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05/07/2019 às 19h54min - Atualizada em 05/07/2019 às 19h54min

Ombudsman: ponte entre jornal e leitor

Público ganha voz e importância nos jornais por meio do cargo de Ombudsman

Carina Gonçalves
Pouco presente nas redações, o cargo de Ombudsman estabelece uma ponte entre jornal e leitor (Foto: Divulgação / Internet)
“Representante dos interesses do leitor, das fontes e dos personagens do noticiário na estrutura do jornal”. Essa é a definição de Ombudsman no Manual de Redação da Folha de S.Paulo, que foi o primeiro jornal brasileiro a criar o cargo, em 1989, e nesse ano realiza o seu aniversário de 30 anos.

Caso ainda não tenha ficado claro, a ex-ombudsman da Folha, Paula Cesarino Costa, atual editora de Diversidade do jornal, consegue explicar bem o seu papel. “A manutenção do canal aberto com o leitor já se traduz em benefícios para as duas partes. Atender, ouvir e responder ao leitor são atos que reforçam laços de confiança e identificação. Por mais queixoso que seja ou esteja, o contato direto leva o leitor a reconhecer-se no jornal que escolheu como seu.”.

Resumindo, caso você, leitor, esteja com qualquer reclamação do jornal sinta-se à vontade para conversar com a pessoa do cargo. Esse posto resume um dos principais princípios do jornalismo, oferecer voz as pessoas que não a tem, ao povo, com valor democrático e cívico.

Ombudsman vem de origem sueca (Ombud: representante / man: homem), existente nas instituições para oferecer representação aos cidadãos. O cargo foi introduzido na Suécia em 1809, como órgão de controle parlamentar sobre a orientação do Executivo, para “limitar os poderes do rei” garantindo agir conforme a lei.

Entretanto o termo ganhou nova função para a mídia nos EUA, ao qual completou 50 anos em julho de 2017. Criado em 1967, os jornais Louisville Courier Jornal e Louisville Times foram os primeiros a adotar um ombudsman. Em 1970, o Washington Post foi o primeiro grande jornal a criar a posição, a qual em 2013 foi substituído pelo crítico de mídia. Porém, a ideia surgiu pelo jornal japonês Asahi Shimbun, em 1922, que criou um comitê para investigar reclamações dos leitores.

Folha de São Paulo

Perante o cenário mundial de necessidade de ouvir o público leitor, fim de ditaduras e queda do Muro de Berlim, o Brasil também passava por profundas transformações. Naquela época, o país estava ressurgindo de um período tenebroso da história, a ditadura, marcada por opressão e censura na imprensa, retirando a voz da população. Estávamos num período de redemocratização lenta, segura e gradual instalada pelo presidente Geisel. Além dessas mudanças também inaugurou no governo Sarney a atual Constituição Cidadã de 1988. Nela o governo ouviu as necessidades do povo.
 
Assim, percebendo o panorama e como responsável pelo grande jornalismo, a Folha de S.Paulo foi o primeiro jornal brasileiro a instaurar o cargo, motivada pelo sucesso das experiências do Washington Post e do espanhol El País. Desse modo, em 24 de setembro de 1989, anunciava-se na primeira página “Ombudsman traz ao leitor os erros da Folha” para fazer as pessoas lerem a coluna do título “Quando alguém é pago para defender o leitor”. A partir daquele dia, Caio Túlio Costa tornou-se o primeiro ombudsman da imprensa brasileira.
 
Desde a sua criação se instaurou as “leis” (o que deve ser seguido) a todos os escolhidos para ocupar o cargo. Entre os mandamentos, o mandato de um ano podendo ser renovado três vezes (aumentaram a quantidade atualmente, que antes era uma), o profissional não pode ser demitido enquanto o exerce e tem estabilidade de seis meses ou mais após deixar a função, reporta as criticas dos leitores aos membros da redação e escreve uma coluna livre semanal aos domingos. Essas regras garantem até hoje a sua permanência.
 
Nesse ano de comemoração quem está na função é a ombudsman Flavia Lima, a 13º a ocupar o cargo e 6º mulher, antes dela jornalistas como Renata Lo Prete e Paula Cesarino Costa já o ocuparam. Os responsáveis encaram as dúvidas dos leitores perante seus mandatos, que a cada ano torna-se mais difícil exercer com a grande quantidade de notícias na mídia e as complicações políticas.
 
Flavia Lima, atual ombudsman da Folha, e Sérgio Dávila, diretor de Redação, debateram temas importantes no evento do último dia 18. (Foto: Carina Gonçalves / Lab Dicas Jornalismo).

Percebendo o afogamento dos leitores nas águas turbulentas do país a Folha realiza algumas conversas abertas para retirar dúvidas, jogando uma boia salva vidas. Um dos eventos foi realizado dia 18 de junho, na sede do jornal, no centro de São Paulo, com a ombudsman e Sérgio Dávila, diretor de Redação.
 
Entre os assuntos discutidos no dia, encontrou-se principalmente sobre o #VazaJato, ao qual o jornal tem publicado matérias do assunto. "Quando há claro interesse público e a alternativa, que é a não divulgação dos diálogos, é prejudicial aos leitores, o jornal deve optar por publicar, mesmo que a informação tenha como origem um ato ilegal", defendeu a ombudsman.

 
#VazaJato foi a tag designada ao caso de divulgação, pelo canal The Intercept Brasil, de conversas no aplicativo Telegram do ex-juiz de Curitiba e atual Ministro da Justiça, Sérgio Moro, sobre a operação Lava Jato exibindo a sua não imparcialidade.
Atualmente o canal cedeu uma parceria com a Folha para ambos poderem continuar a realizar a série de reportagens das conversas.
 
Flavia concedeu uma entrevista ao Lab Dicas Jornalismo contanto a honra de exercer a função, o desejo de atualiza-la a nova realidade e a grande importância do contato com o leitor. Assim, inclusive o evento relatado a cima, foi o primeiro com um ombudsman e ela gostaria de repeti-lo varias vezes.
 
Apesar de estar a pouco tempo exercendo, iniciou em maio de 2019, consegue enxergar o cenário amplo do jornalismo atual e os desafios da redação e do leitor. Ela tenta fazer que o leitor entenda o processo jornalístico identificando a diferença de notícia e o que tenta passar por jornalismo, o conteúdo falso de Fake News tão comuns. Enfrentando esse problema, “busco insistir para que o jornal comunique por que as escolhas foram feitas em determinada matéria, quantas pessoas foram ouvidas, as razões de determinada entrevista em OFF, dentre outros aspectos”, comenta Flavia.
 
Além da comunicação com o leitor, outro desafio encontra-se na mudança da forma da produção e consumo de notícias hoje. Nesse âmbito, temos o impresso, digital, podcast, redes sociais e outros exigindo que a mídia também acompanhe o processo, inclusive a ombudsman. “As pessoas hoje leem notícias o tempo todo, em diferentes plataformas, e a todo o tempo comparam e criticam o que leem. Essa transição dos jornais para plataformas digitais requerem do trabalho do ombudsman uma velocidade que não é a do papel”, afirma Flavia.    
 
Além de olhar crítico e de permanecer atualizado, as características para torna-se um ombudsman requer para Lima: conhecer a técnica jornalística e dominá-la, ter experiência no jornalismo, gostar de leitura e da notícia, ser curioso e ser um excelente ouvinte. 
 
O Povo, a exceção
 
Além da Folha de S.Paulo outros jornais mantiveram períodos curtos de execução do cargo, exceto o jornal O Povo, de Fortaleza. Essa mídia concedeu voz aos leitores a partir de janeiro de 1994, quando a jornalista Adísia Sá publicou a primeira coluna como ombudsman, a qual cumpriu quatro mandatos e hoje é ombudsman emérita do O POVO. Atualmente Daniela Nogueira é a 14º ombudsman.
 
Correio da Paraíba, efêmero diferencial ombudsman

Porém antes desse jornal, o Correio da Paraíba foi pioneiro na região Norte e Nordeste entre os anos de 1991 a 1993, ausente a função em 1994 e nova tentativa em 1995. Quem retomou essa história foi a Juliana de Amorim Rosas, Mestre em Comunicação pela Universidade Federal do Paraná, que realizou uma grande pesquisa do assunto lendo a coluna da época e revelando algumas particularidades.

Entre as diferenças está a sua criação com duas pessoas exercendo o mesmo cargo Carmélio Reynaldo e Alarico Correia Neto, ambos professores de Comunicação Social da Universidade Federal da Paraíba. Eles eram acadêmicos, não se dedicando exclusivamente ao jornal, fator importante quando tem um grande público crítico para atender.

Além da divisão do trabalho, não existia no Correio um Manual de Redação para terem uma busula como prosseguir com a função. Ambos tiveram que descobrir o próprio norte para os três princípios esperados pelo ombudsman: atendimento aos leitores, crítica interna diária e mediacriticism.

Quando deixaram a função em 1993, justificaram a saída com o principal motivo de muitos jornais não o instituírem: a exposição. Cotidianamente o jornalismo se expõe para mostrar a verdade ao público, não admitindo erros e muitas vezes com orgulho dos seus textos não permitindo críticas e consertos. Nesse âmbito, o ombudsman torna-se necessário para permitir uma abertura do jornal para assumir os problemas e diminui-los no futuro, ajudando o veículo a ter mais credibilidade.

Em 1995, uma nova tentativa com o jornalista e funcionário desta mesma Universidade, Rubens Nóbrega. Entretanto como os seus antecessores não conseguiu combinar ambos empregos, pois não daria dedicação exclusiva ao veiculo e nem diminuiria a atividade como professor. Essa foi a breve e pioneira experiencia do Correio.

The News York Times, o não preciso de ombudsman, e jornais internacionais

Referência no jornalismo mundial o The News York Times consegue perceber e seguir as tendências da época sempre acompanhado do bom profissionalismo. Esse principio foi ferido após o caso Jayson Blair, repórter descoberto por contar histórias falsas, servindo de curativo para não acontecer novamente a criação da posição em 2003.

Entretanto por dois motivos o extinguiu em 2017. Em primeiro, a insatisfação com a última representante e segundo, o argumento que perante a era das redes sociais, os leitores internautas podiam cumprir a função melhor do que uma pessoa contratada pela empresa.

Atualmente eles contam com seis editores servindo de ponte entre veiculo e leitor, comenta Flavia Lima, que esteve em Nova York em evento com encontro de ombudsman na Universidade de Columbia, nesse ano. Apesar da facilidade dos meios de comunicação na era digital, o trabalho de uma pessoa ainda se torna insubstituível, que apesar de arranjarem outro formato para atender o público percebem a importância do contato.

Entretanto periódicos na Alemanha seguem o caminho contrário da referência americana ao desejarem contratar um ombudsman.  Esse fato ocorreu devido uma história parecida de fraude na alemã Der Spiegel, na qual um repórter escreveu uma reportagem sobre como os moradores decidiram apoiar Trump, pela raiva com a economia e imigração, após ele passar dez dias numa cidadezinha americana.

Contudo a revista havia sido avisada via Twitter da história falsa, mas ninguém respondeu as mensagens. Esse fato foi contato pela Flavia Lima na sua coluna de domingo.

Ediatdo por Alinne Morais

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