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14/03/2022 às 13h12min - Atualizada em 12/03/2022 às 18h33min

Os riscos e desafios do delivery

Entregadores de pedidos sofrem diariamente com as dificuldades da profissão

Jerusa Vieira - Editado por Larissa Bispo
Foto: Marina Silva/CORREIO

"Há clientes que me tratam como seu eu fosse um verme, um lixo, que me chamam até mesmo de palavrões". O entregador de aplicativo Jeová Marcelino (33) falou sobre as humilhações que encara nas ruas enquanto está fazendo entregas para o aplicativo de pedidos Ifood. Mesmo com o risco de assalto e acidente, todos os entregadores que participaram da construção desta matéria destacaram o principal problema de trabalhar nessa área: a desvalorização da profissão por parte dos clientes.

Sobre a profissão

Já é noite e ouve-se de longe a buzina de uma moto passando pela rua. O som ecoa uma, duas, três e mais outras e outras vezes. É um motoboy tentando encontrar a casa certa e chamando o cliente para receber o pedido. Mesmo numa rua escura, pela madrugada, eles se colocam em risco para conseguir chegar o mais rápido possível ao local de entrega. Desafiam a velocidade e desviam de outros veículos tentando não se acidentar. Essa é uma rotina que conhecemos de vista, mas vivida todos os dias por entregadores de pedido. 

 

Mesmo com pouca remuneração, eles se arriscam para receber o valor do seu sustento. A maioria até tem um segundo emprego e fazem das entregas renda extra. Outros, são contratados por um estabelecimento do ramo alimentício e recebem um valor fixo chamado de "encosta", tendo lucro principalmente na taxa de entrega que o cliente paga no ato da compra. O equipamento de trabalho, chamado de bag, geralmente é comprado pelo próprio motoboy, tendo o valor entre 90 a 160 reais, dependendo da capacidade em litros que ela possui. Porém, alguns estabelecimentos cedem suas próprias bags e os aplicativos de comida realizam, eventualmente, campanhas para doar a mochila a alguns parceiros que se engajarem.

Insegurança e desvalorização

 
Os desafios enfrentados por esses profissionais são diversos. A insegurança das ruas é um dos pontos de maior risco para os entregadores. Enquanto eles estão em velocidade lenta procurando a casa certa e parados aguardando os clientes pegarem o pedido, ficam vulneráveis a terem a moto, celular, maquininha de cartão e dinheiro para repasse de troco roubados. O entregador Jeová contou que já foi assaltado duas vezes num intervalo de 15 dias, onde foi levado o aparelho celular em ambas as vezes. Segundo ele, o veículo só não foi roubado por ser um modelo antigo. Outra situação que ele relata com pesar é a humilhação que sofre dos clientes. Isso porque já ouviu xingamentos e até palavras de baixo calão sendo dirigidas a ele, sendo tratado como se fosse "um verme ou um lixo".
 

Questionado sobre o motivo de continuar nessa função mesmo com tantos desafios, ele afirma: “É uma rotina que você acorda de manhã, entrega a vida a Deus, pois você pode não voltar para casa por causa dos riscos. Mas a vida de motoboy pra mim é para quem gosta, é de você andar de moto e gostar daquilo, pois não é qualquer um que aguenta. Eu gosto da minha profissão e, por mais que tenha muitas dificuldades, é o que eu gosto de fazer e quero continuar até eu conseguir abrir meu próprio negócio, somente aí irei pensar em talvez parar.” 


Há aplicativos que oferecem seguro de vida para os entregadores parceiros da plataforma. Mas segundo o motoboy do aplicativo Ifood, Gilvan da Silva (23), a preocupação maior das empresas é mais com o pedido do que com o entregador.” Os aplicativos fazem o reembolso para o cliente, caso haja algum problema com os itens solicitados, porém os motoboys ficam a mercê dos perigosos e sem auxílio material, psicológico ou financeiro em caso de acidentes. Ele já está há quatro anos fazendo entregas pelo app e diz que há vantagens, pois o próprio motoqueiro faz o seu horário de trabalho ficando online no aplicativo o tempo que escolher, podendo fazer suas próprias metas e ganhando um bom valor com as taxas que o Ifood repassa. Porém, ele compara as taxas de quando começou e as atuais, e destaca que houve um decréscimo delas. 

 

Gilvan também fala sobre as greves que acontecem em prol de melhorias para os motoqueiros. Para ele, é válido que haja essas mobilizações, pois só assim os representantes da categoria conseguem marcar reunião com administradores dos aplicativos para apresentarem as dificuldades e exigências de mudanças. As paralisações são organizadas através de redes sociais, principalmente pelo WhatsApp, podendo ser um movimento a nível nacional ou local. As principais solicitações são maior transparência sobre as formas de pagamento adotadas pelas plataformas, aumento dos valores mínimos para cada entrega, mais segurança, fim dos sistemas de pontuação, bloqueios e "exclusões indevidas" e outras demandas pontuais.

 

A desvalorização da categoria é um dos pontos que mais trazem problemas para os entregadores. Clientes não compreendem as possíveis dificuldades que possam haver no caminho ou atraso do estabelecimento no preparo do pedido e descontam nos entregadores reclamações, e até mesmo xingamentos, por causa da demora ou de alguma situação ruim que possa ter acontecido. O motoboy Abel Handerson (22) lembra um dos tantos episódios que aconteceram com ele em decorrência da falta de empatia do cliente.

O local onde a cliente morava era esquisito, de difícil localização, sem iluminação, um condomínio fechado que também não tinha interfone, Então tive que ficar buzinando, e nesse dia estava chovendo. Quando finalmente consegui encontrar, ela chegou reclamando da taxa de dois reais da entrega, então eu disse ‘está chovendo, estou me arriscando a perder minha moto, estou com valores em dinheiro para passar troco, celular, documentos, maquininha, enquanto a senhora está na sua casa, no seu conforto, em segurança, e só estamos cobrando dois reais’, então ela compreendeu e pediu desculpa", relatou Abel, que ainda reforçou que essa taxa é a maior do lucro que recebe, já que a "encosta" ele investe na gasolina e manutenção do veículo.

Na linha de frente da pandemia

 

Durante a pandemia de Covid-19, principalmente no período em que aconteceu o isolamento social, as pessoas recorreram ao uso de aplicativos para solicitarem comida, já que muitas tinham medo de ir ao supermercado ficarem expostas ao perigo do vírus. Os entregadores estavam na linha de frente como um serviço essencial e desempenharam papel importante para toda a sociedade. Houve um aumento de fluxo de solicitações e eles precisaram ser mais rápidos para conseguir entregar todos os pedidos dentro do prazo. Além disso, eles procuraram se proteger com as medidas de segurança impostas, para não serem contaminados.

O entregador Gilvan falou que optou por parar de rodar nesse tempo, pois sua esposa estava grávida e preferiu não colocar a família em risco, como ele já tinha um emprego de carteira assinada, conseguiu ter uma renda. Já Jeová continuou trabalhando com as entregas e chegou a contrair o vírus no pico da pandemia. Já Abel também continua fazendo entregas para um estabelecimento, tendo que se adaptar a todas as medidas de proteção. "
Na pandemia, o delivery se tornou um serviço essencial, o motoqueiro estava ali na linha de frente. No meu estabelecimento fomos orientados a usar luva, máscara e álcool em gel e ter todo o cuidado com os protocolos de segurança", relatou o motoboy.

Uma profissão com pouco reconhecimento, mas com grande importância, os entregadores precisam estar em alerta a todo o instante e colocam sua vida em risco em prol do que gostam de fazer e do que precisam fazer para ter uma melhor renda e garantir o sustento da família. Uma classe que clama por mais empatia dos clientes e garantias de auxílios para trabalhar com maior segurança e benefícios, assim como todas as outras profissões valorizadas.


 


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