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21/03/2023 às 10h30min - Atualizada em 21/03/2023 às 10h13min

Denúncias de trabalho escravo no Brasil atingem o maior número dos últimos 10 anos

Segundo o Ministério Público do Trabalho, em 2022 o país registrou 1.973 denúncias de pessoas em condições análogas à de escravo.

Por Gilmar Araujo - Editada por Uilson Campos
MPT/Reprodução

Há 131 anos o Brasil vivia um marco para a sua história. O ano era 1888 e a Lei Áurea decretava a abolição formal da escravatura no país. O tráfico de pessoas era muito comum entre meados dos séculos XVI e XIX. Mesmo com a abolição, havia uma enorme resistência contra a escravidão por parte dos patrões da época, em sua maioria, donos de cafezais, onde os campos de trabalho escravo eram maiores. Esses se valiam das vias “ilegais” para continuar se beneficiando da mão de obra escrava. A adesão ao abolicionismo viria a ocorrer anos depois com intensa luta, uma vez que a causa ganhava força a nível nacional.

Mesmo parecendo ser uma realidade distante do nosso tempo, o trabalho escravo infelizmente ainda é uma realidade mascarada no Brasil. Muitas vezes ocorrem por trás de grandes empresas, e de forma mais intensa no campo, onde as condições de trabalho e de remuneração não são tão significativas.

 

O drama do trabalho escravo nas zonas rurais do Brasil

 

Um produtor de café em Manhumirim, na Zona da Mata, em Minas Gerais foi autuado pelo MPT (Ministério Público do Trabalho) por trabalho análago à escravidão. A fiscalização do orgão resgatou na última colheita um grupo de sete trabalhadores - três mulheres e quatro homens - em condições de trabalho escravo em uma propriedade de uma empresa de importação e exportação de café mineiro. O caso ocorreu em junho de 2022 e ganhou repercussão recentemente.

O caso de mais destaque aconteceu no mês passado, em Bento Gonçalves (RS), onde trabalhadores foram encontrados em situações precárias em vinícolas, em plena colheita da uva. 

A zona rural, na maioria das vezes, se torna o local ideal para essas condições de trabalho, tendo em vista a dificuldade de se fazer uma denúncia, seja ela por telefone ou pela internet. Muitas vezes são locais de difícil acesso, sem vizinhos, sem sinal de rede, sem ter como pedir socorro.

 

Para a advogada Izabela Borges, do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, especialista no assunto, na maioria das vezes, situações degradantes de trabalho colocam em risco a vida humana. “O trabalho em condições análogas à de escravo mais presente nas fiscalizações, preponderantemente do Ministério Público do Trabalho, é aquele trabalho realizado em condições degradantes, em total desrespeito à dignidade humana, colocando em risco a saúde física e mental do trabalhador. Em alguns casos, a situação é tão degradante que o trabalhador corre risco de vida diariamente.”, conta.

 

Número de denúncias mais que dobrou nos últimos 10 anos

 

De acordo com dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), o Brasil teve uma disparada no número de denúncias de casos de trabalhos análagos à escravidão. Nos últimos 10 anos o país mais que dobrou esse triste cenário. Em 2022, foram registradas 1.973 denúncias, uma alta significativa em comparação ao ano de 2012, quando foram 857 denúncias. 

 

Como denunciar
 

O MPT possui canais de denúncia pelo telefone através do Disque 100. Além disso, flagrantes de irregularidades trabalhistas ou de condições análagos à escravidão podem ser denunciados pela internet, através do site do governo federal ou no próprio Portal do Ministério do Trabalho. O denunciante também pode ir presencialmente até uma das Superintendências Regionais do Trabalho, tendo todos os seus dados mantidos em sigilo e não são divulgados.

 

As autuações do MPT podem resultar em uma série de consequências criminais para o empregador. A pena pode chegar até oito anos de prisão e multa. Apesar do trabalho de fiscalização do Ministério Público do Trabalho, a parte criminal é de responsabilidade da Justiça Federal, na maioria das vezes em colaboração com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal (MPF). 

 

Izabela Borges comenta como a lei brasileira trata a penalização desse tipo de crime hoje. “O artigo 149 do Código Penal considera crime a redução à condição análoga à de escravidão, mas a Justiça do Trabalho não possui competência para julgar ações penais, sendo esse um entendimento já pacificado no Supremo Tribunal Federal (STF). Desse modo, eventual ação ajuizada para julgamento de possível crime será de competência da justiça comum.”, enfatiza.

Refletindo do ponto de vista de um maior número de políticas públicas no combate a essa problemática, a especialista acredita que é necessária uma mudança de mentalidade política para que essa realidade seja enfrentada. “Há uma grande carência de políticas públicas direcionadas ao combate ao trabalho em condição análoga à de escravo para que o país efetivamente possa cessar um ciclo de exploração racial existente há décadas após a abolição formal da escravidão. A ‘escravidão contemporânea’ fora mantida por muitos anos de forma disfarçada pelos interesses econômicos, desisteressados na abolição efetiva da exploração humana. Assim, há uma certa expectativa de que possamos contar uma mudança de mentalidade e direcionamento político, bem como que possamos verificar a valorização da pessoa humana numa perspectiva material”, conclui a advogada.

 

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