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28/03/2022 às 20h53min - Atualizada em 29/03/2022 às 19h24min

Pingue-pongue: Ilustradora brasileira faz sucesso com história em quadrinho digital

Conheça Luiza Michele que conquistou quase meio milhão de visualizações em seu webtoon e alcança audiência internacional

Virginia Oliveira - editado por Larissa Nunes
Luiza Michele é ilustradora autodidata que alcança audiência internacional com seus desenhos. (Crédito: Arquivo pessoal/ Montagem: Virginia Oliveira)

Com o advento da tecnologia, as histórias em quadrinhos (HQs) também ganharam espaço no mundo digital, onde o papel é substituído pelas telas de celular e computadores, melhorando também a portabilidade do usuário. Nesse contexto, em 2003, lá na Coreia do Sul, foi criada a plataforma Webtoon para publicar os manhwas - nome dado às HQs sul-coreanas - só que virtualmente.

 

O nome "Webtoon" é a junção das palavras web e cartoon e traduz exatamente o propósito do site que disponibiliza o acesso gratuito aos episódios semanais. O sucesso é tamanho que muito webtoons já renderam adaptações para k-dramas, como foi no caso de Itaewon Class (2020). Atualmente artistas independente de vários países podem publicar suas ilustrações e histórias através do projeto "Canvas" dentro da plataforma, mas vale destacar que o site opera principalmente nos idiomas coreano e inglês. Também é possível que os leitores e fãs colaborem com traduções, uma vez que o autor permita essa interação. 


Montagem com algumas das histórias de sucesso dentro da plataforma.

Montagem com algumas das histórias de sucesso dentro da plataforma.

(Foto: Reprodução / Nerdsite.com.br)


Criadores brasileiros existem dentro da plataforma, mas não é algo que se pode notar logo de cara até mesmo por essa questão de idioma, visto que uma das primeiras opções para alcançar visualização é adequar a obra ao Inglês. Entretanto há conterrâneos por lá que estão fazendo sucesso, por exemplo, a Luiza Michele (21) também conhecida como Luh Draw, mineira, ilustradora autodidata e autora do webtoon chamado “My Secret Boyfriend”, ("Meu Namorado Secreto" em tradução livre) que já acumula mais de 450 mil visualizações e 34 mil inscrições. A história conta as aventuras de uma jovem maquiadora negra que se muda para a Coreia do Sul para trabalhar em sua área e conhecer seu namorado virtual, o qual possui diversos segredos, incluindo sua identidade. A autora concedeu uma entrevista e falou um pouco das suas vivências na carreira, seu processo criativo, situações e aprendizados ao longo do caminho. Acompanhe:

 


Desde quando você se interessou pelo desenho?

É aquela frase que todo artista usa ‘desenhar eu desenho desde pequeno’. E por ter esse meu jeito, eu não gosto muito de ter o compromisso sério com certas coisas, estou sempre querendo mudar então… minha mãe é costureira e eu comecei a trabalhar com ela, mas não gostava. Queria fazer alguma coisa que eu gosto e ganhar dinheiro com aquilo.

Parei de desenhar no começo do ensino médio, mas retomei no último ano (2018) e as pessoas me diziam para investir naquilo. Então algumas amigas criaram uma conta no Instagram, porque se fosse por mim eu não teria feito, e desde então eu comecei a postar.
 

Antes disso, como foi o processo de aprendizagem? Alguém te ensinou? 

Eu sempre me virei nos trinta. Por exemplo, até uns cinco anos atrás, não tinha nada de tutorial de desenho na internet, então eu não achava. Quando eu comecei não tinha isso, ou você pagava por conteúdo ou se virava, e foi o que eu fiz. Eu pesquisava imagens no Pinterest e praticava até ficar daquele jeito. E fui aprendendo. Não compensa, para mim, pagar e comprar um curso porque eu sei que não vou terminar. Tudo o que eu sei eu tive que me virar e foi assim desde o começo por não ter recurso ou alguém para me ensinar. 

As pessoas até me perguntam por onde começar a estudar, mas eu nunca fiz curso, até queria ter feito uma faculdade de artes visuais para entender mais do assunto, por mais que a faculdade seja uma área mais teórica. Mas é tudo no olho, vejo uma arte que eu acho legal ai vou treinando.

