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17/05/2022 às 13h00min - Atualizada em 14/05/2022 às 22h32min

Batalha da Alencastro: a força da juventude na mais conhecida batalha de rimas de Cuiabá

No mês em que a BdA completa 7 anos, MC's explicam importância da Batalha para a cena cultural e artística de Cuiabá e a invisibilidade na grande mídia.

Mariana da Silva - Revisado por Jonathan Rosa
Batalha da Alencastro, no centro Myth, de branco e Cigano, de preto. (Foto: Mariana da Silva).

Rimas, talento e sonhos, são tudo o que muitos jovens dispõem, e na Batalha da Alencastro qualquer MC pode se deixar a sua marca, seja menor ou maior de idade, sem restrição nenhuma de gênero, cor ou religião. Realizada desde 21 de maio de 2015 a Batalha da Alencastro, ou BdA, é uma das batalhas de rima mais conhecidas de Cuiabá. 

O nome vem do local onde o evento ocorre: a Praça Alencastro, localizada no centro da capital. As batalhas acontecem sempre às 19h30 das quintas-feiras, e costumam reunir aproximadamente 150 pessoas, de acordo com a organização. 

O público é formado em sua maioria por jovens, onde cerca de 50% são menores de idade e o restante de 25 a 30 anos. A região é conhecida por reunir pessoas que frequentam a cena underground, seja do rap, hip hop, skate e rock. 

Com a ascensão de eventos independentes que buscam visibilidade e a valorização musical e artística local, muitos jovens frequentam a Alencastro com objetivo de se aproximar mais da cena, encontrar os amigos e apoiar os artistas locais.

É importante destacar que MC 's TOP 5 ranking, MC' s mulheres e MC 's de fora da capital, sejam eles do interior ou de outro estado, possuem vaga garantida caso avisado com antecedência. A escolha dos competidores em cada evento se dá por meio de sorteio antecipado.

Nesse contexto, as batalhas de rimas são meios para que os artistas possam se iniciar no mundo da música e ganhar reconhecimento, além de manter contato com o público, e dessa forma alavancar a carreira. Ali se formam amizades, relacionamentos, contato entre fãs e artistas, além de divulgação de projetos, produtos e eventos. Porém o mais importante para muitos jovens é a oportunidade do contato gratuito com a cultura, já que raramente encontram acesso por outros meios.

Jovens reunidos na Praça Alencastro para a Batalha da Alencastro.

Jovens reunidos na Praça Alencastro para a Batalha da Alencastro.

(Foto: Mariana da Silva).

 
Quinta-feira, dia de Batalha

Por volta das 19h00 o público começa a chegar na Alencastro. Logo se reúnem próximo ao local onde a roda vai sendo formada, enquanto a organização prepara caixa de som, microfone e testa os beats. Após o teste de som, o público frequentador e quem passa pela praça é chamado a acompanhar as batalhas.

O apoio dos MC 's veteranos com os novatos, mesmo nas batalhas mais alfinetadas, marca a função social do evento: incentivar e apoiar. Mesmo quando as condições de realização não favorecem muito, por conta de problemas técnicos, a batalha é garantida através dos beats e da voz dos MC 's. Um improviso dentro do próprio improviso.

No meio da roda, dois MC 's batalham e lançam rimas improvisadas contra o adversário. A cada duelo o público se agita e reage aos “ataques” de cada um, respondendo com provocações do tipo: “ele te atacou, você vai deixar?”. À  medida que as rimas conquistam e demonstram a genialidade do improviso, os gritos aumentam cada vez mais. Os vencedores de cada etapa batalham entre si, cada vez mais eufóricos rumo às tão aguardadas semifinais e final.

Na batalha final, o público se reúne e fecha a roda, ligando as lanternas dos smartphones sobre os dois MC 's finalistas, produzindo um efeito visual e energia únicos. Olhos rápidos, calculando palavras na mente a mil, preparando a próxima resposta contra o ataque do adversário. Articulação, dicção, gestos, domínio de palco, o público absorve e analisa toda a movimentação, quase teatral. A roda vibra a cada finalização, dando mais gás para ambos continuarem, mesmo que às vezes tomados de nervosismo com a quantidade de pessoas ou por enfrentar um oponente veterano.

O clima é tomado pela ansiedade e expectativa, mas às vezes é quebrado por rimas cômicas que aliviam a tensão e divertem quem assiste, ou ainda provoca efeitos de conscientização quando a rima é de mensagem. É importante ressaltar que rimas preconceituosas, machistas, homofóbicas e agressões verbais não são aceitas.

