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26/04/2020 às 17h26min - Atualizada em 28/04/2020 às 19h26min

O mistério centenário de Hercule Poirot

Pesquisas apontam para um refugiado belga, mas a verdadeira origem do detetive é desconhecida até hoje

Gabriela Carneiro - Editado por Rafael Campos

Há 100 anos, a escritora mais traduzida do mundo publicava o seu primeiro livro. E, no segundo capítulo, seu personagem mais popular fazia sua estréia. Ao longo de cinco décadas, Agatha Christie escreveu mais de 200 obras, e seu detetive belga desvendou dezenas de assassinatos das mais diversas circunstâncias. Mas, após sua morte, a Dama do Crime deixou um mistério sem solução: quem foi a verdadeira inspiração para Hercule Poirot?

Christie nunca ligou Poirot a uma pessoa real. Mas, em sua autobiografia, comentou sobre o processo de sua criação: “Quem poderia ser? Um estudante? Muito difícil! Um cientista? Que sabia eu acerca de cientistas? Lembrei-me então de nossos refugiados belgas. Havia uma colônia de refugiados belgas, bastante numerosa, na paróquia de Tor. (...) Por que não seria belga meu detetive? Deixei que crescesse como personagem”.

Com base neste relato e somado a histórias de sua própria família, Michael Clapp, um comandante aposentado da marinha americana, acredita ter encontrado alguém que de fato existiu por trás do detetive. Ele seria o policial belga também aposentado Jacques Hamoir.

 

A história de Jacques Hamoir


Jacques Joseph Hamoir e Hercule Poirot

Jacques Joseph Hamoir e Hercule Poirot

 

    A avó de Michael Clapp, Alice Graham Clapp, trabalhava na recepção de refugiados belgas em Exeter, uma cidade inglesa. 

    Alice mantinha um livro com os registros dessas pessoas e das famílias que as receberam e acolheram na Inglaterra. Ná página 41, havia uma nota sobre Jacques Joseph “Hornais”, de 57 anos, que fora morar com os Potts-Chattos em Torquay, não muito longe da casa dos Miller, em 18 de janeiro 1915.

    No dia 6 de janeiro do mesmo ano, os Potts-Chattos deram uma festa na qual Agatha Miller, de 24 anos, foi a pianista. Um ano mais tarde, ela se casaria e se tornaria Agatha Christie. Embora o Belga possa não ter comparecido a festa, visto a data de sua chegada, é possível que a autora tenha o conhecido depois.

    A história intrigou Clapp e repórter Bruno Waterfield, do Telegraph. Eles buscaram o sobrenome “Hornais” entre a população da Bélgica, mas não tiveram resultado. Porém, uma arquivista da prefeitura de Herstal, cidade belga, encontrou o registro de Jacques Joseph Hamoir, um policial aposentado que fugira para a Inglaterra com seu filho durante a guerra. Nascido em 1858, Hamoir encaixava perfeitamente nos dados que eles tinham.

    Uma foto de Hamoir mostra que ele partilhava muitas das características, em especial o famoso bigode, do personagem Hercule Poirot. Ele foi, também, um dos poucos refugiados belgas que residiram cidade natal de Christie.

 

A dúvida

 

Embora até seu arquivista oficial, John Curran, acredite ser plausível que Hamoir tenha sido a inspiração para Poirot, não há nenhuma confirmação nos documentos deixados pela autora. Por isso, muitos de seus admiradores ainda estão céticos.

A escritora Sophie Hannah, que escreveu uma adaptação das obras de Poirot, é uma daqueles que têm suas dúvidas. “A história é interessante, mas o fato de Agatha nunca ter mencionado faz eu me perguntar, ‘por que não?’ Talvez sem razão, eu costumo acreditar nas coisas sobre a Agatha somente se estas vêm de suas próprias palavras, de sua família, ou de seu arquivista craque John Curran”, disse ela ao The Guardian.

A falta de qualquer confirmação por parte da Dama do Crime pode ser devido a ela nunca por “pessoas reais” em seus livros, mas uma desconstrução das mesmas. “Quando me perguntam: ‘A senhora põe pessoas reais em seus livros?’, respondo que para mim é inteiramente impossível escrever sobre qualquer pessoa que eu conheça, ou mesmo com quem tenha conversado, ou de quem apenas tenha ouvido falar! Não sei por que motivo, isso é o suficiente, para, no que me diz respeito, destruí-los completamente. No entanto, posso tomar um ‘manequim’ e dotá-lo de qualidades e ideias concebidas por mim”, escreveu ela no prefácio de Um corpo na Biblioteca (HarperCollins Brasil, 2020). Dessa forma, Hamoir pode ter sido a inspiração, mas estaria muito longe do resultado final.

 

O legado de Poirot


Obituário de Poirot no The New York Times

Obituário de Poirot no The New York Times

Inspirado em uma pessoa real ou não, é fato que o detetive belga mais famoso da literatura ganhou vida por si próprio.

Apesar do amor que seu personagem recebia, Christie nunca desejou que ele fosse tão popular. Sua vontade era descartar o personagem de seus livros muito antes de tê-lo feito, mas continuou escrevendo suas histórias a pedido de seus leitores.

Quando aconteceu, no livro Curtain em 1970, a morte de Poirot teve grande repercussão. A primeira página do The New York Times trazia “Hercule Poirot está morto; Famoso detetive belga” na manchete. Ele é, até hoje, o único personagem fictício que recebeu um obituário no veículo.

Em Ellezelles, aldeia Bélgica onde acredita-se que veio Poirot, há, ainda, um certificado de nascimento do detetive. O nome de seus pais consta como Jules-Louis Poirot e Godelieve Poirot, mas a informação não provém de sua criadora. Alguns memoriais e uma estatueta também podem ser encontrados no centro da cidade.

 

 


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