Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
17/02/2023 às 19h01min - Atualizada em 17/02/2023 às 18h57min

Porque ansiamos por contato com vida extraterrestre?

Uma breve análise sobre avistamentos e abduções pela perspectiva da psicologia e da ciência;

Mayara Beani - Edição: Franciele Fernandes
Foto: Pixabay
Idos de 2015, o Sr. João Roberto nos contava mais uma das suas durante o jantar na sala de estar. No início da semana, finalzinho da tarde, ele descascava alho para o jantar, admirando o milharal. As bonecas de milho com o cabelo louro, prediziam que daqui há algumas semanas já  poderia ter pamonhas.
 
Foi então que ele viu, descendo do céu, aquela mancha negra. Como uma grande bola com chifres redondos, “grandona assim ó” – e esticava os braços, exagerando o tamanho do OVNI. O objeto estranho sobrevoou o milharal, em movimentos estranhos e veio pousar enfiado no meio da plantação. Sr João olhou para a sala onde a Dona Nena descansava no sofá, e, em silêncio, para não  assustá-la, pegou o facão e saiu atrás do intruso.
 
Lá no milharal, o ser se balançava com o vento, abanando os braços grossos, como quem quer assustar. Ele foi se achegando devagarinho, abaixado para o bichão não lhe ver, e de supetão, ia golpeá-lo, mas o golpe falhou, e o ser se agitou com o pé de milho. Mais um, dois, três golpes e o diacho do bicho esquivava. Demorou, mas Sr. João entendeu, era um “Mique”!
 
—oi? Era o que vô?
— Um Mique, aquele das orelhonas...desses de balão de criança.
 
Pois é, antes do balão em formato de Mickey, o meu avô já tinha se encontrado com mula-sem-cabeça, lobisomem e assombração na época em que morou na colônia; seus relatos eram complexos e convincentes, os cabelos da nuca arrepiavam sempre que ele contava, igualzinho o dia em que aconteceu. Dizem que, depois de velho, quando passava nos mesmos locais dos avistamentos, tinha a mesma reação, ficava em silêncio, os olhos alertas, a mão no revolver que carregava na cinta, e os cabelos da nuca arrepiados. Coincidentemente ou não, sua esposa, Dona Nena, adorava filmes e histórias de terror.
 

“Quando é do conhecimento de todos que os deuses descem à Terra, nós talvez tenhamos alucinações com deuses; quando todos nós estamos familiarizados com demônios, aparecem os íncubos e os súcubos; quando os duendes são aceitos por toda a parte, vemos duendes; numa era de espiritualismo, encontramos espíritos; e quando os antigos mitos se enfraquecem e começamos a pensar que os seres extraterrestres são plausíveis, é para eles que tendem as nossas imagens hipnagógicas.” — O mundo assombrado pelos demônios, de Carl Sagan.

 
Nas últimas semana,s nossas redes sociais e os veículos de comunicação foram “bombardeados” com informações divulgadas sobre os OVNIs (Objeto Voador Não Identificado) abatidos pelos Estados Unidos da América, seguido de outros objetos também abatidos no Canadá e China. Imediatamente a internet é tomada por uma onda de memes e especulações sobre uma possível invasão alienígena, e, avistamentos eclodem em diversos outros países.

Em novembro de 2022, passamos por situação semelhante em solo brasileiro, quando pilotos de avião relataram avistamento de luzes no céu de Porto Alegre, havendo relatos inclusive de aeronaves perseguidas por tais luzes. Logo em seguida, novos avistamentos foram relatados, e gravados, em diversas cidades do Rio Grande do Sul.

Por fim, após inúmeras pesquisas e gravações realizadas por institutos de astronomia, entusiastas e astrofotógrafos, chegou-se à conclusão de que se tratavam de satélites que se deslocavam em órbita baixa, mais especificamente, os Starlink (satélites da empresa americana SpaceX, parte de um projeto para implementar um novo sistema de comunicação baseado na internet).

 

No caso dos OVNIs que surgiram nos céus Americanos e do Canadá, e que foram derrubados por mísseis disparados por caças F-22 e F-16 da Força Aérea Estado Unidense, conforme declaração do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, na última quinta-feira (16), não parecem ter sido usados para espionagem, e muito menos se tratavam de naves alienígenas, tratando-se provavelmente de dispositivos de empresas privadas ou de institutos de pesquisa, mas garante que melhores informações serão dadas, assim que os objetos forem recuperados.
 
Traçando um paralelo entre as experiências do Sr. João e os recentes casos dos OVNIs, a grande questão que quero abordar aqui é: o que nos torna tão tendenciosos? Por que imaginar e flertar justamente com uma visita extraterreste quando outras tantas possibilidades existem? Quais seriam as explicações psicológicas para a ânsia deste contato, e para os relatos de avistamento e abdução?

