Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
18/04/2023 às 10h02min - Atualizada em 16/04/2023 às 18h53min

Projeto literário de Minas Gerais dá visibilidade a autores independentes no país e fortalece a cultura nacional através do conhecimento

Idealizado por quatro mulheres, a Ibi Literrário democratiza o processo de publicação editorial e abrange eventos culturais de literatura para estimular o alcance de escritos únicos

Alice Andersen - Edição por Bianca Lourenço
Foto: Reprodução

Um projeto literário idealizado por quatro mulheres mineiras na Zona Oeste de Belo Horizonte, a editora IBI Literrário, está se destacando no meio editorial ao democratizar a literatura brasileira independente e propor novas formas de estimular a produção e divulgação de escritos originais, a fim de fortalecer o conhecimento cultural literário e independente tanto em âmbito nacional quanto internacional.  
 

Nos últimos três anos, a literatura brasileira veio ganhando novos rumos e se transformando cada vez mais dentro do mercado editorial, na forma de se produzir, diagramar, revisar, publicar, divulgar e democratizar o acesso ao conhecimento de livros escritos por autores emergentes no país. De acordo com os dados do Clube de Autores, plataforma independente de publicação literária, houve um crescimento de 30% no número de escritores independentes no Brasil a partir do ano de 2020, momento em que a pandemia do Coronavírus estava no primeiro auge e, segundo pesquisas, impactou e deu lugar a atividades culturais com maior intensidade. 
 

Simultaneamente a este crescimento e, sendo a cultura um dos setores que mais sofreu com os efeitos da pandemia, desenrolou-se um fator adicional para que produções culturais fossem prejudicadas: o desmonte em andamento realizado durante o último governo, no qual foram sendo cortadas progressivamente verbas para atividades culturais, conforme o levantamento feito pelo jornal O GLOBO. É justamente neste cenário, em março de 2020, que nasce um projeto literário em Belo Horizonte, Minas Gerais, por meio do trabalho e esforço coletivo de quatro jovens mulheres movidas pelo fazer cultural.
 

Da terra se faz a Literatura
 

Concebida pelas fundadoras Carola Castro, Beatriz Ayumi, Azula Marina e Jiulia Castro, a IBI Literrário foi fruto de uma união, paixão e experiência das sócias com o universo dos livros, junto com a equipe formada pela revisora Flávia Januário e pela artista visual Julia Bernardes. Na percepção das fundadoras, existiam poucos canais de distribuição de obras literárias publicadas de forma totalmente independente.

 

O nome concedido ao projeto,  IBI, significa Terra na língua Tupi Guarani e a ideia da escolha foi para abranger os povos originários e traduzir a terra à maneira indígena-brasileira, a fim de diversificar a linguagem. Nesse sentido, “Literrário” foi uma forma de colocar as palavras “terra” e “rio”, norteadores do ato de fazer literatura, no campo “literário” através de uma junção de palavras que se combinam e refletem o conhecimento advindo de sua base, a terra.

Assim, IBI Literrário se constitui como uma plataforma que vai muito além de uma editora, reunindo uma associação e um laboratório, com objetivo de tornar a literatura algo que sempre renasça do cultivo, da terra que guarda tantas histórias do nosso país, das pessoas e dos grupos sociais, de modo que sejam contadas e recontadas no tempo presente pelos próprios autores de suas histórias. 


Nas palavras de Carola, “esta é sem dúvida a década mais desafiadora para a Literatura. Ou seremos reconhecidos por sermos a estrutura narrativa do mundo, ou ficará a mensagem de que a literatura é dispensável e por isso substituível. Mas em todos os casos, será sempre uma questão de narrativa”. Diferente de uma editora tradicional, a IBI se coloca ao mesmo tempo como uma vitrine, um espaço de formação e fomento itinerante voltado somente para a literatura independente.  De acordo com as sócias, grande parte dos escritores financiam seus próprios livros, às vezes até sem selo editorial, mas encontram dificuldade de os fazerem chegar ao público. Portanto, fazendo uma ponte entre leitores, escritores, editoras e países, em apenas três anos a IBI já abraçou mais de 20 grandes projetos literários, ultrapassando a expectativa esperada e com muitos planos ainda previstos para o futuro. 

 

“Esta é sem dúvida a década mais desafiadora para a Literatura. Ou seremos reconhecidos por sermos a estrutura narrativa do mundo, ou ficará a mensagem de que a literatura é dispensável e por isso substituível. Mas em todos os casos, será sempre uma questão de narrativa”

 

A IBI Associação Literrária, um dos braços do projeto, se caracteriza por um núcleo de autores independentes internacionais, formado em 2021 para incluir, unificar e fortalecer o ativismo pela escrita livre do consumismo e  da produção mercantil editorial. Outro braço relevante da IBI Literrário é o Laboratório da Zona Literária Independente de Belo Horizonte (ZLI-LAB), o qual abarca as demandas que chegam pela editora, estruturando revisão, diagramação, editoração, o trabalho de escrita e o desenvolvimento da comunicação, dentre outros processos. Com apoio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Belo Horizonte, a ZLI-LAB realiza em média 70 encontros ao ano para planejar e cultivar a cultura literária, promovendo a carreira de autores selecionados pelos editais das secretarias municipais de suas cidades.

Atualmente, o Laboratório da Zona Literária Independente está com inscrições abertas para contemplar ao todo 18 escritores mineiros da região de Belo Horizonte até o dia 30 de abril, é possível acompanhar a ZLI-LAB pelo instagram @ibiliterrario e pelo site: https://www.ibiliterrario.com/. O edital aberto busca contribuir para o desenvolvimento da escrita criativa e comunicação de projetos literários de novos escritores da cidade este ano. O formulário de preenchimento pode ser acessado através deste link: https://forms.gle/w8U6ZjPZSKLRpVYJ6

 

Do Brasil para o mundo
 

Em março de 2020, mês da criação da IBI, foi realizado o primeiro Edital de Chamamento de autores que teve um total de 170 inscrições com adesão de 60 escritores de 15 estados e dois países, compondo as primeiras obras independentes produzidas pela editora. Após seis meses, a IBI estaria marcando presença na 90° Feira do Porto, em Portugal, com exemplares nacionais e levando 30 escritoras e escritores brasileiros de todas as regiões do país e algumas editoras independentes brasileiras nessa cruzada do oceano, mostrando a potência literária do Brasil no exterior. Um fato interessante nesse mesmo evento foi a venda de uma obra no estande da IBI Literrário, pertencente ao escritor Alexandre Ribeiro, autor do livro "Reservado", para o atual presidente de Portugal, Marcelo Rebelo.

Diversos jornais reconhecidos do Brasil realizaram publicações do fato que repercutiu no dia da Feira, com o presidente rodeado de veículos de comunicação, tendo em vista o alcance que a cultura literária possui na transformação dos espaços e a influente presença do chefe de estado em eventos culturais. O portal de notícias G1, a revista Marie Claire, o jornal Metrópoles e o UOL foram alguns dos jornais brasileiros que produziram reportagens nos meses de agosto e setembro de 2020, destacando a iniciativa inédita.

O escritor Alexandre Ribeiro morava na Favela da Torre em Diadema, no ABC Paulista, periferia que colocou no centro de sua obra “Reservado”, onde ele retrata a realidade das periferias brasileiras e conta a história da jornada de João Victor, um menino reservado, de periferia e da “cor do talvez” – modo poético como Alexandre se referiu aos “não brancos”, sendo a palavra reservado norteadora do romance. Além disso, sua obra foi selecionada pelo Programa de Ação Cultural do governo de São Paulo (o Proac) e sido levada para uma das feiras literárias mais importantes do mundo, a Feira de Livros de Frankfurt, na Alemanha.