Ao final, o duelo termina, o público vibra e elege um campeão na base do grito, que, quando não é suficiente, a contagem de votos é feita pelas mãos levantadas. Ainda assim, quando as mãos empatam, é feito um quarto round. Tendo anunciado enfim o campeão, os adversários se cumprimentam, se respeitam. Nada pessoal, apenas pela música, pela arte.

Por vezes as finais contam com prêmios para incentivar os MC 's, quando o patrocínio surge ou quando voluntariamente alguém se dispõe a doar um produto ou quantia em valor, mas não é sempre. De qualquer forma, o vitorioso se sente realizado e ovacionado pelo público, com mais uma vitória na conta garantida.

Myth, de branco e Cigano, de preto batalhando na final.

Myth, de branco e Cigano, de preto batalhando na final.

(Foto: Mariana da Silva).

 
Evolução e mídias sociais como aliadas

Assim como em diversos setores, o segmento da cultura e eventos foi nitidamente um dos mais afetados durante a pandemia, o que motivou também a paralisação da Batalha na época, justamente em um momento de crescimento significativo do movimento. A partir de 17 de março de 2020, por meio de nota no Instagram, o anúncio oficial de suspensão da BdA por tempo indeterminado foi postado.

Mais tarde, uma alternativa para a realização das batalhas em outro momento foi a transmissão de live via Instagram, com apenas os MCs batalhando, sem a participação do público. O formato foi bem recebido. Com o avanço da vacinação e a queda no número de infectados e internados, o evento voltou a ocorrer de forma presencial, com a adesão da plateia novamente. 

No entanto, a particularidade da transmissão por meio de live permaneceu, sendo uma forma de acessibilidade para quem não pode comparecer presencialmente, oportunizando até mesmo pessoas que não são de Cuiabá ou outros estados a acompanhar a batalha ao vivo. Inclusive as batalhas são gravadas e disponibilizadas posteriormente no canal no YouTube da BdA.

Além do canal no YouTube onde são postadas as batalhas filmadas, outras mídias sociais são utilizadas para divulgar a programação oficial e a comunicação da organização com o público, como: Facebook, Instagram (@batalhadaalencastro) e grupo no WhatsApp, onde se pode ter mais informações sobre os MC’s e a realização dos encontros semanais, além de parcerias e divulgação de eventos.

Crias da Batalha da Alencastro

Vários artistas se descobrem, surgem, alavancam e criam visibilidade através da BdA, como é o caso de Davi Machel de 23 anos, mais conhecido como MachelMT, o rapper é organizador da Batalha do Tijucal. Machel participou da BdA pela primeira vez no começo de 2017 e desde então não parou mais. “Eu não conhecia nada de batalhas naquela época, a primeira batalha que vi na vida foi a da Alencastro. Não faço a menor ideia de quantas batalhas participei, mas já ganhei mais de 80”, destaca o artista. 

Para ele, a sensação de estar na roda é única: “Papo reto, as batalhas de rima são minha vida. Eu só sinto que sou eu mesmo quando tô naquela roda ou em cima de um palco. A música é tudo pra mim. Ouço quando estou ansioso, triste, feliz eu literalmente ouço o tempo todo”, destaca.

Veterano da BdA, ele conta sobre seu processo criativo e a construção das rimas. Segundo ele, nas batalhas tenta ser o mais natural possível, por isso não adotou somente um estilo de rima, ou estilo de flow. “Me enquadro em qualquer coisa que esteja acontecendo no momento”, diz Machel.

Para ele, a BdA tem parte especial em sua carreira e na promoção da cultura: “A batalha da Alencastro foi o lugar que eu apresentei meu primeiro rap, foi o começo de toda minha carreira como Mc! A importância dela é dar voz às periferias, não existe nenhum movimento artístico tão forte nas causas sociais quanto as batalhas”, explica o MC. Há quatro anos, Machel fundou a produtora musical $ad Records, juntamente com Lucas Tw, e desde então todo ano eles  trabalham para entregar algo inovador, artístico e real para a cena do rap nacional. 

Sobre a forma como a sociedade vê as batalhas de rima ele completa “Hoje em dia com o crescimento em números nas redes sociais as pessoas já começaram a enxergar diferente, mas quando eu comecei rolava preconceito e opressão não só da população, mas também da polícia”. Machel acredita que a mídia não tem interesse em divulgar um movimento periférico, e por conta disso, eventos do tipo não possuem grande visibilidade nos meios tradicionais de jornalismo e imprensa locais.

