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17/04/2023 às 20h56min - Atualizada em 15/04/2023 às 12h00min

Da frustração ao assassinato

O trauma e o abandono afetivo abrem caminho para o ódio, para ideias extremistas e transformam jovens em criminosos

Carlos Henrique Pianta - Editado por Ynara Mattos
ANDERSON COELHO/AFP - 6.4.2023

“Nossa, poderia ter entrado na nossa escola também, a gente fica pensando no que poderia ter acontecido e isso gera mais pânico, mais medo, mais angústia”. relembrou, com a voz ainda trêmula e tentando conter a emoção, Analu Búrigo Haushahn, ao perceber que, para se entregar, o responsável pelo massacre, último dia 5, em uma creche de Blumenau, Santa Catarina, passou pela frente da escola estadual em que ela atua como assistente técnico-pedagógica. 
 

Analu, que é psicóloga de formação, relatou o clima no momento em que a comunidade escolar ficou sabendo do ocorrido. Quando se espalhou a notícia e o caos começou a ficar generalizado na escola, muitas crianças e adultos chorando, teve desmaio, algumas pessoas com crise de ansiedade” e completou: “Eu, enquanto psicóloga, não da escola, porque não tem psicóloga nas escolas públicas, fiz o movimento de acolhimento”.

 

A preocupação com a saúde mental e os ataques em escolas

 

A falta de atendimento psicológico e acolhimento institucional nas escolas pode ser um dos principais fatores que levam alunos e ex-alunos ao cometimento desses crimes. De acordo com pesquisa da Unicamp, o perfil das pessoas que praticam esses crimes são jovens, muitos deles abandonaram a escola, que tem histórico de sofrimento na vida escolar, como bullying, isolamento social e alguns apresentam histórico de violência familiar. 
 

Para a advogada e mestranda em educação, Cleo Garcia, uma das responsáveis pelo estudo da Unicamp, não há uma saída fácil para esse problema, a responsabilidade deve ser assumida pela escola, família, poder público e por toda a sociedade. Segundo a pesquisadora, a melhor forma de combater o surgimento desses casos é o investimento “na preparação da comunidade escolar para uma convivência saudável, protocolos de ações que atendam às vítimas diretas e indiretas desse tipo de tragédia com acompanhamento de saúde mental”.
 

A falta de políticas de saúde mental é um grande problema, fora das capitais o acesso a serviços gratuitos de apoio psicológico é raro. As escolas também carecem de um plano pedagógico de acolhimento. Para Analu, “nos casos em que a gente consegue identificar na escola, com um psicólogo, além de atuar no atendimento do aluno e o encaminhamento para alguma instituição gratuita de saúde mental, a gente poderia trabalhar nas turmas em que ocorrem práticas de violência, trabalhar com empatia, consentimento e respeito”. De acordo com a psicóloga, “muitos professores tem que fazer esse tipo de atuação, mesmo sem ter a qualificação científica para isso”, acrescenta, Analu.

 

Jovens, traumatizados e muito violentos

 

O estudo da Unicamp ainda revela que o perfil predominante dos adolescentes é de pessoas do sexo masculino, brancos, que cultuam à violência e às armas, acham que a sociedade lhes deve algo, exibem comportamento misógino, racista, homofóbico e simpatizante do nazismo. 
 

O recrutamento desses jovens ocorre por meio “chats” em jogos e fóruns intitulados como “TCC” True Crime Community comunidades que incubam esses jovens e os transformam de meninos frustrados em potenciais agressores. Sem o atendimento psicológico adequado, os jovens não aprendem a lidar com as frustrações, isso os isola da sociedade ainda mais e abre caminho para o acolhimento em grupos radicais na "deep web" e abertamente nas redes sociais. A principal delas é o Discord, rede usada em comunidades de jogos. São nesses canais que os jovens são, cada vez mais cedo, aliciados para conteúdos de extrema direita e prática de ações violentas. 
 

“Estamos falando aqui de um público vulnerável e em desenvolvimento, que é o adolescente. Para aqueles que já se encontram em uma situação de sofrimento, o mundo das teorias da conspiração online e grupos de ódio pode se tornar ainda mais atraente. Existem depoimentos de ex-extremistas dizendo que esses grupos se tornaram uma família para eles, combatendo sua solidão, exclusão e isolamento”, afirmou Garcia.

 

De acordo com a advogada criminalista, Mayara de Andrade Bezerra, “a violência é um produto de mercado, ela é comercializada. Nós estamos vendo a importação da cultura armamentista, a expansão dos discursos de ódio pelos meios de comunicação, especialmente nas redes sociais”.
 

Diante dessa questão, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou que as redes terão que apagar conteúdos que incentivem a violência, sob pena de multa, bloqueio, suspensão e até banimento das suas atividades no Brasil.

 

O medo leva a respostas precipitadas

 

Depois dos ataques em Blumenau, houve uma comoção nacional e a busca por respostas imediatas para a garantia da segurança dos alunos, professores e demais trabalhadores da educação.
 

Em Santa Catarina, o governador Jorginho Mello anunciou que em 60 dias todas as escolas do estado contarão com a presença de servidores aposentados da segurança pública armados. Este modelo também está sendo adotado por outros estados e cidades pelo país. A preocupação dos especialistas é que uma saída rápida, como resposta à sociedade, não é, necessariamente, a ideia mais correta.
 

Para Cleo Garcia, “a prática tem mostrado que a polícia ostensiva nas escolas não impede ataques desse tipo. Nos Estados Unidos, por exemplo, onde ocorrem muitos eventos desse tipo, possui leis, estratégias e policiamento nas escolas, apesar disso tudo, os maiores ataques continuam sendo lá e em escolas que estão armadas e protegidas por travas, câmeras e botões de pânico”, concluiu.
 

A criminalista Mayara Bezerra converge dessa avaliação e acrescenta: “para uma perspectiva de medidas preventivas, parece muito mais inteligente fazer uma investigação mais aprofundada sobre as causas desses ataques do que colocar mais armas dentro das escolas”, afirmou.
 

Os parlamentares também buscam dar respostas rápidas e punitivistas para a situação. Em escala nacional, deputados sugerem de aumento do tempo de reclusão até mudanças na Constituição para possibilitar prisões perpétuas e penas capitais. No entendimento de Mayara Bezerra, “essas propostas não tem caráter preventivo, esse argumento de aumento de punição se auto-invalida, tendo em conta que os crimes permanecem acontecendo”. Para a criminalista, o aumento no tempo de reclusão “acentuaria a dificuldade para a criação do convívio social, agravando o cometimento de crimes”, completou. 


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