 

Internacionalização e acesso

Em julho de 2022, a IBI Literrário esteve na 26a Bienal Internacional de São Paulo como convidada de honra de Portugal, trazendo experiências literárias vivenciadas pela editora por lá, além da presença da escritora portuguesa associada Maria Jorgete Teixeira, que participou de atividades durante a Bienal de SP no lançamento de seu livro “Mulher à beira de uma largada de pombos”, editado pela IBI; participou também do evento o escritor brasileiro Samuel Carrasco, que lançou sua obra “Crônicas de um corpo em chamas” no mesmo dia, ambos compondo a Mesa de Editoras na programação oficial. Um outro autor associado à IBI Associação Literrária, Paulo César, teve a oportunidade de ter seu livro “Lobo Mau ataca a República dos Três Porquinhos” lançado no país europeu por meio do projeto literário editorial.
 

 


 

"A gente participou de diversas feiras online durante a pandemia, como a Feira Literária Pirata das Editoras Independentes (FLIPEI) em 2021 e também de oficinas, formações e rodas de conversa”, comenta Beatriz Ayumi. Com objetivo de contribuir para a multiplicação do conhecimento literário na zona rural, a IBI também realizou uma oficina gratuita em abril do mesmo ano, intitulada “Jornadas Freireanas”, a partir do projeto piloto “Literatura Sem Fronteiras” no pré assentamento Edígio Brunetto, em São Paulo. Onde foi ministrada a Educação no Campo pela educadora Tainara Lima, de forma que a literatura funcionasse como uma ferramenta de autonomia, alfabetização e transformação da população local.

 

Visibilidade para escritas do interior 

Na oportunidade de estimular a literatura mineira e promover manuscritos originais que não chegaram a ser publicados na região de Mutum, em Minas Gerais, a IBI Literrário se propôs a realizar a editoração, diagramação e publicação de nove escritos originais e preservados pelos autores independentes locais, através da Lei Aldir Blanc. Por trás desses escritos haviam gêneros literários diversos ainda não contados, tais como romances, crônicas, poesias, autobiografia e suspense, e que estavam registradas em um caderno que nunca havia sido digitalizado. Beatriz afirma que pediu as fotos dos livros para digitalizar, e assim conseguiram publicar obras de escritoras e escritores que nunca haviam sonhado em publicar um livro.

“Publicamos uma história de duas irmãs que haviam brigado e nunca mais conversaram, e foi no dia do lançamento do livro que elas se falaram pela primeira vez após 20 anos! Publicamos também um escritor que mora na área rural de Mutum e nunca viu a possibilidade de publicar seus poemas, porque há mais de 30 anos ele carregava esses poemas consigo, então foi um trabalho muito especial e muito importante de valorização da literatura independente”, diz a fundadora. A transformação destes manuscritos originais em obras literárias foi um trabalho de autenticidade dos autores, de construção de uma memória regional e afetiva, que agregou e se somou à cultura de Mutum, contribuindo para que novas histórias pudessem ser relatadas.


 

Um solo cultural literário no Rio de Janeiro
 

Este ano, “Jenipapo, Urucum e um Padê para Èxù: sete escritas de encruzilhadas”, é um dos projetos literários que está nos cuidados finais da IBI Literrário. Com seu início em 2022, a editora acompanhou todo o processo de comunicação, escrita, revisão, editoração e ilustração de sete escritos de autores independentes do Rio de Janeiro, que têm as obras previstas para serem lançadas no mês de abril em Ipanema, na conhecida Casa de Cultura Laura Alvim. Trazendo toda a cultura carioca e brasileira, o projeto recebeu um território próprio para germinar, denominado Abacateiro pelo proponente e também escritor do projeto Rodrigo Lima, que nasceu na baixada fluminense; o selo de ecossistema cultural atua como uma produtora cultural que promove linhas editoriais em parceria com artistas e editoras, como a IBI Literrário.

Os escritores cariocas Bruno Olivieri, Isabel Caetano, Thaís Reis, Leonardo Da Selva, Beatriz Brandão, Rodrigo Lima e Rodrigo Sángòdáre foram selecionados através do Edital de Retomada Cultural RJ2, criado pela Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro (SECECRJ), com o objetivo de apresentar em suas obras reflexões em torno do Bicentenário da Independência do Brasil. Caracterizado como um solo fértil da Literatura, o Jenipapo propõe diversos gêneros literários em um box de sete obras que se complementarão, sob o desejo de celebrar a ancestralidade e a escrita desassistida, buscando levar as cores do jenipapo e do urucum em uma mistura única e nacional por meio de um quefazer coletivo, assim como dialogar com as áreas da arte e da educação.