MachelMT, com microfone na mão, Héctor de preto no centro e DJ Clay de azul.

MachelMT, com microfone na mão, Héctor de preto no centro e DJ Clay de azul.

(Foto: Mariana da Silva).


Contribuição cultural da Batalha da Alencastro para Cuiabá

Outro importante ator da cena do rap na Alencastro é organizador do evento e também apresentador Héctor Flores, de 26 anos. Mediando as batalhas entre os MC’s, ele explica porquê o evento tem como local a praça Alencastro: “A finalidade de ocorrer em um espaço público é porque a cena do Rap vem do Hip Hop, que é uma cultura marginalizada e as batalhas são em locais públicos para ter acesso e qualquer pessoa pode ir no evento gratuito”, explica.

Mesmo com os velhos preconceitos que ainda persistem na sociedade contra a cena, quem frequenta de fato sabe que a realidade é diferente dos estereótipos construídos acerca do movimento. O consumo de drogas e bebidas alcoólicas na roda de rima é expressamente proibido pela organização, visto que o objetivo do evento é prestigiar os artistas e apoiar a música, que inclusive conta com a presença de menores de idade e até mesmo pais e mães que levam seus filhos. A prática de atos ilícitos não condiz com a filosofia da Batalha da Alencastro.

Héctor, que reconhece a invisibilidade da Batalha nos meios de comunicação local, destaca os motivos disso ocorrer: 

“Não interessa ao mercado, não tem pessoas lucrando com isso, quando você faz eventos gratuitos isso até atrapalha quem faz eventos pagos. A palavra falada gera auto reflexão, da palavra e voz ao povo jovem que não tem voz, não é interessante para as pessoas que dominam os grandes meios de mídia e de poder, eles só servem aos interesses de determinado grupo”.

Apesar do pouco reconhecimento local e a invisibilidade da mídia, se engana quem pensa que a Batalha não possui relevância. A edição Vem pra Arena, organizada pela Batalha da Alencastro, contou com o maior público já registrado nas edições em Cuiabá com a presença de mais de 5 mil pessoas na Arena Pantanal em 2017.

Artistas de renome na cena e de alcance nacional, como Gabriel o Pensador e até o medalhista olímpico Esquiva Falcão, já demonstraram apoio à BdA nas mídias sociais, além de Djonga, Helião RZO, Douglas Din, Froid, César, Miliano, Krawk, Kant, Bob13, Rico Dalassan, Naui, Biro Biro entre outros que já mandaram um “salve” para o movimento.

Héctor destaca que o reconhecimento de artistas contribui muito com a visibilidade do evento. O Caco (um dos organizadores) já foi para o Nacional. MC 's  de São Paulo já foram batalhar na Bda, além de campeões nacionais fazendo apresentação. “Quanto mais pessoas com influência nos meios de comunicação conhecem a Batalha, mais eles veem que é um movimento íntegro, que ajuda muito na valorização dos artistas que fazem parte”, ressalta Héctor.

A Bda colabora para propagação da cultura dando espaço para os MCs terem voz. Mesmo quem não está batalhando tem espaço para apresentação, divulgar eventos, visibilidade de instagram. Para Héctor, isso incentiva o público a seguir o trabalho dos artistas que estão lá, porque quem batalha e quem organiza não recebe um pagamento, é um trabalho voluntário.

Não é fácil, mas buscamos parceria com outros eventos, com artistas autorais da cena de Cuiabá, descobrir novas pessoas, incentivando a batalhar, a produzir som, porque um dos propósitos da batalha é dar oportunidade para as pessoas, mostrar outro caminho", destaca. Sobre a contribuição da BdA para a cultura artística cuiabana, ele não deixa dúvidas: “É uma contribuição gigantesca. Cuiabá é carente em cultura acessível para a população. A batalha vem dando esse espaço e oportunidade”, diz Héctor.

O evento independente da Bda demonstra a força da cultura popular e da juventude Brasileira que busca encontrar seu espaço e reconhecimento através da arte e da música. Em um cenário onde sem recursos financeiros para montar uma estrutura adequada, se organiza e levanta do zero um evento significativo, popular e gratuito que contempla a arte e a música de forma democrática e plural. Por meio dela, novos talentos podem despontar e incentivar que mais jovens despertem para a música e para as artes, renovando os talentos locais e quem sabe até levando seus nomes para o Brasil e o mundo.


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