A leitura sempre foi o ponto de partida para uma boa formação cultural, imaginária e do próprio pensamento crítico. Porém, cada vez mais barreiras são impostas na luta do acesso à leitura. Segundo dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, de 2015 para 2019, houve uma queda de 4,6 milhões de leitores. Além disso, o aumento no preço do papel, consequentemente, fez com que o preço dos livros aumentasse consideravelmente. Em 2023 o preço médio do livro subiu 5,2% chegando a R$43,42, afetando ainda mais o público leitor.
A pesquisa considera como leitor toda pessoa que leu, inteiro ou em partes, pelo menos um livro nos últimos três meses. Na capital sergipana, 58% dos aracajuanos são considerados leitores, esse número equivale a 358 mil pessoas. Desse percentual, 74% afirmaram que gostam de ler, ou seja, mais de 264 mil da população. Dessa forma, uma série de fatores influenciam na democratização da leitura, podendo variar em questões financeiras e de incentivo.
Fatores que impedem o avanço da leitura
Como uma fuga dos altos preços impostos pelo mercado de livros impressos, o consumo dos livros digitais, também conhecidos como e-books, acabou crescendo. Esses e-books podem ser acessados por meio de dispositivos como: o kindle, tablets e, até mesmo, celulares. Mas, até onde essa é uma alternativa viável para toda a população brasileira?
Para a aquisição dos livros digitais é necessário que se tenha acesso à internet para a compra, download e leitura online do material, mas, infelizmente, as condições de acesso à internet ainda são bastante desiguais no Brasil. Em um estudo realizado pelo Instituto Locomotivas e da empresa de consultoria PWC mostra que mais de 33 milhões de brasileiros não possuem acesso à internet. Além disso, outro obstáculo para o acesso aos livros digitais são os próprios dispositivos que possuem valores elevados e vistos como objetos de luxo.
No Brasil há cerca de 100 milhões de leitores, sendo que 61,2 milhões não são estudantes. Para o Mestre pela Universidade Federal de Sergipe na área de Estudos Literários Gustavo Aragão, esse cenário brasileiro retrata o déficit educacional do país:
“Este contexto se deve ao déficit educacional que nos assombra. Outros fatores acarretam esse cenário como o alto custo dos livros impressos e a deficiência no processo de inclusão digital, impedindo o acesso aos e-books e às obras disponibilizadas em plataformas digitais”, afirma Gustavo.
Ainda segundo a pesquisa, o hábito da leitura se concentra em classes sociais de ganho mais elevado, e ainda assim, houve uma queda no número desses leitores entre os anos de 2015 a 2019. A causa da baixa na quantidade desses leitores, é a preferência por dedicar mais tempo às redes sociais do que aos livros. Para Gustavo,”isto evidencia o fosso abissal em que se encontram as classes C, D e E quando se trata de leitura em nosso país”.
Mas o que se fazer em uma realidade tão desigual e desfavorável para tantas pessoas?
Foi pensando justamente no acesso aos livros que projetos educacionais foram idealizados para fomentar a leitura. O “LerCiclar”, criado em 2020, um pouco antes do isolamento social por conta da COVID-19, por exemplo, compõem a gama de iniciativas de incentivo à leitura.
Projetos de incentivo à leitura
Tudo começou quando os criadores do projeto, Gabriella Carvalho e o marido Jorge Peixoto, pedalaram do bairro Suíça, em Aracaju, até o Centro da cidade, quando encontraram um contêiner de lixo com vários livros. A partir desse dia, o casal refletiu sobre o descaso com um instrumento tão poderoso. ”Um livro, hoje em dia, é extremamente caro, o que já desfavorece muita gente que tem interesse em ler e desencoraja qualquer pessoa de ser tragado pelo desejo de ler”, expressa Gabriela. O casal também passou por dificuldades para encontrar pessoas que aceitassem os livros, e, por esse motivo, jogaram-os fora.
De livros encontrados no lixo até a dificuldade de encontrar leitores foi fundado o projeto
LerCiclar, um mediador para que as pessoas entreguem livros lidos e usados e encontrem quem os receba.No início do projeto, os fundados esbarram em dificuldades, como
doar livros nas próprias instituições de incentivo à educação. E, por conta disso, destinaram a maior parte das doações para o interior do estado, onde as pessoas aceitam doações mais facilmente. Atualmente, o projeto atua em cidades como Aracaju (SE), Simão Dias (SE), Paripiranga (BA) e outros.
A fundadora, Gabriella Carvalho, demonstra interesse em expandir a iniciativa para que possa contribuir e ajudar ainda mais pessoas. "Nós ainda não somos ONG, porque existe um processo todo até o reconhecimento e estamos ainda em trâmite”.
A vontade e o desejo de tornar a leitura mais acessível à população, não é um desejo somente da Gabriela e do Jorge. Em março de 2017, Ivna Ariane criou o projeto “Aracaju Biblioteca Livre”. A psicóloga transformou a recepção do seu consultório, localizado no Centro Médico Jardins, em uma biblioteca. O objetivo do projeto é estruturar uma cadeia circular de livros por meio de troca de exemplares entre leitores.
A iniciativa, que começou como um sonho, hoje, já possui mais de 5 mil seguidores nas redes sociais. A estudante de fisioterapia Leylanne Oliveira conheceu a Aracaju Biblioteca Livre por meio do Instagram, a qual chamou sua atenção. Por ter momentos em que não dispunha de dinheiro para a compra de livros novos, Leylanne já optou pelo projeto e influenciou diversas amigas a conhecer e participar também. “É importante a gente ter um espaço assim. Eu acredito que a leitura é uma via essencial para a educação, para a nossa sociedade e para o ser humano em si”, afirma a estudante.
Do outro lado da cidade, na zona Norte de Aracaju, há também uma iniciativa semelhante ao de Ivna: o projeto Bugioteca fica no canteiro central da rua Geni da Silva Dias, no bairro Bugio. Criada no ano de 2015, a Bugioteca recebe doações de livros e possui a mesma premissa do Aracaju Biblioteca Livre, um espaço de compartilhamento e de incentivo à leitura.
O idealizador do projeto foi o José Adailton Dantas, morador do bairro Bugio. A ideia surgiu quando estava na faculdade, mas o sonho vem desde a infância. Adailton relata que sempre teve o sonho de ter uma biblioteca pública pertinho dele, e a partir do momento que resolveu criar o projeto, recebeu todo o apoio de seus amigos.
Graças a esses projetos, a capital sergipana possui alternativas para tentar driblar os fatores que impedem o avanço do acesso à leitura no país.