 

Então você começou a desenhar no tradicional né? E como foi a descoberta da arte digital? 

Eu desenhava no tradicional porque não tinha tanta condição, desenhava com o que tinha, com lápis que comprava na padaria e eu ia fazendo isso. Mas eu via trabalhos que começaram a ficar mais famosos em 2014 e 2015, aquele desenhos digitais, e me perguntava como seria ter aquilo. 

Tenho um primo que mexe com animação e ele tinha uma mesa digitalizadora na casa dele e  me mostrou. Fiquei sem acreditar, eu não sabia que tinha como fazer aquilo. Falei para minha mãe que precisava de uma mesa daquela e explicava para ela as vantagens de como eu poderia vender um desenho e ganhar dinheiro, mas ela ficava dizendo que não daria certo. 

Trabalhei para tentar arrumar o dinheiro para comprar a mesa, mas não deu. E a mesma amiga que criou minha conta no Instagram me deu uma mesa de presente e foi assim que entrei no digital. Mas antes de ter a mesa eu desenhava com o dedo no celular e é o que muita gente faz hoje.

Um dos desenhos que Luiza fez para seu perfil no Instagram.

Um dos desenhos que Luiza fez para seu perfil no Instagram.

(Foto: Reprodução/ Luiza Michele/ Instagram)

 

E como foi que você conheceu a plataforma Webtoon? 

 

Eu não lembro exatamente quando que eu encontrei, acho que foi pesquisando, de bobeira. Às vezes eu lia fanfics quando tinha 15 anos mais ou menos, queria algumas distrações e procurava algo para ler. Sempre tive essa fixação por histórias em quadrinhos, quando era mais nova lia muito Turma da Mônica e deseja fazer aquilo. Eu pegava meus cadernos de escola e ficava rabiscando histórias no final das páginas. Enfim, hoje uso Webtoon porque é uma das maiores plataformas hoje em dia, se tivesse uma plataforma brasileira com certeza eu investiria nela. 

 

Quando foi que você decidiu criar uma história para a plataforma? 

 

Foi quando eu criei "Air", não sei se você chegou a ler esse webtoon porque eu tirei ele do ar e pretendo vender físico. É a história de uma moça cega que conhece um rapaz... e eu postava no Instagram a princípio e o pessoal comentava para eu publicar no Webtoon. Achei uma boa ideia e fui postando. Como dava muito trabalho, eu atualizava de três em três meses. Quem conhecia "Air" era mais brasileiro então postava em português. E também em espanhol. Inclusive esse webtoon foi excluído várias vezes aí desisti, porque não dava o retorno do trabalho que eu tinha para fazer.

 

Esse seu interesse por escrever histórias sempre foi algo presente? 

 

Como eu te falei, desde mais nova eu gostava de quadrinhos, eu inventava cada história louca. Aí com uns 14 ou 15 anos eu comecei a escrever fanfic, que se hoje eu fosse ler sentiria muita vergonha (risos), não recomendo. Mas sempre gostei de criar esses universos alternativos, uma vida que a gente não pode ter, que posso ter desenhando pelo menos. Toda vez que eu penso em uma coisa e vejo que não poderei alcançar, pelo menos no meu ponto de vista limitado, escrevo um personagem que alcance aquilo para mim, acho que é meio problemático isso, mas…tudo bem.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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Postagem feita pela Luiza na época da estreia de "My Secret Boyfriend". (Fonte: Reprodução/ Instagram)

De onde surgiu o conceito e enredo para o seu webtoon recente, o  “My Secret Boyfriend”? 

 

Para chegar em “My Secret Boyfriend”, foi graças ao primeiro webtoon mesmo. Não sei se você conhece os influenciadores, o Bennie e a Darcie, que são os protagonistas do webtoon, eles são inspirados em pessoas reais. O Binnie é um youtuber coreano de ASMR e a Darcei é uma influencer digital canadense e maquiadora negra, e isso é um dos grandes impactos desse webtoon.    

 

Não sabia que eram baseados em pessoas reais, como conheceu eles e como é o processo de adaptar o real para o fictício?

 

Bom, eu já tinha trabalhado para o Binnie, que é o youtuber no ano retrasado, então a gerente dele conhecia meu trabalho.  Eles tinham feito um webtoon chamado “Meu Namorado Coreano”, algo assim, mas ela me disse que estava muito caro para manter e que por isso eles iriam parar. Ela falou que viu meu webtoon (Air), gostou dos desenhos e perguntou se eu não queria fazer a minha versão do webtoon que eles já tinham. Eu concordei. De início era um trabalho não remunerado então eu estava indo com a cara e com a coragem, pensei que, por eles serem influenciadores e terem bastante seguidores, eu ganharia alguma visibilidade em troca. 

 

Na hora da gente selecionar quem seria a protagonista, vimos que na outra história tinha uma personagem branca, e eu sugeri dar uma diferenciada, e como a Darcei já é amiga do Binnie na vida real e eles já tem uma coisinha aí... (risos), escolhemos ela. E tem a terceira pessoa, que faz parte do triângulo amoroso e também é uma pessoa real. Eu fico de olho nas interações deles e decido colocar na história. Quando decidi incluir a Darcei, acompanhei ela durante uma semana inteira para criar a personagem. Ela ficou bem empolgada e amou a ideia de estar em um webtoon e de ser relacionado a Coreia, ela disse que seria o drama da vida dela, algo que sempre quis ter.

Darcei, Binnie ASMR e Phil Mizuno, pessoas reais que inspiraram o webtoon “My Secret Boyfriend”.

Darcei, Binnie ASMR e Phil Mizuno, pessoas reais que inspiraram o webtoon “My Secret Boyfriend”.

(Foto: Reprodução/ Instagram/ @missdarcei, @binnieasmr, @taotaolop)


Essa questão da representatividade foi o que mais me chamou atenção, pois não é comum esse relacionamento interracial na Coreia...

Principalmente na Coreia né? Acho que é isso que choca. A personagem saiu da sua terra e foi para um país que ainda tem um padrão de beleza muito forte e a Darcei tem um corpo e uma cor diferente, mas ela não tem vergonha disso. Até o mometo ainda está leve, mas quando começar a falar mais sobre ela, sobre o sentimetno real de estar ali, vai ser uma coisa mais para crítica mesmo. Sabemos que na Coreia tem pessoas de vários países, mas querendo ou não os cidadãos de lá não estão acostumados com isso e ver uma pessoa diferente como ela é uma coisa nova.


O propósito da história então seria essa provocação?

Sim (risos). Eu penso que se eu tenho a oportunidade de escrever alguma coisa para meio milhão de pessoas lerem, então eu tenho que passar algo com aquilo, eu não quero ser fútil. Quero que se sintam na pele da protagonista. A personagem é muito positiva, mas ela também tem os defeitos dela, é orgulhosa, enfim... para mostrar que não existem pessoas perfeitas, para que o público se identifique com o personagem.

 

E o que você sente vendo o seu trabalho alcançando várias pessoas, principalmente fora do Brasil?

Eu não sei (risos). A gente fica sem palavras, sem acreditar. É por isso que a gente continua insistindo. E a Darcei se ofereceu para pagar por esse trabalho, como eu havia falado não iria ser remunerado, mas por ela ter achado a ideia boa se ofereceu para pagar. E digo para todos que dá para viver de arte, pois eu poderia viver só de webtoon agora. O público sabe que eu sou brasileira, então estão sempre agradecendo pela tradução e sempre tem comentário elogiando a minha arte. E isso é tudo, mais do que dinheiro. Minha família fica muito feliz com isso, é um sonho. E gente só pensa onde mais a gente pode chegar com isso, o que mais a gente pode fazer. É gratificante. 


Captura de tela com a página onde o webtoon de Luiza é exibido.

Captura de tela com a página onde o webtoon de Luiza é exibido.

(Foto: Reprodução/ Webtoon/ Luudraw)



Futuramente você tem algum plano para esse webtoon?

 

Pretendo continuar ele até onde eu puder. Está no começo ainda então quero focar mais pois sei que tem muita coisa para melhorar e quero deixar ele chegar onde tem que chegar por si só. eu faço minha parte e a internet faz o resto (risos).


E falando um pouco sobre seu fluxo de trabalho na hora de criar, como funciona? 

 

Bom, na criação de personagem, para "My Secret Boyfriend" foi mais fácil porque os personagens já existiam, mas precisa colocar um lado fictício na história, porque senão vai ser uma biografia, preciso colocar algo meu. Pego um pouco da personalidade real deles e vou adivinhar o resto. Então depois disso, decido qual é a trama. Eu não tenho a história toda escrita, eu vou inventando os capítulos a medida que escrevo um. Às veses até muda,  a tradução vem de um jeito que eu acabo mudando o conceito…

Você faz primeiro em português e depois traduz para o inglês? 

 

Isso. Faço em português para eu começar a desenhar e depois eu traduzo para o inglês e só coloco as falas no balãozinho… 

 

Alguém te ajuda nessa parte de tradução ou você é bilingue? 

 

Quem dera! (risos). Mas eu tenho uma amiga que me ajuda com isso. Quando "My Secret Boyfriend" estorou, que foi ano passado, em outubro, os fãs da Darcie viram e venho muita gente no privado perguntando se eu queria ajuda com tradução. Mas querendo ou não é uma coisa pessoal, sabe? Não posso pegar um capítulo e enviar para qualquer pessoa porque eu não sei o que ela vai fazer, a gente fica com pé atrás, pode ter spoilers. 

 

Enfim, testei vários tradutores e teve até gente querendo traduzir para coreano, mas ficava algo robótico e a galera percebe. Você posta um capítulo com inglês robotizado ele falam que está muito “google tradutor”. Então essa amiga veio do céu, peguei a tradução dela e mandei para eles. Ela sabe adaptar o que eu quero dizer no português para o inglês, para não mudar o sentido.

Você manda para os influenciadores aprovarem antes de publicar então? 

 

Sim, por conta da imagem deles. Por exemplo, a Darcei é youtuber e influencer então às vezes posso escrever alguma coisa que possa ser ofensivo para ela ou para os fãs dela. Eles conferem a tradução, já que eles falam em inglês. Tradução conferida e aprovada, eu só posto. Mas o trabalho dessa minha amiga até hoje nunca deu problema então eu já nem mando para eles. Foi difícil conseguir uma pessoa confiável, mas ficou tranquilo depois disso. 

E sendo uma das poucas brasileiras na plataforma, que opera em inglês e em coreano, como você se sente? 


Tem brasileiros lá, só que estão escondidos (risos). Eu me sentia solitária lá até encontrar outra brasileira, que é autora do "LMLY", ela conversa comigo, vê que o webtoon ganha destaque e me avisa... Porque tem isso também, o Webtoon reconhecendo nossas obras, de vez em quando eles colocam em destaque na página inicial. Uma coisa que eu não consegui com "Air", mas consegui com esse...

Vídeo que Darcei fez divulgando o webtoon e falando sobre o assunto. (Fonte: Reprodução/ Youtube/ MissDarcei)


 

A plataforma em si dá alguma orientação para os criadores? 

 

Eu fui aprendendo no próprio site, pego alguns webtoons que leio e fico vendo. Eles têm aquele sistema mais automático mesmo, às vezes que eu precisei entrar em contato foi para reclamar (risos) porque eles apagaram algum capítulo sem motivo, mas eles explicam direitinho. Já falei da questão de não ter o idioma português e eles me orientaram a criar mesmo a plataforma sendo em inglês e foi o que eu fiz, até que o idioma seja adicionado. 

 

Então essa seria uma melhoria que você gostaria que tivesse? 


Só o questão do idioma mesmo, porque a plataforma em si é boa e acessível. Acho que podia ter mais histórias traduzidas, os webtoons que estão em destaque mesmo não tem tradução, e tinha que ter para não virar algo clandestino como tem vários sites traduzindo de maneira pirata uma coisa que as pessoas deveriam ler na plataforma para incentivar o autor, principalmente os autores do “Canvas” como eu.
 

Em relação a ferramentas de trabalho, quais já usou e usa atualmente?
 

Eu usava mesa (digitalizadora) até o ano passado, ela durou quatro anos, coitada (risos). E era muito difícil por conta da acessibilidade. O meu computador nunca foi dos melhores então usava os programas mais leves possíveis. E graças ao webtoon eu consegui comprar um Ipad e sempre foi meu sonho. Não foi um novo, foi uma artista que me vendeu, é seminovo, bom e com preço acessível. Uso o Procreate nele e desenho bem mais rápido. 

 

Agora sobre sua trajetória como artista, qual foi o momento que você decidiu seguir nesse campo e fazer da arte um trabalho?

 

Quando eu tive de trabalhar fora, com 17 anos. É estranho porque você está ali dando seu melhor, mas não é aquilo que queria fazer. Minha patroa não era uma pessoa que reconhecia meu trabalho, então, depois de ouvir tanta reclamação dela, eu vi que não precisava daquilo e na época eu não ganhava dinheiro com a minha arte, mas eu acreditava que podia ganhar. Larguei aquele trabalho sem ter uma certeza, mas sabendo que eu estar ia fazendo uma coisa que eu gostava e que me faria bem. 

 

Depois disso você ficou mais focada na conta do Instagram, o que aconteceu?

 

Nesse momento de desespero decidi abrir comissões (risos). Comissões absurdas com preço lá em baixo. E é algo que eu não penso em fazer de novo, porque às vezes a gente fica tão desesperado que, por exemplo, já peguei cinco comissões, R$ 50,00 cada, que eram mais trabalhadas e tinha que entregar em uma semana e ficava doida. E quando eu abri a loja também precisava pagar alguel, então fazia isso e chegava em 250 reais e não conseguia pagar nem metade do aluguel. Era um dinheiro que eu trabalhava a semana inteira e ia embora super rápido. Mas eu pensava que uma hora tinha que dar certo.

 

Interessante você falar sobre isso pois essa questão de precificação às vezes é uma incógnita na vida de muitos artistas.  O que aconteceu para que você começasse a dar o devido valor ao seu trabalho? 

 

Foi quando eu comecei a trabalhar para essa galera gringa. Para você ter uma ideia, eu já vendia arte tradicional por dez reais, arte tipo realismo. E já teve quem não me pagasse, fiz o desenho da pessoa, tudo pronto e ela não buscou por não querer pagar. Aqui no Brasil é muito desvalorizado a arte e falo isso por experiência própria, hoje eu tenho um valor fixo - que ainda acho baixo, mas não aumento pois deixo como apoio a autoras - eu faço capas de livro e cobro R$ 85,00 para fazer um casal e o fundo é um agrado. É a única comissão que pego hoje. Mas esse preço não é nem metade do que a galera lá fora me paga. 

 

Quando o Binnie me procurou pela primeira vez para fazer uma capa do Youtube para ele, me perguntou quanto eu cobraria. Fui converter para saber quando seria R$ 40,00 lá fora. Aí falei, eu te cobro 8 dólares. Aí a agente dele falou: 'eu te pago 50 dólares e você me entrega amanha?' Fui conferir e me perguntei: Quem pagaria 250,00 reais para fazer uma capinha do youtube? E isso foi logo depois de largar aquele emprego que eu te falei. Contei para minha mãe que receberia 250,00 reais para fazer isso e ela ficou toda desconfiada. 

 

Pensei: se eles oferecem para pagar esse valor, nunca mais vou cobrar 50 reais numa arte. Não que eu vá cobrar 250 reais aqui no Brasil porque nosso dinheiro é desvalorizado e uma pessoa que recebe um salário mínimo não vai ter como pagar 250 reais numa arte e eu sei disso.


Captura de tela que mostra a loja virtual de Luiza.

Captura de tela que mostra a loja virtual de Luiza.

(Foto: Reprodução/NuvemShop/ Luiza Michele)


E você além do webtoon e perfil do Instagram, tem outros empreendimentos né? Vi que você tem uma lojinha virtual para vender itens personalizados.

 

Eu sempre quis vender coisas assim, relacionadas a minha arte só que eu já desisti várias vezes por que é difícil. Por exemplo, cinco anos atrás ninguém comprava, mas agora já tem muita gente fazendo, bastante gente que está no mesmo nicho que eu, que no caso é fanart. Mas eu dou uma chance porque sempre tem alguém que quer comprar uma arte minha, enfim, é um investimento que eu estou voltando agora, estamos em fase de teste. Como eu disse, eu posso viver apenas do webtoon, mas ter a satisfação de ver os itens chegando à casa das pessoas é muito bom. 

 

Minha irmã mais nova me ajuda, eu consigo pagar ela para fazer isso. Eu não tenho mais tempo. A gente faz os cadernos aqui, trabalho artesanal mesmo. Mas se os pedidos aumentarem e dar tudo certo, aí poderíamos terceirizar.

 

Você também havia mencionado uma loja física, é isso?

 

Sim, como minha mãe é costureira a gente juntou tudo, então é uma loja de arte e costura. Eu não costumava expor meus produtos, pois pensava que ninguém iria comprar. Ás vezes fãs do BTS passam veem um chaveiro ou caderno e compram. Vende mais no físico agora que no online, mas a loja é mais voltada para costura, gráfica… essas coisas.

Além desses projetos, você fez um canal no Youtube. Quando e por quê você decidiu ingressar nisso e como está sua relação com o canal?

Eu comecei um canal em 2014 porque eu fiquei indignada de não achar tutorial e acho que foi por ele que as pessoas começaram a me conhecer. O intuito também é desenhar e usar o que você tem, inclusive eu comecei ele com celulares horríveis. E foi bem estranho porque... por conta do canal, a minha família começou a me apoiar.Tinha um canal antigo, só que ele foi banido e já tinha entrado na monetização, aí eu nem queria mais mexer com isso.

Mas decidi criar outro em 2019 e fiz o primeiro vídeo chamado "Aprendendo a desenhar do zero" algo assim e deu mais de 100 mil visualizações e foi quando recebi a primeira vez do Youtube e minha família viu que dava dinheiro mesmo. Também convívo bastante com crianças na igreja e as mães falam para mim que os filhos seguem os tutoriais. Isso é muito gratificante, melhor que qualquer dinheiro. Esse reconhecimento das pessoas e saber que você está fazendo um bom trabalho é o que motiva a continuar. Faz um tempo que eu não posto no canal, pois o webtoon toma bastante do meu tempo agora...




Um dos vídeos do canal da Luiza, onde ela explica os primeiros passos para criar um webtoon. (Fonte: Reprodução/ Youtube/ Luudraw)



E como é a sua rotina com tantas coisas?
 

É muito projeto que eu invento na minha cabeça, eu não paro. Eu posto um capítulo de 15 em 15 dias então não fico o dia inteiro só no webtoon. Eu tento focar nos outros projetos, o "Air" por exemplo, eu quero que vire uma HQ física, já estou mandando o primeiro teste e em breve vai ter aí, era para ter sido no começo do ano. Mas está vindo. Por exemplo no mês passado eu tava atualizando capítulo e cadastrando produtos na loja, é algo que está corrido e quero me concentrar mais no webtoon.

Por enquanto eu tenho que ir desse jeito, atropelando as coisas. Vai tudo um pouquinho devagar porque, por exemplo, quando foco no Instagram e esqueço o webtoon, o bom é que eu desenho muito rápido, e isso me ajuda. 


Sobre suas inspirações, você disse que seu foco são as fanarts, desenhando BTS e outras celebridades/personagens. O que mais serve de inspiração e influencia seu estilo?

 

Tenho tendência de gostar de culturas que não sejam tão óbvias. Sempre gostei de cultura asiáica, não só de k-pop - até porque conheci o gênero na adolescência. Desde criança eu via muito anime, esses mais antigos tipo Dragon Ball, Pokémon, Cavalheiros do Zodiaco. E curto história medieval também, e são coisas que sinto prazer de desenhar e me fazem imaginar várias histórias. Gosto do menos convencional, digamos assim. E faço bastante desenho dos meninos do BTS porque me inspiro na vida e história deles, sempre achei mais interessante o que cada um passou antes de serem o que são agora.