Dentre os temas que compõem os livros da linha editorial estão acontecimentos de grande expressão para a construção do Brasil que não são contados com profundidade reflexiva, como a Batalha do Jenipapo, a Revolução dos Malês, a luta pelos direitos dos povos indígenas, a cultura africana no Brasil e recortes dos estudos decoloniais. Pintado em vermelho e preto, o projeto traz referências à palavra Brasil (vermelho como brasa), ao recorte das culturas indígena, africana, maranhense, piauiense e cearense, tendo o vermelho representando a vida, e o preto, a terra. Segundo a concepção da equipe da IBI: “Jenipapo, Urucum, e um Padê para Èsù” revive a história de um povo contada por gotas de sangue e opressão que se transformam em palavras e memória.

 

                         

 

A Literatura é coletiva, criada todos os segundos em todos os cantos do mundo pela conexão entre os seres, para eles e por eles

 

Beatriz afirma que a IBI Literrário mira o mercado de internacionalização de escritores independentes e no desenvolvimento de projetos que tragam profissionalização destes escritores. No futuro próximo, elas pretendem entrar com um programa de formação e comunicação que debata questões essenciais e conflitos que a literatura independente está travando silenciosamente, por exemplo, com o desenvolvimento das Inteligências Artificiais. Em 2023, a IBI ainda vai realizar mais duas ações em feiras internacionais: uma em Lisboa, em Portugal, e outra em Frankfurt, na Alemanha, para transportar a literatura independente brasileira para o centro do debate literário mundial. “Temos como fundamento a percepção de que a Literatura é coletiva, criada todos os segundos em todos os cantos do mundo pela conexão entre os seres, para eles e por eles”, conclui.
 

A editora e revisora da editora independente, Flávia Januário, acredita que a Literatura sempre expressou um campo de grandes transformações e que a escrita e a leitura precisam estar presentes no dia a dia de todas as pessoas para, além de informar e alimentar o ciclo da produtividade, inspirar e instigar a criatividade. “Os livros transpõem limites geográficos e temporais, inicia diálogos difíceis, alimenta a fraternidade e apresenta possibilidades novas a quem lê. O livro perdura, é a forma de escritoras(es) e editoras(es) se imortalizarem ecoando suas palavras por toda a perpetuidade”, diz. Na sua visão, é por essa razão que é preciso escrever, preciso acreditar, preciso transformar o fazer literário em um ato de fé carregado de habilidades bem desenvolvidas e de incentivo para tornar o mundo melhor, e isso só acontece por intermédio de autoras(es), editoras(es) ou leitoras(es) motivados. 

 “Os livros transpõem limites geográficos e temporais, inicia diálogos difíceis, alimenta a fraternidade e apresenta possibilidades novas a quem lê. O livro perdura, é a forma de escritoras(es) e editoras(es) se imortalizarem, ecoando suas palavras por toda a perpetuidade”

As mudanças nos últimos anos que o espaço literário brasileiro está cruzando é como este vivenciado pelo projeto literário editorial IBI Literrário. De acordo com a reportagem do jornal Diário do Comércio, muitos escritores independentes dependiam de grandes editoras para lançar suas obras e, editoras independentes, de grandes financiamentos. No momento presente, se mostram diferentes maneiras de expansão desse setor cultural, que está facilitando o alcance e multiplicação do conhecimento de modo mais acessível: “há o financiamento coletivo, os editais governamentais e os concursos literários que concretizam a impressão das obras. Tudo isso abre um horizonte diferente, sobretudo para os que estão começando”. Iniciativas como estas são prioritárias para o desenvolvimento do país: “existe pressa. O Brasil só será um país rico, emancipado e forte, com um povo autônomo e capaz de exercer, na plenitude, seus direitos e seus deveres, se tiver bom acesso à Educação e à Cultura”.



Conheça mais sobre o projeto literário

 


Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »