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18/04/2020 às 10h41min - Atualizada em 18/04/2020 às 10h41min

Rubem Fonseca: uma vida entre crimes

O autor discutiu em livros a amoralidade e o vazio existencial no ser humano

Luhê Ramos - Editado por Letícia Agata
Rubem Fonseca lendo um livro
Na quarta-feira, dia 15 de abril de 2020, perdeu-se um importante contribuinte para a literatura policial. Rubem Fonseca sofreu um infarto aos 94 anos de idade e não resistiu. O autor é principalmente reconhecido por sua contribuição literária. Segundo uma matéria da Globo, Rubem havia renovado a literatura brasileira no século 20, mas ele não era só isso. Sua experiência de vida foi a principal fonte para a criação de seus personagens tão marcantes. 
 
Filho de portugueses, José Rubem Fonseca nasceu em Minas Gerais e se mudou aos oito anos de idade para o Rio de Janeiro. Se formou em direito, no ano de 1948, na atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Aos 27 anos, em 1952, José Rubem, como era chamado pelos amigos, entrou na carreira policial. Foi o ponto da vida que muito influenciou suas escritas autorais, principalmente os personagens criados e os temas abordados por ele. 
 
Dentro da polícia, Fonseca trabalhou nas ruas até 1954, depois tornou-se relações públicas do corpo. Escolhido junto a outros para fazer um curso de aperfeiçoamento nos Estados Unidos entre 1953 e 54, Fonseca aproveitou e estudou administração na New York University (NYU) durante sua estadia no país. No ano de 1958, Rubem Fonseca foi exonerado da polícia por manter mais de um emprego ao mesmo tempo. 
 
Aos 17 anos, o jovem Fonseca já treinava seu dom para a escrita. Depois de sua vida na polícia, no entanto, as abordagens mais recorrentes se relacionavam à sua experiência na carreira. Seus primeiros escritos depois do serviço prestado para a polícia citavam casos, pessoas e lugares reais com os quais teve contato na época. Sua primeira obra publicada foi o livro de contos Os prisioneiros, em 1963, e seu primeiro romance, intitulado O Caso Morel, em 1973.
            
O livro de 1963 chegou ao público sendo aclamado pela crítica. Tempos depois, o estilo de escrita de Rubem iria receber críticas negativas. Com características como realismo, linguagem direta e escrita seca, o erótico, violência e ironia, além do vasto uso de palavrões, seus textos não agradaram a todos. Seu estilo chegou a ser classificado como “brutalista” por Alfredo Bosi, crítico e historiador da literatura brasileira, em 1975. A partir desta fala, o autor foi marcado como quem popularizou a literatura brutal no Brasil. 
 
José Rubem Fonseca participou da direção do IPÊS (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais). O instituto, que apoiava a direita na época, organizou a base ideológica para o golpe de 64. Fonseca era a favor do movimento e o apoiava. Mesmo assim, em meio à ditadura já instalada no país e à censura também, não tiveram misericórdia de suas obras, mesmo com sua contribuição anterior. 
 
No mesmo ano de seu lançamento no mundo literário, mais um livro foi publicado: O Cobrador. É preciso aprofundar-se sobre sua trajetória. Em uma primeira pesquisa na internet, é possível achar como ano de publicação 1979. Porém, em uma pesquisa mais aprofundada, é encontrado o ano de 1963. Isso se deve ao fato de que vivíamos em época conturbada entre os anos de 1964 e 1984. Era período de ditadura militar e muitos livros foram censuradas. Um conto (O Cobrador) e um livro de Rubem estavam na lista proibida. 
 
O Cobrador, conto homônimo ao livro, fala sobre um personagem que, por sentir que a sociedade lhe deve dignidade, assassina muitas pessoas. Se passa em época de ditadura e tem uma forte presença de palavrões e violência urbana, considerados motivos, na época, para que a obra literária entrasse para index. Outra obra censurada por ser amoral e contrária aos bons costumes, foi o romance Feliz Ano Novo, de 1975. Censurado em 1976, apenas foi liberado em 1989, após longa batalha judicial.   
 
