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13/02/2023 às 21h28min - Atualizada em 11/02/2023 às 10h25min

Resenha | Tudo é Rio, de Carla Madeira

Sucesso editorial desde 2020, livro pode surpreender leitores desavisados, ao questionar os limites do perdão

Madson Lopes - Revisado por Joyce Oliveira
Tudo é Rio, Editora Record. (Foto: Revista Encontro).

Livro de estreia da mineira Carla Madeira foi lançado em 2014, por uma pequena editora de Belo Horizonte. "Tudo é Rio" é um livro desconhecido, fora do eixo Rio – São Paulo, que de maneira orgânica, no boca a boca, conseguiu ganhar às grandes livrarias do país. Após ser relançado em 2021 pela Editora Record, o romance se matem como segundo mais vendido de sua categoria, atrás somente de Torto Arado, de Itamar Vieira Junior.

A escrita de um folego só, prosa poética, com frases curtas dignas de serem sublinhadas
se desse tempo  arrasta os leitores, como numa correnteza de um rio, enquanto estes se perdem na trama vivida por Dalva, Venâncio e Lucy, personagens centrais da história.

Este é um romance que passa facilmente no famoso teste: daria um belo filme. “Carla dá até raiva na gente. Como assim, um livro de estreia tão potente, tão perfeito, tão pronto?”, afirma a escritora Martha Medeiros, na contracapa do livro.

Carla Madeira, 59 anos, autora de Tudo é Rio, Véspera e A Natureza da Mordida. (Reprodução: Instagram/@eucarlamadeira).



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Descrição dos personagens centrais

A frase inicial do livro descreve com detalhes, e sem pudor, a personagem Lucy: “Puta [...] De profissão ela era puta mesmo. Trabalhava num puteiro, vivia num puteiro”. Lucy, certamente entrou para a lista de personagens icônicos da literatura brasileira; uma prostituta despudorada, narcisista, viciada em sexo, fazia com que vários homens da cidade batessem ponto diariamente na Casa de Manu, prostíbulo onde trabalhava.

Tendo ficado órfã ainda na infância, ela fora obrigada a morar com os tios Duca e Brando, dos quais nunca sentiu amor, nem recebeu deles. Sua história poderia ser o clichê da menina abandonada, mas não. Lucy era dona de si, conseguia o que queria, e não comprava a narrativa de mulher sofredora.

Porém, logo ela ira provar o sofrimento, ao se apaixonar pelo único homem que lhe negou fogo: Venâncio.

Venâncio é, conforme descrito, “um homem triste, pesado, que carregava com ele um tormento sem tamanho”. O que nem sempre foi assim, mesmo tendo um pai grosseiro e violento, seu José, Venâncio se esforçava para ser o oposto. Marceneiro habilidoso trabalhava desde cedo na fábrica do pai. Era de lá que, todos os dias, ele avistava Dalva, com quem se casaria e viveria uma história de amor, a princípio, invejável, depois, complexa e controversa, até mesmo perturbadora.

Dalva é a segunda, dos sete filhos de Antônio e Aurora. Cresceu em um lar onde a música fazia parte da rotina diária, e a poesia era forma comum de sua mãe se comunicar. Amava os animais, acolhia em sua casa gatos e cachorros abandonados, para isso encarava até o pai. Quando ela se apaixonou por Venâncio não teve quem a convencesse do contrário. Casaram-se, e após um breve período de alegria, eles passariam pelo rio do sofrimento.

Polêmica do livro

Carla Madeira explora, através de Dalva e Venâncio, assuntos complexos que podem gerar gatilhos indesejáveis ao leitor desavisado. Como, por exemplo, o limite do perdão, afinal, é possível perdoar o “imperdoável”? Nesta resenha você não ira encontrar o grande spoiler do livro, mas Venâncio, cego de ciúmes, comete uma atrocidade terrível e, por fim, Dalva lhe perdoa.

Nesse intervalo entre a atrocidade de Venâncio ao perdão de Dalva, Lucy teve um papel importante. Os três protagonizaram uma espécie de triangulo amoroso sem amor, e por meio de Lucy, ambos se acertaram, encerrando anos de sofrimento. Porém, nem de longe Lucy fora a “boazinha” da trama, muito menos a vilã. A narrativa que envolve os três é bem costurada e cada personagem tem sua própria subjetividade e “verdade”. Que o leitor tire suas próprias conclusões.


Por que Tudo é Rio?

Primeiro, pela forma vertiginosa com que o livro foi escrito. Carla omite a época e local do enredo, também não entra com profundidade nos personagens, justificando suas ações utilizando a metáfora do rio. Da mesma forma que o rio segue seu leito incontrolavelmente, os personagens também não tem controle sob suas vidas; são arrastados pela sorte e acaso, entregues ao destino ou a Deus.

A metáfora do rio também pode ser utilizada para justificar os perdões “imperdoáveis” concedidos por Dalva: “A vida, como o rio, tudo traz, tudo leva, tudo lava”. O rio da vida se encarrega de levar, no seu leito do tempo, todas as dores. O livro não afirma, de fato, se Dalva perdoou Venâncio, mas que suas mágoas, tornaram-se águas passadas. “Dalva e Venâncio poderiam sentir o gosto e gozo um do outro. O caminho alagado trazia a promessa de corpos úmidos. Deus estava de volta”, assim termina Tudo é Rio.


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