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30/05/2022 às 20h06min - Atualizada em 30/05/2022 às 19h47min

Bruno Maciel e a periferia nas telas de cinema

Diretor e cofundador do coletivo Tomada Periférica, o artista tem feito da Vila Missionária (SP) a Hollywood das favelas.

Gustavo Oliveira - Revisado por Flavia Sousa
Bruno Maciel na Vila Missionaria. (Foto: Reprodução)

Figurinha da zona sul de São Paulo, o ator, diretor, fotógrafo e editor de vídeos Bruno Maciel contribui para a cena artística da região e tem se tornado referência para os admiradores do cinema nacional, produzido por e para pessoas da periferia. O artista é cofundador e integrante do coletivo Tomada Periférica, que já conta com dois filmes produzidos, participação em festivais e um prêmio de melhor curta-metragem pelo festival Levante em 2021.

Bruno Maciel, de 24 anos, é cria da Vila Missionária. Embora no bairro não existam projetos que difundem a cultura para os moradores da região, a quebrada reúne uma gama de artistas independentes e Bruno é um deles desde muito cedo. Teve seu primeiro contato com arte através do desenho na infância, mas foi na igreja que conheceu e foi inserido no teatro.

Bruno Maciel é reconhecido como diretor periférico na cena.

Bruno Maciel é reconhecido como diretor periférico na cena.

(Foto: Reprodução)

Apaixonado por cinema desde sempre, Bruno via no teatro sacro do grupo Totus Tuus uma forma de estar cada vez mais próximo da cena, mas relata que o reconhecimento vinha mais de fora do que da própria quebrada, “no nosso bairro não existe o costume de se frequentar teatro, então a gente acaba competindo com a televisão e com a novela, que são mais acessíveis na maioria das vezes”.

Com a sala de cinema o contato veio depois. Bruno conta que foi ao cinema pela primeira vez para assistir o filme Peter Pan 2. “Eu dormi, mas os 15 minutinhos que eu fiquei acordado foram o suficiente para eu me apaixonar por cinema”, foi quando, encantado, decidiu que aquilo era com o que queria trabalhar. 

Contato com a produção audiovisual

Com o celular do pai, Bruno brincava com as ferramentas de play e pause da câmera fazendo objetos desaparecerem. Mais tarde, na graduação, entendeu a origem desses efeitos visuais primitivos, mas relata que fazer trucagens foi sua primeira experiência com o ato de fazer cinema. “Nessa de ficar fuçando no celular, mexendo no Moviemaker, depois indo pro Sony Vegas, fui desenvolvendo as minhas habilidades“. Durante esse processo, viu no Youtube um grande potencial. Junto com amigos, montou uma pequena produtora e passou a trabalhar diretamente com Youtubers, gravando e editando. Chegou a ser videomaker do canal Jukanalha, que hoje conta com 1,5 milhão de inscritos. 

Leia mais em: 
Resenha: DOIS CONTO - a continuação barata de DEZ CONTO
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Realizando o sonho de estar numa universidade, Bruno ingressou no curso de Produção Audiovisual com o auxílio do Prouni, mas se deparou com um ambiente desigual, onde pessoas que moravam distantes das periferias e que tiveram mais acessos, acabavam por ter um desempenho melhor devido às experiências. “Dei de frente com outras realidades e foi um choque porque a maioria dos meus colegas já mexiam com câmera e já trabalhavam no ramo”, relatou Bruno. “Eu era jovem, inexperiente, então sempre que tinha algum trabalho eu ficava de canto”, finalizou. 

As notas baixas, as experiências ruins e o medo de perder a bolsa fizeram com que Bruno precisasse largar os trabalhos com produção de vídeo para a internet. Embora existisse um dilema que o dividia entre continuar trabalhando com Youtube e focar nos estudos, o cinema sempre foi o sonho. E esse sonho foi o que manteve Bruno firme até a entrega do tcc com a produção do filme Um Cílio em Sua Bochecha

“E agora? Vou conseguir um emprego?” 

Terminar a faculdade foi mais um sonho realizado que trouxe consigo alguns problemas. Com um mercado fechado, poucas experiências e sem um networking sólido, Bruno se viu sem saída. “Foi quando aquela frase que eu já escutava, ‘você vai morrer de fome porque cinema não dá dinheiro’, começou a fazer sentido”, conta Bruno que, frustrado, decidiu trabalhar como assistente administrativo. “Todos os dias eu saía de lá, sentava na calçada e ficava chorando”, conclui.

Após pedir demissão, no começo da pandemia, surgiu a ideia de produzir um curta-metragem. Sem pretensões, sem roteiro, “uma brincadeira na laje”, o grupo de amigos decidiu gravar o curta DEZ CONTO, o nome fazia jus à verba que Bruno tinha para produzir. Gravado na laje da casa do diretor e publicado no Facebook, o filme viralizou e passaram a surgir alguns convites para entrevistas, matérias sobre a obra e premiações.  “Numa semana em que nosso bairro era notícia de violência, nós fomos a única notícia boa”.

Curta-metragem DEZ CONTO. (Reprodução: Tomada Periférica/Youtube)


Coletivo Tomada Periférica: “Eu me tornei referência”

O sucesso do curta-metragem impulsionou Bruno a pensar numa continuação. Oficializando o grupo de amigos que fizeram parte do primeiro filme como um coletivo denominado Tomada Periférica, surge então a ideia de um segundo filme. DOIS CONTO – a continuação barata de DEZ CONTO é gravado, assim como o curta, sem roteiro e sem pretensão quanto ao tempo de duração da obra. “Quando o filme virou um longa, eu percebi que era a oportunidade de eu realizar outro sonho. Eu queria colocar aquele filme no cinema”. Assim, em agosto de 2021 o filme foi estreado em uma das salas de cinema da rede Cinépolis e ficou exposto nas exibições de cinema dos CEUs e das Fábricas de Cultura. 

A partir disso, Bruno relata que ficou conhecido como um diretor periférico. “Quando eu era pequeno e falava que queria ser diretor de cinema, não tinha alguém em quem eu podia me espelhar aqui na minha quebrada. Hoje percebo que me tornei essa referência”. Além de ser exemplo de produção de cinema pop na periferia, o coletivo também foi um caminho para que jovens que fazem parte dele pudessem reconhecer seus talentos e saber com o que querem trabalhar a partir de então, mesmo na ausência dos melhores equipamentos.

Equipe Tomada Periférica.

Equipe Tomada Periférica.

(Foto: Reprodução)

Novos caminhos também foram se abrindo para o diretor. Bruno conta que no decorrer dos últimos anos pôde produzir videoclipes para alguns artistas e viu nisso a chance de aumentar seu portfólio. O clipe de maior destaque é o de Essa Bitch ta louca, música de João Viana. Além disso, em abril de 2022, Bruno foi convidado para apresentar o curta na ExpoFavela.

Alma Penada

Em março de 2022, o coletivo divulgou em suas redes sociais que está produzindo um filme de terror, mas que ainda não tem data para lançamento. Confira o trailer com exclusividade:

Trailer 'Alma Penada'. (Reprodução: Tomada Periférica/ Youtube)

É um filme totalmente diferente do que as pessoas estão acostumadas a ver no que o Tomada Periférica produz. É um filme tenso e pesado”, diz Bruno. Além de fugir da temática de ação dos últimos filmes, o longa-metragem promete entregar uma qualidade maior de áudio e vídeo: “estamos gravando em 4K, então o viés tecnológico aumentou”. Para essa obra, Bruno almeja enviar o filme para festivais internacionais, “se com um filme de dez reais nós conseguimos bastante visibilidade, imagina com esse...”, pressupõe o diretor, “o meu sonho é tornar a Vila Missionária a Hollywood das favelas”, finaliza.


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