Carlos Reis, em seu artigo “O Imaginário e a crença extraterrestre: um estudo transdissiplinar”, cita:

 “Outro, em latim, é alienus, de alienígena – o "de fora" ou de qualquer lugar além da dimensão humana. (...) Como o homem é marcado pela incompletude, insuficiência, fragmentação e descaracterização de si próprio, sente que algo lhe falta, e acredita que a “alienterapia” lhe restituirá o ser integral e mitigará a dor provocada pela presença desse vazio”.

Em outras palavras, Jaques Lacan (1901-1981), psicanalista francês, usa o relato do bebê para ilustrar esta incompletude e fragmentação. Quando crianças, não nos compreendemos como um ser único, nossos pés e mãos parecem não fazer parte de nós, são como um outro corpo, daí o encanto em tocá-los, levar à boca e outras “manias” por assim dizer dos bebês. Lacan cita que a criança percebe este outo corpo como despedaçado e desgovernado. Quando confrontados contra um espelho, passam a ser capazes de se entender como indivíduo único, experimentando a sensação de totalidade e unidade.
 
Podemos então nos considerar crianças, bebês diante do universo, nos sentimos fragmentados – a sensação de que algo nos falta citada por Reis – isso nos leva a desejar ser parte de algo maior, especial e transcendente. O nosso espelho, seria entender o universo e então, sentir-se parte dele.

Conforme o trecho de “O mundo assombrado pelos demônios” citado anteriormente, esse desejo de ser especial, de conectar-se à divindade, ser parte de algo maior, é suprido de formas diferenciadas conforme a cultura, religião dominante e a história do local e momento, sendo os deuses e demônios substituídos por bruxas, mitos, crendices populares e alienígenas, cada um à sua época.
 
Mariana Vigil Bragança, conclui em sua monografia “Uma visão psicológica dos relatos de abduções e avistamentos”:

“...analisemos a época na qual estamos vivendo.  A época da tecnologia, da ciência, da robótica, das máquinas que substituem o serviço que antes era desempenhado pelo homem. É compreensível que a humanidade eleve seus olhos aos céus em busca de um sentido para a vida, já que a ciência e a tecnologia não são suficientes para tal propósito. É aceitável a hipótese de que a fantasia produtora de projeções volte-se para os céus em busca de uma salvação, que homem projete nas alturas o símbolo da totalidade psíquica, o arquétipo da unificação, do equilíbrio, em compensação à unilateralidade na qual se encontra.”

Neste sentido, entende-se o motivo pelo qual tais avistamentos vêm em ondas, quando um novo evento sobrenatural surge, alimentado pela mídia, cultura e publicidade, em seguida surgem novos relatos de contatos sobrenaturais, o mesmo acontece quando tratamos de OVNIs, seja motivado por uma nova obra cinematográfica ou por abatimento de balões de estudo meteorológico desconhecidos. 
 
Carl Sagan cita em um capítulo dedicado exclusivamente a estudar avistamentos e abduções extraterrestres que “(...) Talvez as pessoas estivessem olhando mais para o céu noturno e vendo um número maior de fenômenos naturais que não compreendiam. (...)”, e curiosamente, em uma nota de rodapé, anterior a este trecho ressalta: “há tantos satélites lá em cima que eles estão sempre oferecendo espetáculos espalhafatosos em algum lugar do mundo. Dois ou três se deterioram todos os dias na atmosfera da terra, sendo os destroços flamejantes frequentemente visíveis a olho nu.”
 
O teólogo e filósofo brasileiro Rubem Alves define esses mitos como “histórias que delimitam os contornos de uma grande ausência que mora em nós. O encantamento não está no que se vê, mas no que se imagina”. Carl Sagan, retrata o mesmo pondo como “Os demônios vendem; os fraudadores são aborrecidos e de mau gosto.”
 
Duas situações clássicas configuram um bom exemplo de que, esta nossa ânsia pelo extraordinário, gera o caos e aprisiona, são elas a versão transmitida por rádio de “Guerra dos Mundos” de Orson Welles, e a saga dos círculos nas plantações da Grã-Bretanha que se espalharam pelo mundo posteriormente.
 
Em ambos os casos, o caos e a curiosidade se instalaram, e mesmo após a confissão de seus criadores de que se tratarem de obras de fricção e arte, “a confissão do logro foi ofuscada pela excitação inicial prolongada” (Carl Sagan), a mídia deu menor relevância ao desfecho do que ao caso inicial, e décadas depois ainda estudamos círculos em plantações como casos especiais, e não obras de arte inspiradas nos criadores originais Doug Bower e Dave Chorley.
 
Em suma, nos sentimos pequenos e incompletos diante da complexidade do universo, seguimos buscando respostas fora, para entender o nosso íntimo. Seja acreditando ou criando nossos próprios mitos, ou até mesmo com pesquisa espacial, buscando vida inteligente através de ondas de rádio, mas este seria tema para uma nova matéria.
 
 
 
 
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »