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07/01/2020 às 12h53min - Atualizada em 07/01/2020 às 12h53min

Elizabeth Bishop: a controversa homenageada da Flip 2020

A americana, que apoiou o golpe militar em 1964, é a primeira estrangeira a ser homenageada pela Festa Literária de Paraty

Gabriela Carneiro
Reprodução

A 18ª edição Festa Literária de Paraty homenageará um escritor estrangeiro. Isto não acontecia desde 2003, estreia do evento. Em 2020, depois de Euclides da Cunha, a Flip optou por passar o bastão à poeta americana Elizabeth Bishop. E esta decisão foi motivo de revolta entre grandes nomes da literatura e frequentadores do evento nas redes sociais. As críticas, entretanto, não foram tanto a sua nacionalidade: estavam direcionadas a seus ideais políticos.

Nascida em Massachusetts, 1911, Bishop morou durante 15 anos em terras tupiniquins após apaixonar-se pela arquiteta Lota de Macedo Soares, idealizadora do projeto do Aterro do Flamengo — a história de seu romance com é contada pelo filme Flores Raras (2013), dirigido por Bruno Barreto. De 1956 a 1971, viveu junto de sua amada na capital fluminense entre aqueles da mais alta sociedade carioca.

Depois do suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, o Brasil passou por uma série de governos provisórios: foram três presidentes diferentes até 1956, quando assumiu Juscelino Kubitschek. A promessa era “50 anos em cinco”: Bishop assistiu à construção de Brasília, o aumento do desenvolvimento industrial e a internacionalização do capital brasileiro. Em seguida, porém, acompanhou o cenário político brasileiro entrar em colapso: no ano de 1961 assumia Jânio Quadros e, três anos depois, viria o Golpe Militar.

A verdade é que Bishop não costumava abordar a política em seus textos. A americana preferia escrever sobre a vida e reimaginar o mundo ao seu redor por meio da poesia. Entretanto, em cartas que escrevia a seus amigos americanos, mostrou seu apoio ao Golpe de 64. “Foi uma revolução rápida e bonita, debaixo de chuva — tudo terminado em menos de 48 horas”, descreveu. “A suspensão dos direitos, a cassação de boa parte do Congresso etc., isso tinha de ser feito, por mais sinistro que pareça.”

Destaca-se, também, que na época os militares obtiveram não só o apoio da grande imprensa, mas da sociedade civil. Todos temiam a “ameaça vermelha” — influenciados, principalmente, pelos americanos. Mas o processo que levou ao golpe esteve longe de ser como via Bishop — conviver entre a classe alta brasileira explicaria sua visão equivocada, mas não a justifica. 

Os fantasmas da ditadura afetam a sociedade brasileira até os dias de hoje. Ademais, um momento delicado como o atual, no qual o próprio Governo ameniza e parabeniza as atrocidades dos militares, faz da escolha por homenagear alguém que concorde consideravelmente polêmica.

Não foi este motivo, é claro, que levou a curadoria do evento a optar por Bishop: ela é, mais que tudo, grande responsável por levar a literatura brasileira ao exterior. A americana traduziu obras de Clarice Lispector, Cecília Meirelles, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Publicou, também, An Anthology of Twentieth Century Brazilian Poetry, reunindo, em um só livro, diversos poemas de autores brasileiros para aqueles que falam inglês.

Em seu site, a Flip se define como “um momento importante para o debate de ideias e um ponto de encontro de toda a diversidade”. Elizabeth Bishop marcará somente a quarta mulher a ser homenageada, além da primeira assumidamente homossexual. Em um meio majoritariamente masculino, a poeta recusava-se, por outro lado, a ser considerada parte de um movimento feminista ou até mesmo de autoras lésbicas. Mas suas dificuldades como minoria estiveram presentes em sua escrita. Mais que seus ideais políticos, é importante debater qual foi seu papel na literatura e o que podemos levar de seus ensinamentos para o cenário atual.

 

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