20/09/2019 às 00h00min - Atualizada em 20/09/2019 às 00h00min
Resenha: As boas mulheres da China - Xinran
Talyta Brito - Editado por Socorro Moura
Divulgação: Amazon Todas as profissões têm seus privilégios e suas frustrações. O maior dilema do jornalista, talvez seja, ver uma realidade, e não poder transformá-la. Compete-lhe apenas contá-la, seja através do texto impresso, das ondas do rádio, por meio das páginas de um livro ou uma revista. E dar notoriedade a tais fatos é a ferramenta mais poderosa que esses profissionais possuem. O que fazer quando seus superiores se opõe a ideia de tornar pública determinada história? Foi justamente isso que aconteceu com Xinran.
A jornalista apresentava um programa de rádio chamado “Palavras da Brisa noturna”, quando recebeu uma denúncia sobre um casamento arranjado - um homem de 60 anos havia comprado uma garota e amarrado com correntes de ferro para que ela não pudesse fugir. A informação é repassada para seus editores, mas esses não veem grande mal. Instigada pelo questionamento “quanto vale, exatamente, a vida de uma mulher na China?”, Xinran sai em busca de mulheres dispostas a quebrar o silêncio e falar sobre suas angústias e pesares enquanto mulher chinesa.
O livro é uma compilação de várias histórias; a própria autora incorpora suas vivências na obra. Os capítulos trazem desde uma mãe que vê sua filha pendurada entre os escombros - decorrente de um terremoto - mas não pode fazer nada para salvá-la a uma jovem que foi separada do namorado por conta da Revolução Cultural, ocorrida em 1966. O reencontro só acontece 45 anos depois, mas não será como ela imagina.
O leitor também é exposto a casos como o de Hongxue: garota que era violentada pelo próprio pai. Para se livrar das constante violências ela se auto mutilava, pois assim era obrigada a ir para o hospital - lugar que ela considerava seguro. Outro fato apresentado é o da mulher que teve o casamento arranjado pela Revolução. Aparentemente ela tinha a vida perfeita. Mas no seu íntimo, convivia com a indiferença de um marido que não a amava e a todo momento falava hostis, como: “você só seve para limpar meus sapatos".
O que mais choca na leitura do livro é que, apesar vivemos em sociedades e épocas completamente diferentes, as mulheres continuam a enfrentar problemas semelhantes. De acordo com 13° anuário brasileiro de Segurança Pública, em 2018 foram registrados 66.041 casos de estupro – um aumento de 5% em relação ao ano anterior. Sendo que a maioria dos crimes são praticados contra meninas de 10 a 13 anos, e na grande maioria das vezes por alguém próximo. Em suma, o livro é uma denúncia ao machismo, problema social que ultrapassa sociedades e tempos.
Como diz o jornalista Leandro Demori: “vida longa ao jornalismo que não dobra ao poder”. Aquele que está disposto a escancarar os fatos, a gerar discussões, mesmo que as mudanças não advenham imediatamente. Expor os fatos a sociedade é o primeiro passo para que a transformação. Por mais Xinrans no jornalismo!