons trabalhos tecnicamente, produziu arte consciente, que demonstra preocupação com as questões sociais e, principalmente, com as pessoas em situações de vulnerabilidade. A energia de resiliência, expressão e transformação de Elza marcaram para além de sua história. A cantora faleceu no dia 20 de janeiro de 2022, aos 91 anos.
Lançamentos póstumos
O GloboPlay produziu o documentário “Elza & Mané - Amor Em Linhas Tortas”, que já está disponível na plataforma. A produção trata da trajetória da relação entre a cantora e o jogador Mané Garrincha, que foi marcada por instabilidades do início do romance até o seu rompimento. A união de talentos, as declarações, a violência doméstica e a própria separação são tratadas em quatro episódios, com cerca de 50 minutos cada, contando até mesmo com depoimentos da artista antes de seu falecimento.
Outros importantes produtos artísticos a serem lançados ainda esse ano são: o DVD, que foi gravado dois dias antes da morte da cantora no Theatro Municipal de São Paulo, que é uma coletânea com os 16 maiores sucessos da artista; e um álbum que tem como temática central o contexto político brasileiro. O primeiro tem previsão para ser lançado ainda em março e o segundo, antes das eleições de 2022, que ocorrerão em outubro.