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17/07/2019 às 20h49min - Atualizada em 17/07/2019 às 20h49min

Desigualdades Sociais e Ilha das Flores

Um olhar sobre uma realidade invisível no Brasil

Vitória Pilar - Editado por Júlia Mano
Imagem retirada da matéria "Curta:Ilha das Flores (1980)" publicada no site Cinema é minha praia. (Acesso em 13 de julho de 2019)
Em 1989, o cineasta Jorge Furtado lançou o documentário Ilhas das Flores, no qual, 30 anos depois, se tornou o melhor curta metragem da história brasileira pela ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Nos seus singelos treze minutos de duração, os sentimentos do telespectador se resumem em um paralelo das cenas de humor, dúvida e entendimento. Mas, apesar da catarse de sentimentos, ao fim resta a sensação de incapacidade e que pouco se sabe sobre a fome e as desigualdades sociais que assolam as populações que moram nos lixões do país.
 
 Mas afinal, o que é a Ilha das Flores?
"Em Porto Alegre, um dos lugares escolhido para que o lixo cheire mal e atraia doenças foi a Ilha das Flores", assim é a apresentação do aterro sanitário localizado no Rio Grande do Sul, o recinto possui todas as rejeições do mundo urbano; exceto flores. Os moradores, em sua maioria, eram crianças e mulheres, que viviam em condições extremamente precárias para a dignidade e saúde humana. Após 30 anos, desde a sua aparição na obra de Jorge Furtado, a realidade ainda não mudou significacativamente. Atualmente, apesar de precário, possui um sistema de encanação de água e casas menos salubres. Mas, a fome, no entanto, ainda é a grande protagonista das vidas desses moradores. 
 
Na época em que foi escolhido para compor o enredo da obra, Porto Alegre iniciava, em passos lentos, a adesão à coleta seletiva de lixo. Porém, o documentário buscou retratar a realidade de Ilha das Flores para denunciar um sistema de desigualdade invisibilizado pela sociedade e pelo sistema político. 
 
Telencéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor
Um telencéfalo seria uma estrutura da subdivisão do cérebro, corresponde a parte mais externa que é responsável pela memória, raciocínio e inteligência do corpo humano. O polegar opositor seria uma particularidade dos mamíferos (em sua maioria, primatas) que auxilia no manuseio dos objetos.

E, a partir dessas perspectivas biológicas a história é narrada, prendendo o telespectador do início ao fim, com doses de humor repetitivas, de forma proposital, que precisam de atenção para não perder a linha de raciocínio que é apresentada de forma agilizada. Ele inicia, então, com a trajetória de um tomate:
 
Esse mesmo tomate, não possui nenhuma das características de um mamífero, é apenas um vegetal. Mas o seu cultivador, o senhor Toshiro, é um primata. Ele vende os tomates para um supermercado, em troca de dinheiro. Dona Anete, igualmente mamífera, com seu telencéfalo altamente desenvolvido e com seu polegar opositor, troca seus perfumes por dinheiro. Com esse dinheiro, ela vai ao supermercado e troca essa nova quantia por tomates. Os mesmos tomates do senhor Toshiro. Ela vai pra casa e prepara uma refeição para sua família. Mas, assim como o mundo, que não é nada perfeito, existe um tomate que não está nada bom. Ele vai para o seu lixo domiciliar, depois para a coleta de lixo, até que então, vai para o seu destino final: A Ilha das Flores.
 
 Apesar de parecer o fim da linha para o tomate, ainda não é. O lixão possui um terreno que tem um dono. Esse dono, é um ser humano. Além de ser dono de uma parte do lixão, ele também é dono de porcos. Porcos, por sua vez, são mamíferos, mas não possuem um telencéfalo altamente desenvolvido, muito menos um polegar opositor. O proprietário do terreno cercou os porcos para que eles não pudessem sair e os humanos não pudessem entrar. Os porcos se alimentam dos resto que Dona Anete considerou inapropriado pro seu consumo. E o que os porcos julgaram inadequado pro consumo deles, vira o alimento para as mulheres e crianças do lixão de Ilha das Flores, esses, por sua vez, primatas com telencéfalo altamente desenvolvido e com polegar opositor 
 
O tomate que, inicialmente, era do senhor Toshiro, item do supermercado, adquirido por Dona Anete, levado para o lixo, recusado pelos porcos, agora fará parte da alimentação da população que habita a Ilha das Flores.
 
 "O que coloca os seres humanos da Ilha das Flores numa posição posterior aos porcos na prioridade de escolha de materiais orgânicos é o fato de não terem dinheiro nem dono. Os humanos se diferenciam dos outros animais pelo telencéfalo altamente desenvolvido, pelo polegar opositor e por serem livres. Livre é o estado daquele que tem liberdade. Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda", assim finaliza o documentário. 
 
13 minutos que impactam
"Preocupante!", classificou o acadêmico de Jornalismo Eduardo Paulo ao entrar em contato com o curta metragem. "A gente percebe que a realidade da época não sofreu muitas mudanças em relação a realidade atual, já que o que causa a separação dos seres humanos um dos outros, é a condição econômica", declarou. 
 
 "Me fez sair da zona de conforto emocional", analisou a estudante de Direito Lizandra Sousa. "Discutimos muito sobre desigualdades, sabemos que existe e que assola brasileiros, mas a forma que o Jorge Furtado apresenta mostra uma realidade profunda de como a humanidade está em colapso com ela mesma. Somos humanos que não reconhecemos os outros como humanos e a válvula motor desse processo chama-se: dinheiro", destacou. 
 
 A crítica social por trás do documentário
Em Ilha das Flores, apesar de durante o começo e o meio apresentar um tom de humor e comicidade, aos poucos percebe-se a crítica ao sistema capitalista, consumismo exagerado, monopólio de dinheiro e desigualdades sociais. Quando Jorge Furtado apresenta um grupo de indivíduos, composto por mulheres e crianças contrastado no trajeto de um tomate apodrecido soa como um "chute na boca do estômago". Percebe-se, então, que temos uma humanidade que evoluiu em tecnologia, dinheiro, organizações de sistema político, mas que, no entanto, ainda existem seres humanos que estão disputando uma condição de importância com porcos em lixões, apenas para se alimentar. Apenas para comer, e quem sabe, sobreviver. 

Outro ponto abordado, é o desprezo e invisibilidade social que aquelas pessoas estão submetidas, ressaltando também, a ausência de políticas públicas para promover uma condição de vivência e alimentação dignas para pessoas que estão em uma situação humana degradante. Ilha das Flores é extremamente necessário hoje, amanhã e daqui a 50 anos ou mais, enquanto houver desigualdade, devido a exposição da realidade nua e crua, de uma forma didática e simples. Causa indignação, debate e consciência.
 

https://youtu.be/bVjhNaX57iA
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