11/03/2022 às 22h52min - Atualizada em 11/03/2022 às 22h22min

As novas perspectivas do mercado literário brasileiro

As novas vozes do mercado literário brasileiro, que antes era dominado por homens brancos e de classes privilegiadas, agora podemos observar uma dominação cada vez maior de mulheres, negros e indígenas, vozes que antes eram silenciadas e esquecidas sendo axautadas

Emily Prata - Editado por Larissa Bispo
Reprodução: Agência Brasil

A literatura brasileira possui um enorme déficit quando o assunto é diversidade e representação racial, além de constantemente reproduzir estereótipos, principalmente negros. Personagens negros são geralmente secundários, coadjuvantes ou vilões das narrativas, nunca como protagonistas e sempre em ambientes predeterminados e estereotipados. Esse cenário se torna mais indignante quando observamos que pretos e pardos representam 54% da população brasileira, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad). 

 

Negros, mulheres e indígenas estão gradativamente mudando esse cenário no mercado literário, trazendo suas realidades e perspectivas, contando suas histórias e daqueles próximos a eles, histórias essas que representam uma grande parcela de pessoas. O autor Itamar Vieira Junior, em entrevista ao jornal Estadão explica que:“Por muitos anos, o Brasil tentou branquear sua população e as pessoas evitavam falar sobre raça no Brasil”, disse ele. “Nas últimas décadas, o movimento dos direitos dos negros e o estudo do racismo estrutural esclareceram nosso papel na sociedade.” 
 

Itamar Vieira tem 42 anos e é um dos novos nomes da literatura brasileira,.Em 2018, seu livro “Torto Arado” ganhou o prêmio LeYa, grande premiação da língua portuguesa que foca na descoberta de novas vozes na literatura. O livro acabou sendo o mais vendido no Brasil em 2021, e o reconhecimento gerado pelo prêmio e a coragem do autor de enviar seu livro para análise o tornou uma voz de liderança na literatura atual, principalmente entre os atores negros. Mas esse é apenas um entre centenas autores que merecem tal mérito e reconhecimento. A autora Djamila Ribeiro recebeu esse reconhecimento no ano de 2020 com seu livro “Pequeno Manual Antirracista”. O livro traz uma leitura rápida e necessária para entender as discriminações racistas estruturais, reconhecer suas raízes e assumir a responsabilidade pela luta antirracista. 

 


A literatura indígena ainda é extremamente desvalorizada no Brasil, com autores pouco valorizados e raramente reconhecidos. A cultura indigena acaba sendo constantemente desrespeitada e tratada como folclore, até mesmo em livros didáticos. Desde que a cultura da civilização indigena se tornou parte do currículo obrigatório escolar em 2008, a história e cultura indigena é retratada e escrita por pessoas brancas, mas existem autores nativos fabulosos que merecem ser reconhecidos. Alguns deles são: Daniel Munduruku, escritor e professor; Olívio Jekupé, autor de literatura infantil e grande nome na cultura indígena; Ailton Krenak, é líder indígena, escritor, jornalista e fundador da ONG Núcleo da Cultura Indígena. 

 

O pesquisador, escritor e jornalista Fred di Giacomo traz à tona esse assunto desde 2019, desde a Feira de Frankfurt até seu doutorado na Freie Uniersität de Berlin. Ele afirma que as melhores composições literárias no Brasil são feitas por mulheres, negros e indigenas. Ele busca destacar não apenas o nome dos autores, mas as histórias que eles vivem e contam em suas obras, principalmente as descolonizadas e de temáticas particulares. 

 

“Nossa literatura é escrita por autores e autoras espalhados pelo Brasil, muitos dos quais são escritores e escritoras negros, indígenas, LGBTQIA+ e vindos das classes trabalhadoras. Mas eles não são bons autores por ter esses lugares de fala apenas. Fazem, de fato, uma arte excelente, como os leitores, críticos e prêmios têm reconhecido”, afirmou em entrevista ao jornal Estado de Minas.

 



Para ele, com as políticas de inclusão nas universidades não cresceu apenas o público leitor, mas também a leva de escritores, que antes não tinham acesso às universidades, mas que agora representam aqueles primeiros membros da família a entrar na universidade. “Nenhuma editora faz trabalho social publicando autoras negras ou indígenas, elas estão lucrando com isso. Algo que o racismo e o colonialismo nunca permitiram que se pensasse ser possível”, observa Fred di Giacomo.

 

Essa mudança no perfil dos autores possibilita a mudança das narrativas, trazendo retratos menos estereotipados de raça, gênero e cultura indígena, além de retratar de maneira menos preconceituosa e mais respeitosa e educativa as religiões de matrizes africanas. Para essa nova mudança de cenário, as editoras independentes possibilitam e facilitam as publicações dessas obras, que normalmente não são escolhidas e visibilizadas por grandes editoras. Outro mercado que vem crescendo muito e se tornando extremamente viável para novos autores, principalmente os mais jovens, são as publicações de e-books, principalmente na plataforma da Amazon, o Kindle. Onde os autores têm maior poder de lucro com suas publicações.

 

Segundo di Giacomo, 90% desses novos autores tem seus livros publicados por editoras independentes, espalhadas pelo país, reforçando ainda que as grandes editoras têm visão mais fechada e reclusa em relação a essas obras. É reconfortante observar a diversidade brasileira sendo cada vez mais representada em sua literatura, com autores de diversas classes, raças e gêneros cada vez mais conectados ao público ao qual representa, além de trazer suas diferentes histórias e realidades para todo o país.


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »