Junho representa o mês em que se celebra o Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, em homenagem às manifestações que ficaram conhecidas como a “Revolta de Stonewall”, nos Estados Unidos. Até o ano de 1966, o Stonewall Inn operava como um restaurante voltado para o público heterossexual. Após passar por uma reforma devido a um incêndio, o bar passou a ser um dos principais pontos de encontro da comunidade gay na cidade de Nova York. Na época, relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime na maioria dos Estados norte-americanos.
Os donos do estabelecimento – que não possuía licença para vender bebida alcoólica – tinham relação com a máfia e, para evitar o fechamento do bar, pagavam propina à polícia. Apesar disso, as batidas policiais eram frequentes, e no dia 28 de junho de 1969, nove agentes entraram no Stonewall, agrediram fisicamente e levaram sob custódia alguns de seus clientes – gays, travestis e drag queens – e expulsaram outros de forma bruta.
Indignada, a multidão que acompanhava a ação do lado de fora deu início naquela noite a uma série de protestos. Por seis dias, membros da comunidade gay foram às ruas de Nova York e se manifestaram contra a repressão policial. Este movimento representa um grande marco na luta pelo direito à igualdade e combate ao preconceito, servindo de referência para outras manifestações ao redor do mundo.
O primeiro grupo de militância homossexual no Brasil foi o SOMOS, formado em 1978. Apesar de ter como objetivo a luta por igualdade, o movimento era constituído predominantemente por homens e não priorizava o discurso feminista. Na luta pelo fim do machismo e da discriminação dentro e fora da comunidade, ativistas lésbicas do SOMOS se uniram no ano de 1981 para fundar o Grupo de Ação Lésbica Feminista (GALF).
Com o intuito de dialogar com outras lésbicas sobre preconceito, relacionamentos homoafetivos e outras questões, o GALF passou a produzir em 1982 um boletim em formato de panfleto intitulado Chanacomchana. O boletim era comercializado no Ferro’s Bar, na época um ponto de encontro para mulheres atraídas pelo mesmo sexo. Contudo, o conteúdo da publicação não agradava os donos do estabelecimento, que toleravam a presença das lésbicas no recinto desde que não houvesse demonstrações muito explícitas de afeto.
Os proprietários do Ferro’s Bar começaram, então, a impedir a distribuição interna do Chanacomchana. Em contrapartida, faziam vista grossa à venda de boletins religiosos, bijuterias e drogas ilícitas. As integrantes do GALF permaneceram comercializando o panfleto, até que no dia 23 de julho de 1983 foram expulsas do estabelecimento e, consequentemente, proibidas de frequentá-lo. O ato violento e discriminatório dos donos levou o GALF a organizar uma manifestação, cujo planejamento durou cerca de um mês e contou com o apoio de diversos grupos.
Em 19 de agosto de 1983, sob o comando do GALF, as lésbicas invadem o Ferro’s Bar e reclamam o direito de voltar a vender o Chanacomchana e frequentar livremente o espaço. Pressionados pela mobilização dos grupos de apoio e da imprensa, os donos cederam às reivindicações e se retrataram com um pedido de desculpas. Dada a semelhança com os eventos ocorridos no Stonewall Inn, a manifestação política das lésbicas em São Paulo ficou conhecida como o Pequeno Stonewall Brasileiro. Além disso, a data marca o surgimento do Dia do Orgulho Lésbico no território nacional.
Rosely Roth no programa Hebe Camargo em 25 de maio de 1985. (Reprodução: Um Outro Olhar - YouTube)
A aparição de Roth e a divulgação da caixa postal do GALF no programa ajudaram a aumentar o conhecimento das mulheres lésbicas a respeito do Chanacomchana, que teve um grande crescimento no número de vendas. Além disso, o alcance do GALF a mulheres que não faziam parte do grupo se tornou mais expressivo.
O boletim foi publicado pela última vez no ano de 1987, mas o Pequeno Stonewall Brasileiro ficou marcado na história da comunidade LGBTQIA+ como um importante símbolo de resistência e de inspiração para outros grupos reafirmarem o seu direito de existência.