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18/03/2022 às 17h06min - Atualizada em 18/03/2022 às 17h10min

Projeto de Lei pretende acabar com cotas raciais

Acesso de negros à instituições públicas de ensino pode sofrer retrocesso

Lucas Aguiar - Editado por Maria Paula Ramos
Foto: Marcello Casal Jr / Agência Brasil

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4125/21. A proposta é que as cotas para ingresso nas universidades públicas federais sejam destinadas exclusivamente aos estudantes de baixa renda. Isto é, pretende alterar a Lei de Cotas (Lei nº 12.711/2012) com a exclusão das vagas do sistema atualmente destinadas aos autodeclarados pretos, pardos e indígenas.

O autor do Projeto Lei é o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) que utiliza a justificativa de que as políticas de cotas raciais ferem a Constituição quando classificam pessoas com base em raça ou cor. O parlamentar de direita acredita que a cota racial é uma política pública que precisa ser discutida.

“Além de inconstitucionais, as políticas de discriminação positiva não fazem o menor sentido. Quem é excluído da educação é o pobre, que entra cedo no mercado de trabalho e depende dos serviços educacionais do Estado, que em geral são de péssima qualidade. A pobreza não tem cor: atinge negros e brancos”, afirma Kataguiri.

Em ano eleitoral, a discussão ganha ainda mais força no Congresso, visto que a Lei de Cotas completa dez anos e a própria norma prevê sua revisão em 2022. É o que declara a Agência Senado ao considerar que, após uma década desde a sanção, a norma passa por avaliação e reacende o debate sobre reserva de vagas para negros e indígenas em universidades públicas.

 

Historicamente, sabe-se que os negros no Brasil foram submetidos a situações subumanas e tiveram direitos básicos ceifados. Após o período da escravidão, o acesso à educação continuou, por mais de um século, restrito à elite branca. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade de Brasília (UnB) foram pioneiras na implantação de políticas afirmativas para negros em seus vestibulares no início dos anos 2000.

 

O professor Nelson Inocêncio, do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da UnB, enfatiza o crescimento do número de pessoas negras nas instituições de ensino nos últimos anos, mas pondera que é preciso pensar em outras políticas para além das cotas que garantam uma aproximação real entre o nível de educação de pretos e brancos.

 

“Antes de falar em igualdade racial, temos que pensar em equidade racial, que exige políticas diferenciadas. Se a política de cotas não for suficiente, ainda que diminua o abismo entre brancos e negros, a gente vai ter que ter outras políticas. Não é possível que esse país continue, depois de 130 anos de abolição da escravatura, com essa imensa lacuna entre negros e brancos”, destaca Inocêncio.

Segundo um levantamento do Quero Bolsa, a partir dos dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), entre 2010 e 2019 o número de alunos negros no ensino superior cresceu quase 400%. Os negros chegaram a 38,15% do total de matriculados, percentual ainda abaixo de sua representatividade quando se avalia a população negra brasileira que corresponde a cerca de 56%.

 

Outro dado é o da pesquisa do IBGE Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, na qual revela que o número de matrículas de estudantes pretos e pardos nas universidades e faculdades públicas no Brasil ultrapassou pela primeira vez o de brancos em 2018, totalizando 50,3% dos alunos do ensino superior da rede pública. Ainda de acordo com o levantamento, 75% das pessoas que viviam na miséria eram pretos ou pardos em 2018. 

 

Mateus Clementino, 20 anos, ingressou em 2020 no curso de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) por meio das cotas raciais. Ele considera que essas políticas afirmativas foram essenciais para a sua entrada na universidade, visto que no ano de preparação para o Enem não pôde se dedicar totalmente aos estudos. 

 

Além de estudar, Mateus conta que tinha que trabalhar e suprir as demandas do curso técnico em Administração que fazia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN). O estudante afirma que não conseguia se dedicar integralmente para o Enem e decidiu optar por utilizar do direito às cotas raciais.

 

“Eu não sei o que seria de mim dentro da UFRN se não fosse a cota racial. Talvez eu nem estivesse na instituição… Esse fator contou bastante para que eu ingressasse na universidade.”, explica Mateus. 

Atualmente, Mateus está no quinto período e defende que a cota destinada aos pretos, pardos e indígenas é um instrumento essencial para remediar a desigualdade social entre pretos e brancos. Segundo ele, é uma forma de retirada da negritude de funções e tarefas marginalizadas preestabelecidas pela estrutura racista da sociedade, além da inserção dessas pessoas em espaços de poder que lhes foram negados.

 

Mateus acredita que existe uma distinção entre alunos negros e brancos pobres no país e, por isso, deve-se tratar os aspectos da raça e da classe de maneira diversa. Ele destaca que percebia diferenças palpáveis entre brancos e negros na instituição em que estudava.

 

O estudante de Direito diz que existe uma diferença notável de oportunidade educacional entre pessoas negras e pessoas brancas e isso não apenas nas escolas públicas, mas também dentro das universidades públicas através da falta da rede de apoio para alunos negros que já ingressaram e encontram algumas dificuldades devido ao racismo que sofrem.

 

"É nítida a diferença no tratamento, não só dos diferentes casos de racismo, mas da pressão que uma pessoa negra sente para poder se sustentar, estudar e lidar com tudo aquilo que a raça nos impõe… Todas essas barreiras sociais que a raça nos coloca e que são barreiras que pessoas brancas não precisam enfrentar. São pressões que pessoas brancas não sofrem. São obrigações que pessoas brancas não precisam se preocupar em cumprir. “, declara o jovem. 

Assim como Mateus, os que defendem o direito de acesso às universidades pelas cotas raciais são aqueles que discordam da mudança na Lei de Cotas proposta pelo PL 4125/21. Para Clementino, o racismo afeta diariamente a população negra, seja negando a imaginação de outras possibilidades de vida para além dos lugares de submissão, seja negando as condições de acesso a espaços de poder como as universidades.
 

“Eu penso em toda uma questão social… As pessoas negras são historicamente, no Brasil, as populações mais vulneráveis no que diz respeito à renda. Então, o preto tem que se virar para dar conta da casa, para se preocupar com a comida que se põe na mesa, pagar as contas e tudo isso enquanto estuda… É uma realidade muito mais forte para pessoas negras do que para pessoas brancas.”, conclui.

 

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