 

Minha mãe também, esse meu jeito de me virar, de fazer as coisas do jeito que eu posso, vem dela. Ela criou três filhos sozinha, se virando nos trinta. Ela tinha que fazer tudo, por exemplo, se a eletricidade estragava, ela tinha que arrumar e mexer no fio… na encanação, trocava chuveiro, então, essa coisa de não esperar e usar o que tenho vem dela. Ela é minha maior inspiração.
 

Na sua opinião qual foi o divisor de àguas na sua carreira, algo que te fez chegar até onde você está hoje?
 

Foi justamente no ano passado quando fiz o teste para o "My Secret Boyfriend" e me prontifiquei em fazer por mim mesma, porque eu queria. Foi por eu ter me oferecido por fazer algo trabalhoso sem remuneração, e depois que recebi tanto reconhecimento, comecei a valorizar o que fazia. E também o fim de algumas amizades, companhias erradas que atrapalhavam o meu desenvolvimento, então isso me ajudou a abrir o olho, e decidi fazer meus webtoons e minha arte independente do que pensassem. 

E acho que aconteceu no tempo certo, se acontecesse antes eu não teria maturidade para receber tudo isso. Então foi graças ao webtoon, às pessoas que me incentivaram a continuar, porque já desisti muitas vezes e até hoje, às vezes, dá vontade de desistir, mas aí pessoas vêm, falam que aquilo fez bem para elas e eu continuo, mesmo se for por uma pessoa.


E teve alguma situação em específico que te fez considerar parar de vez? 

O que ainda me quebra hoje é questão de artista para artista. Tem muito artista bom nessas plataformas digitais, mas tem alguns, seja no Instagram ou no Tik Tok, que acham que você está alí para pegar o lugar deles. Ao invés de abraçar, estão pegando o espaço só para eles, é falta de apoio dos próprio colegas que a gente tem. Não abraçam a comunidade, parece que um está lutando com o outro, acham que é concorrência e não é, até porque cada um tem seu traço. Então essa falta de empátia acaba desanimando, principalmente artista iniciante.

Em algum ponto você sofreu com a comparação, principalmente por estar nas redes sociais? 

Já e muito. A gente faz isso, não tem jeito, por exemplo, fulano rabisca uma coisinha ali e ganha tantos likes, já eu fico um dia fazendo isso aqui e ganho menos, entendeu? Não me importo mais até porque não entro tanto no Instagram para interagir com outros posts, fico mais nos stories. Então eu já sofri com isso até ver que o meu desenho só eu fazia, independente se tinha 10 curtidas ou mil, por isso se considerar único faz parte. Penso que medir meu sucesso com a régua do outro não vai me fazer ser maior ou melhor que ele, só vai me fazer sentir mal. 

Agora eu recebo perguntas de como fazer um webtoon, dicas para criar. Então, ser uma brasileira, ingressar numa plataforma estrangeira e mostrando isso para as pessoas, estou incentivando outros a fazer o mesmo. Então deixe de se comparar e perceba que o que você faz, só você faz. Por isso digo que, quando uma pessoa desiste, é menos um estilo que a gente teria. 

Para finalizar, o que você diria para aqueles que sonham em fazer arte e viver disso? 

Eu diria para começar. Tem muita gente que espera ter material melhor, ter tempo. Para o que você está fazendo, sente e começe, porque é assim que vai chegar onde quer. Começe, mesmo que seja desenhando no dedo, em uma mesa digitalizadora. Procure tutoriais, não precisa gastar dinheiro para aprender nada, não desencorajando a procurar um curso, mas faça com o que você tem. Desafie-se, coloque metas para desenhar e, sobre o webtoon, às vezes as pessoas tem medo das reações do público, mas começa assim, uma pessoa curte, depois outra. Você não começa com 100 mil seguidores, todos começam com zero seguidores. 

Procure artistas para te ajudar, mas não desista. Tente resolver do seu jeito, com seus meios e treine, treine, treine mais ainda. Sonhar tem muita gente que sonha, mas são poucas que continuam então, para as pessoas que forem ler isso, que elas sejam a minoria que persiste, e  mais importante do que ter número, valorize as pequenas coisas, a sua mãe ou irmãos, são seus primeiros fãs sabe? Pessoas que valorizam sua arte e não estão ali pelo seu sucesso, mas pelo o que você transmite. 




 


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