Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
10/02/2023 às 18h36min - Atualizada em 10/02/2023 às 18h32min

Marcas da hostilidade no Grammy

Academia se envolve em mais uma polêmica por não atribuir o “Álbum do Ano” à Beyoncé pela quarta vez

Lívia Mel - Editado por Luana Zuin
Kevin Winter/Getty Images

A escassez de diversidade negra entre os vencedores das categorias dispostas pelo Grammy Awards não é novidade para os internautas que acompanham a indústria musical. Em sua 65ª edição, o Grammy realizou mais um ato que entrou para a sua lista de ações racistas. 

 

A cantora norte-americana, Beyoncé, foi consagrada a artista mais premiada na história da honraria com um total de 32 gramofones de ouro e houve uma grande expectativa que a mesma iria ganhar a categoria principal da noite, “Álbum do Ano”, com seu último lançamento, “Renaissance”. Mesmo batendo recorde, o prêmio mais cobiçado da noite foi entregue ao cantor Harry Styles, um homem branco, europeu, cisgênero e acusado de "queerbating" por parte da comunidade LGBTQIAP+.

Com um discurso não muito afinado, o cantor ainda proferiu as seguintes palavras ao derrotar a favorita do público: “Isso não acontece muito com pessoas como eu”. Pode não ter sido um discurso harmonioso e eufônico, mas com certeza se tornou bastante barulhento.

 

Como assim pessoas como você, Harry Styles? Indo muito além do coro do Twitter, a fala do artista trouxe muitas dúvidas e indignações até mesmo aos seus fãs. O que ele quis dizer com isso? Há quem diga que o Harry estava pensando na época em que trabalhava em uma confeitaria, sem nem imaginar a figura que se tornaria no ramo musical. Mas não há palavras que tornem a sua declaração menos dolorosa aos ouvidos, principalmente considerando o histórico da Academia com artistas negros.

 

Há 12 anos que artistas brancos ganham a categoria de “Álbum do Ano” e em 61 anos de história, apenas dez artistas negros levaram o prêmio principal para casa. Diversas vezes houve expectativas na possível transformação de uma premiação que tipicamente privilegia homens brancos cisgêneros; expectativas claramente frustradas. Beyoncé não foi a primeira artista negra a se envolver em polêmica com o Grammy, muito menos a primeira a não ser reconhecida pela bancada branca e elitista da premiação.

O cantor Abel Makkonen Tesfaye, mais conhecido como The Weeknd, declarou em 2021 que não iria mais submeter suas músicas ao Grammy Awards após um caso de boicote nesse mesmo ano. Sua canção “Blinding Lights”, do álbum “After Hours”, dominou o topo do ranking da Billboard por quatro semanas seguidas, quebrando recordes, e ainda assim foi ignorado pela Academia. O artista, que é negro, havia inscrito seu albúm na categoria Pop, onde apenas artistas brancos foram indicados: Harry Styles, Taylor Swift, Justin Bieber, Lady Gaga e Dua Lipa. "O Grammy continua corrupto. Vocês devem a mim, meus fãs e à indústria transparência", escreveu o cantor em seu Twitter. Abel também compartilhou que estava há semanas planejando sua apresentação até descobrir que não foi indicado.

A resposta a essa polêmica por parte da Academia de Gravação veio de seu presidente interino, Harvey Manson Jr.: "O processo existe para que possamos continuar monitorando a excelência. Eu estava na 'sala principal' este ano e observei. As pessoas que estavam lá são profissionais da música - eles são excelentes (...). Eles estavam ouvindo criticamente cada música que passava por suas mesas - ou mesas virtuais - então não acho que isso mostre uma falha no processo", defende.

 

É com pesar que podemos construir uma lista com os nomes dos artistas negros que foram desmerecidos por essa premiação. Artistas que a história e a música mudaram plenamente a vida de diversas pessoas, seja na maneira de performar, de compor musicalmente ou refletindo as condições sociais afro-americanas. Todos eles sem o “Álbum do Ano”.
 

Nicki Minaj não conseguiu o gramofone, mesmo tendo sete músicas simultaneamente nas paradas da Billboard e a maior semana de lançamento que qualquer outra mulher rapper na última década. Kanye West, indicado 57 vezes e só ganhou 21, nenhuma fora das categorias do Rap/R&B. Prince, a lenda, 32 indicações e 7 prêmios. Nenhum álbum do ano. Bob Marley, maior ícone da história do Reggae mundial, só foi reconhecido pela Academia 20 anos após sua morte. Nina Simone teve uma vida inteira dedicada ao empoderamento negro e apenas em 2017 obteve reconhecimento.

Apenas alguns nomes de figuras atemporais que mudaram a história da indústria musical e de muitas pessoas até hoje, e ainda assim não possuem os requisitos necessários para a banca - composta por membros e pela junta diretória da National Academy of Recording Arts and Sciences - preconceituosa desse evento. Uma escolha “bem pensada” entre jurados majoritariamente homens brancos.

Não se trata de perder um prêmio, mas sim de denunciar um sistema que não reconhece trabalhos que tiveram e têm um peso e uma importância imensurável no mundo da música. A história se repete toda vez, mesmo havendo vozes ativas denunciando o racismo na indústria. A discriminação não acaba. A pergunta pode ser clichê, mas é necessária: até quando?

 


Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »