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12/07/2022 às 09h28min - Atualizada em 10/07/2022 às 20h06min

Reportagem | Haruki Murakami: a literatura japonesa de temas universais

O escritor explora sentimentos humanos em meio a mundos fantásticos de suas obras e ganha espaço entre os leitores brasileiros

Everton Antunes - editado por David Cardoso
Haruki Murakami, romancista japonês. (Foto: Reprodução/ Pinterest).


 

Orwell, Austen, Kafka, Atwood. Estes nomes da literatura europeia e norte-americana são amplamente debatidos quando o assunto são livros. Entretanto, é evidente que o mercado editorial percebe o despertar do público leitor para novas referências literárias advindas de outros países e idiomas. Nesse contexto, se insere o escritor e tradutor japonês Haruki Murakami, que leva consigo diversas premiações por suas obras literárias, divididas entre contos, romances e ensaios. 

 

Para Raissa Aparecida, bookstagrammer – ou influenciadora digital literária – do literacafés e estudante de letras da USP, “estamos saindo dessa rota Inglaterra-Estados Unidos” e ela ainda diz que, “não dá mais para ler só livros norte-americanos ou ingleses, novos caminhos estão se abrindo”. Diante de novas possibilidades, o autor é tido como opção do público brasileiro por abordar temas universais.

“Haruki Murakami – não somente como escritor, mas como uma voz japonesa no campo da literatura – tem muito a contribuir com a nossa sociedade contemporânea”, afirma o graduando de letras: português-japonês da UERJ Mateus Nascimento. Além disso, Murakami não deixa de extasiar o leitor com seu mundo corriqueiro, porém fantástico, as referências a escritores e cantores ocidentais e temas inerentes a todo ser-humano.

 

Breve Biografia

 

Haruki Murakami nasceu em Quioto, no Japão, em 12 de fevereiro de 1949 e, desde a infância, cultivou o gosto pela literatura – particularmente, a ocidental –, uma vez que seus pais eram professores. Murakami estudou na Universidade de Waseda, em Tóquio, onde conheceu a esposa. Juntamente com ela, abriu um bar chamado Peter Cat, em 1974, e lá dedicou-se, no tempo livre – e entre muito jazz –, a sua escrita ainda incipiente, mas basilar para as obras que viriam. 

 

O autor que há muito foi influenciado pela cultura ocidental – motivo pelo qual é criticado pelo establishment literário do Japão –, durante uma partida de beisebol a que assistiu em 1979, tem a epifania de tornar-se um romancista. Logo, ele lançou “Ouça a Canção do Vento”, trabalho que lhe rendeu o prêmio Gunzô de novos escritores, “Pinball, 1973” e “Caçando Carneiros”. Em seguida, vieram trabalhos como “Norwegian Wood”, de 1987 e cujo nome vem da canção dos Beatles.

 

Haruki se mudou para os Estados Unidos, lecionou na Universidade de Princeton – entre 1991 e 1993 – e na William Howard Taft – entre 1993 e 1995. Embora a fantasia faça parte de inúmeras obras, o autor lança em 1997 o seu trabalho não-ficcional “Underground”, o qual relata um ataque de gás no metrô de Tóquio, em 1995, realizado pela seita Aum Shinrikyô. O escritor ainda trabalhou como tradutor de diversas obras ocidentais para o japonês.

 

No Brasil

 

Mateus Nascimento classifica a trajetória da literatura nipônica no Brasil em três distintos processos e ressalta que esta foi marcada por momentos de maior ou menor presença. A primeira fase, de acordo com ele, surge na década de 70, ainda no contexto do Japão no pós-guerra e em pleno desenvolvimento. Logo, muitas obras foram traduzidas a partir do japonês, em seguida, inglês e por fim, português. 

 

Na segunda fase, já na década de 90, consolidou-se no Brasil os cursos de Letras: japonês - português, com ênfase em tradução, o que tornou possível a publicação  de obras da língua japonesa em português. O terceiro momento situa-se no início dos anos 2000 até então, quando editoras garantem a publicação de obras do país oriental. Mateus ainda sugere que é possível pensar em uma quarta etapa com o sucesso da adaptação para o cinema de Drive My Car, um conto de Murakami.

 

Raissa ainda aponta que esse processo se consolida a cada dia, já que o “boom” das obras japonesas vem com o maior investimento das editoras nacionais na tradução destas. No entanto, “é necessário um próximo passo: procura das editoras, busca por tradução; às vezes, o que impede algo de acontecer é a tradução", afirma ela ao destacar que a tradução direta do idioma conserva elementos importantes da obra.

 

Características 

 

Ao pensar a prosa de Murakami, é impossível separar um dos principais hobbies do escritor – a música, especialmente o jazz – da composição das obras. “Os livros do Murakami são muito sonoros", declara Raissa. Em consonância com a opinião da bookstagrammer, Mateus acrescenta: “a música aparece como elemento extratextual"; o que, segundo ele, fortalece a compreensão da história. Os Beatles e Ella Fitzgerald figuram entre alguns dos cantores citados nas obras.

 

A criadora de conteúdo ainda lembra que o retrato do cotidiano, aliado ao realismo mágico – vertente literária que encadeia elementos reais e fantasiosos –, compõe grande parte dos escritos de Haruki. É possível deparar-se com um dia, como outro qualquer, exceto por duas luas que pairam nos céus, ou humanos capazes de falar com gatos. Além disso, Raissa observa a prosa simples, porém clara, e descritiva. 

 

Autor “universal”

 

Por mais distante que a realidade do leste asiático possa parecer, muitas temáticas trabalhadas nos livros de Murakami não deixam de abordar inseguranças, sentimentos e desafios comuns a qualquer pessoa. Para o graduando de letras, “Murakami aproxima o Japão do resto do mundo, e vice-versa, na sua escrita. Ele não é escritor só de um lugar, é um escritor mundial nesse sentido”. 

 

Raissa ainda percebe que um dos aspectos que tornam o romancista alvo de críticas no próprio país resulta da clara mensagem que ele transmite: “o Murakami vai mostrar o outro lado do Japão, uma parte mais crítica: estamos falhando”. Ela ainda destaca que o autor se atenta sobre a sexualidade, “sujeitos deslocados” de suas famílias e círculos sociais, além da reflexão sobre o “eu” consigo mesmo e na sociedade, afetada por um ambiente cosmopolita moderno.

 

Por outro lado, também é fácil identificar-se com o novelista e imprimir nele a imagem de um escritor acessível. “Essa consciência de poder conversar com o autor pelas entrevistas que ele dá, pelas fotos que temos dele, o contato direto também faz muita diferença na hora de ler”, denota a criadora do Literacafés. 

 

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