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27/03/2020 às 15h23min - Atualizada em 27/03/2020 às 15h23min

Os dilemas da preservação da saúde mental durante a pandemia - com Helenice Silveira e Talita Grizólio

"A pandemia que estamos vivenciando atinge a todos de forma biopsicossocial, isto é, em níveis físicos, psíquicos e sociais." - Talita GrizólioTalita Grizolio

Letícia Pereira Santana
Foto: UNIFAP
 
As consequências decorrentes da pandemia de Coronavírus vêm afetado não só a saúde física, mas também a mental das pessoas – infectadas ou não pelo vírus. Partindo desse ponto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou no dia 12 de março um Guia de dicas para preservar a saúde mental dos cidadãos durante a pandemia.

Antes do cenário de crise já existiam pessoas apresentando quadros clínicos de doenças mentais. No Brasil, os dados mais recentes levantados pela OMS denotam que 5,8% da população sofre de depressão (aproximadamente 12 milhões de pessoas), enquanto que cerca de 19,4 milhões de indivíduos tem ansiedade.

No guia desenvolvido pelo Órgão há alertas para o preconceito com grupos étnicos específicos, bem como a importância da cautela quanto à sobrecarga de informações. Para desenvolver o assunto, o Dicas entrevistou duas profissionais da psicologia, a Helenice Silveira Almeida - Neuropsicóloga especialista em Psicologia da Saúde - e a Talita Grizólio, Mestre em Psicologia pela UFTM.


Segue a entrevista:

1- A promoção do direito à saúde é um dever do Estado. Entretanto - não apenas durante a pandemia-, para grupos negligenciados o acesso é um desafio. Como vem sido o auxílio psicológico para essas pessoas à mercê da crise? 
 
Helenice: Antes de mais nada, é importante ressaltar que o acesso à saúde, seja ela física ou mental, sempre foi um desafio no nosso país para grupos negligenciados, independentemente da situação atual que estamos vivendo. É óbvio que o agravamento provocado pela emergência de uma pandemia, como é o caso do COVID-19, ressalta ainda mais a necessidade de uma ação imediata para essa população.  Sendo assim, vem sendo observada uma movimentação por parte dos psicólogos para tornar acessível o atendimento a esses grupos, por meio de campanhas, doações e criação de grupos de atendimento psicoterapêutico voluntários. Devido às restrições provocadas pela própria natureza da doença, no momento, as medidas têm sido feitas por meio digital, o que dificulta o acesso a quem não tem internet. Entretanto, essa forma também possibilita um alcance de maior da ajuda, pois não restringe territorialmente os atendimentos.
 
Talita: Sem dúvidas, a promoção de saúde mental para grupos negligenciados é um desafio independentemente da crise que estamos vivendo. Entretanto, toda essa situação ocasionada pela disseminação do novo Coronavírus tem gerado preocupação e esforços tanto do governo quanto do Conselho Federal de Psicologia (CFP) para que a balança entre a segurança social e a saúde mental possa se equilibrar. O CFP divulgou em nota no dia 19/03/20 que os atendimentos deveriam ser mantidos somente se houvesse um cuidado muito maior que assegurasse o mínimo de risco para os profissionais de saúde, enfatizando que “cuidar dos profissionais da saúde e da assistência social nesse momento de crise significa proteger toda a sociedade”. Entre as orientações presentes estavam a utilização de horários diferenciados de atendimento, a redução das equipes em suas sedes e a restrição ao público externo. No entanto, com o agravamento da disseminação do vírus em documento mais recente lançado no dia 24/03/2020 o CFP orientou os psicólogos a suspenderem os atendimentos presenciais mantendo apenas os casos emergenciais. No documento, o Conselho Federal de Psicologia solicita às gestões e empregadoras(es) que disponibilizem prioritariamente Tecnologias de Informação e Comunicação, isto é, plataformas online que possam viabilizar o atendimento à população minimizando assim os riscos sem deixar de oferecer o suporte psicológico. Psicólogos têm trabalhado remotamente, mas em conjunto, para poder dar continuidade aos trabalhos iniciados e também acolher aos que estão se sentindo angustiados e ansiosos em meio as tantas informações alarmantes com relação ao Covid-19.
 
  
2- Como os psicólogos vêm possibilitando a permanência do atendimento necessário aos pacientes? Há alguma campanha em pauta?

