Psicopata. Chega a ser engraçado como uma palavra com conceitos tão abrangentes consegue assustar quando dita em voz alta. Mas, afinal, o que é a psicopatia, quem pode ser considerado psicopata e como reconhecer um ao seu redor? Através das análises do filme O Golpista do Tinder e da minissérie Inventando Anna, ambos sobre histórias reais, poderemos ver que o caso mais assustador e distante pode, na verdade, ser mais iminente e disfarçado do que pensamos.
Inicialmente, antes de qualquer julgamento precipitado, é crucial entender o conceito geral por trás do assunto. O nome técnico para psicopatia é Transtorno de Personalidade Antissocial (TPA), porém o termo mencionado é de fato o mais utilizado. Retratado diversas vezes em filmes fictícios com exageros, o TPA detém mais de um nível e é mais complexo do que o que o mostrado para nós, leigos telespectadores.
Em seu estudo “Psychopathy and the Cinema: Fact or Fiction?”, o psiquiatra belga Dr. Samuel Leistedt, juntamente com outros profissionais da área, analisou 400 filmes exibidos entre 1915 e 2010 para escolher 126 psicopatas ficcionais e chegou à seguinte conclusão:
"Os personagens psicopáticos são geralmente irrealistas, acumulando muitos traços e características, tais como o sadismo, inteligência e a capacidade de prever os planos que as suas futuras vítimas irão usar para tentar escapar. Hoje em dia, estes retratos são mais representações populares icónicas do mal do que psicopatas interessantes”.
MAS AFINAL, QUEM É CONSIDERADO PSICOPATA?
Os psicopatas são seres que não possuem empatia nem consciência moral. Dessa forma, suas atitudes estão voltadas para si mesmo, o seu próprio beneficiamento e a sensação de poder em torno delas. De acordo com a psiquiatra Ana Beatriz Barbosa, em seu livro "Mentes Perigosas: o psicopata mora ao lado’’, existem três níveis de psicopatia, sendo eles o nível moderado a grave, que está voltado para serial killers e assassinos de forma geral, e o nível leve correspondente a estelionatos e crimes de fraude, lesando poucas pessoas.
LIGAÇÃO COM OS CASOS
Em O Golpista do Tinder, Shimon Hayut usava o nome falso de Simon Leviev para atrair vítimas pelo aplicativo de relacionamentos, alegando falta de dinheiro. Após extorquir-las, ele desaparecia com o dinheiro e repetia o ciclo com outras mulheres. O crime de estelionato atingia seu êxito, pois minuciosamente o golpista se aproveitava da carência das vítimas e, além disso, tinha o cuidado de vestir-se muito bem e frequentar locais sofisticados, dando a impressão de ser alguém de muito renome e consequentemente confiável.
Não obstante, em Inventando Anna, Anna Delvey, pseudônimo usado por Anna Sorokin, era uma vigarista russa que, assim como Simon Leviev, utilizava do seu poder de persuasão boas vestimentas e ciclos renomados de amizades para realizar seu sonho: montar sua própria instituição de artes. Como não tinha investidores, enganou diversas pessoas com seu discurso bonito e as extorquiu.
Tomando como base o relato anterior do Dr. Leistedt, diferentemente da grande maioria dos filmes fictícios, é possível notar que em ambos os casos a representação mais fidedigna do que possivelmente ocorreu com esses criminosos traz, para quem assiste, uma aproximação mais detalhada, sem exageros, dos psicopatas de grau leve. Todavia, os mais difíceis de serem identificados, os estelionatários.
COMO OS ESTELIONATÁRIOS AGEM? E COMO IDENTIFICÁ-LOS?
De acordo com a especialista em Empatia e Comunicação Não Violenta, Marie Bendelac, os psicopatas de grau leve costumam seguir uma ordem de quatro fases: sedução, controle, ascensão e descarte. Essas fases resumem o processo de preparação do terreno para que a presa seja caçada.
Na fase da sedução, os estelionatários se aproximam e conquistam a confiança da vítima, mostrando a ela de que é extremamente confiável e que o seu tempo é inteiramente para a mesma (vítima). Na fase do controle, há uma tentativa abafada de manipulação, com base em falas e comportamentos que induzem a vítima a realizar o que querem, mas com o pressuposto de que aquela atitude com certeza é a mais correta. Por fim, a ascensão e descarte nada mais é do que o momento em que o psicopata conseguiu o que queria e agora precisa ir atrás de outra vítima, descartando a "antiga’’.
Em suma, reparamos que a facilidade de Simon Leviev e de Anna Sorokin em fazerem pessoas importantes de "gato e sapato’’ é possibilitada pelo alto grau de psicopatia, trazendo à tona a ausência da empatia em prol de benefício próprio. Os dois casos, em tese, causam danos leves as pessoas, porém, mesmo sem tirar suas vidas, a retirada do dinheiro e da privacidade são fatores que paradoxalmente mostram que, sim, isso destrói uma vida quase que literalmente, ao passo que transtornos também poderão ser desencadeados nas pessoas afetadas, como, por exemplo, a depressão.