As obras do autor tornaram-se conhecidas por suas fortes características, além de conter personagens bem construídos e enredos ricos. O que o autor pretendia com sua escrita irônica e crítica é ser verossímil e retratar a violência em estado de podridão que se encontra a sociedade, como ele próprio comprovou enquanto trabalhava no Departamento de Polícia. Antônio Candido, crítico literário, chega a classificar a estética literária de Rubem Fonseca como um  “realismo feroz”. O crítico diz que esse tipo de leitura agride o leitor pela violência técnica, pelas palavras. 
            
Com mais de 30 obras publicadas, algumas se destacaram mais ao longo dos anos, como: O Cobrador (1963), A Coleira do Cão (1965), Lúcia McCartney (1967), O Caso Morel (1973), Feliz Ano Novo (1975), A Grande Arte (1983), Bufo & Spallazani (1986), Agosto (1990), Romance Negro e Outras Histórias (1992) e Amálgama (2013). 
 
Algumas das leituras tiveram um destaque a mais: foram adaptadas para as telas de televisão. A minissérie Agosto, por exemplo, foi adaptada de um romance homônimo, que se passa em agosto de 1954 e retrata acontecimentos que consumaram na morte de Getúlio Vargas, assim como no livro. Outras obras televisivas adaptadas de livros de Fonseca foram Lúcia McCartney, uma Garota de Programa (1971), que contou com a direção do filho de Rubem, José Henrique, A Extorsão (1975), A Grande Arte (1991), Agosto (1993), Mandrake (2005), O Cobrador (2006), entre outras adaptações. 
 
Depois de ser criticado por estar perdendo sua essência e características tão marcantes, o discreto autor respondeu com a publicação do que seria, então, seu último lançamento: Carne Crua (2018). Uma coletânea de contos e poemas que contém traços de seus livros mais famosos e aclamados. 
 
Com seus incríveis livros, que abordam a violência que assola o país, além do amoralismo e vazio existencial (obsessão sexual) como características de seus personagens, Rubem Fonseca conseguiu admiráveis seis Prêmios Jabuti (nos anos de 1969, 1983, 1996, 2002, 2003 e 2014), um Prêmio Camões (2003) e o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL), em 2015. O autor ainda conquistou publicações de vários de seus livros no exterior. 
 
Em 2013, uma biblioteca foi inaugurada na estação de metrô no Leblon, Zona Sul do Rio de Janeiro, dedicada ao uso pelos operários e batizada com nome do autor. Ele doou livros de seu acervo pessoal. "Ler nos torna melhor. Permite que a gente entenda melhor o outro. E permite que a gente entenda melhor a nós mesmos", disse o contista animado em entrevista na ocasião, apesar de sua conhecida aversão a entrevistas, vida discreta e seu peculiar gosto pelo isolamento. 
 
Para Tânia Pellegrini, no estudo "No fio da navalha: literatura e violência no Brasil de hoje", sobre a literatura brasileira contemporânea, Rubem Fonseca exerce grande influência nos autores da nova geração e chega a estabelecer uma “matriz fonsequiana”. Alguns chegam a dizer que Fonseca reinventa o gênero policial. 
 
Na última quarta-feira o homem que renovou a literatura brasileira foi tirado de nós. O autor brasileiro, que viveu entre crimes, tanto durante sua carreira na polícia quanto em seus contos e romances, deixará saudades e tristeza. Apesar disso, temos 30 livros dele, os quais nos possibilitam aproveitar a esperteza e dominância do autor nas artes da linguagem e da escrita. Muitos são gratos por sua contribuição à literatura. Só temos, então, de ler suas obras. Como ele mesmo disse: “Ler nos torna melhor.” 

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