 
Helenice: O Conselho Federal de Psicologia por meio das suas atribuições e da resolução nº 11/2018, regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meio de tecnologias da informação e comunicação, mediante cadastro. Sendo assim, os atendimentos psicoterapêuticos dão continuidade à distância, por meio de plataformas de comunicação síncronas e assíncronas. Isto possibilita a não interrupção do processo terapêutico e continuidade do tratamento, visando sempre a promoção da saúde mental dos pacientes e da população em geral.
 
Complementando os dados apresentados por Helenice, Talita completa:
“Dessa forma, os atendimentos podem ter continuidade, e os tratamentos realizados até então, não ficam fragmentados. Diversas campanhas têm sido realizadas na internet por Psicólogos de todo Brasil. Entre as ações realizadas podemos destacar as orientações sobre como lidar com o isolamento social, como a recente matéria do Jornal da USP que publicou no dia 20/03/2020 um conjunto de orientações sobre como reorganizar a rotina na quarentena e os benefícios psíquicos decorrentes dessa prática. Também há um movimento por parte de Psicólogos de promover saúde mental por meio de apoio psicológico gratuito oferecido voluntariamente via online. Dentre as ações podemos citar iniciativas como a “Linha aberta para suporte a apoio emocional” no Estado do Espirito Santo.”
 

3- Os asiáticos – ligeiramente relacionados à doença de modo preconceituoso – são atingidos de algum modo específico? Como preservar a saúde mental dessas pessoas?
 
Helenice: A imprensa tem divulgado que manifestações de racismo contra chineses emergiram, sim, pelo mundo. A hostilidade afeta não só a população do país, mas cidadãos e descendentes de outras nações do leste da Ásia, e se expressa em insultos contra essas pessoas em espaços públicos e restrições à sua entrada em estabelecimentos. Muitas vezes também aparece em comentários nas redes sociais.
Incidentes de racismo e xenofobia foram reportados em países europeus – como Itália, França e Reino Unido –, do continente americano, como Canadá e Estados Unidos, e mesmo na Ásia, em lugares como Coreia do Sul e Malásia. Diante desse cenário, torna-se importante a promoção de um olhar diferenciado à saúde mental dessa população, que historicamente já sofre com os mais diversos estereótipos. Apesar de estigmas serem comuns em épocas de epidemias, é importante que exista uma campanha para conscientização da população a respeito das consequências dessa espécie de preconceito, bem como a conscientização do alastramento da própria doença, antes que rumores amarrados ao senso comum se tornem fonte de preconceito.
Em relação à preservação da saúde mental dessa povo, é importante que eles se sintam acolhidos em suas demandas e encontrem um local de apoio onde possam se expressar e serem ouvidos sem julgamento. Esses espaços podem ser grupos terapêuticos específicos, encontros culturais, o próprio seio familiar ou até mesmo uma psicoterapia individual.
 
 
4- Qual a importância do profissional da psicologia em um momento como esse?
 
Talita: O profissional de Psicologia se faz essencial, pois a partir de serviços como aconselhamento Psicológico ou Psicoterapia as pessoas podem ter um espaço seguro e especializado para tratar e falar acerca de suas angústias e inseguranças. A pandemia que estamos vivenciando atinge a todos de forma biopsicossocial, isto é, em níveis físicos, psíquicos e sociais. As pessoas estão preocupadas com sua saúde, mas também com as consequências financeiras que já vigoram na vida de muitos trabalhadores, principalmente dos autônomos e informais. Além disso, o isolamento social obrigatório causa uma mudança drástica nas rotinas e acaba possibilitando uma série de agravamentos de estados já subjacentes da saúde mental de cada indivíduo. O que isso quer dizer? Se uma pessoa sofre de ansiedade essa situação é um contexto que  possibilita e muito o agravamento desses estados, pois reflete uma situação na qual o sujeito não tem controle sobre diversas coisas que acontecem, como a liberdade de ir e vir, o quanto o vírus pode se disseminar, o quanto as pessoas podem adoecer ou quanto a economia regressará com a pandemia. Nós, profissionais da saúde mental atuamos na prevenção e na contenção de agravamentos desses estados mentais, reforçando aquilo que as pessoas podem controlar e acolhendo a angústia daquilo que não podem. Portanto, a Psicologia é um bem essencial, é fator de proteção da saúde e fundamental para que não haja um colapso. 
 

 Em suma, a psicologia mostra-se imprescindível, principalmente no cenário atual. Juntamente com outras categorias, o exercício da profissão vem corroborando para mitigar a crise em sua esfera específica.

 
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