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26/06/2020 às 09h35min - Atualizada em 26/06/2020 às 09h02min

Quando os livros tornam-se abraços

Conheça experiências de grupos de leitura durante o isolamento social

Franciele Rodrigues - labdicasjornalismo.com
Reprodução perfil Amigos de palavra/Instagram
A pandemia da covid-19 pelo mundo transformou as rotinas da maioria das pessoas. Estudos, trabalho, lazer, consumo, afetos sofreram algum tipo de interferência desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil, no final de fevereiro.

Com os grupos de leitura não têm sido diferente, muitos deles também foram impactados pelo avanço da doença e a decorrente necessidade de diminuir o contato físico como uma das principais ações de contenção. A partir disso, eles têm desenvolvido estratégias para dar andamento às atividades.

Com origem no século XVIII, os grupos de leitura, também conhecidos como “clubes do livro”, correspondem às associações de pessoas que se encontram para discutir sobre um livro que acabaram de ler de modo que possam expressar as suas opiniões. Nesta reportagem, conheceremos experiências de participantes e organizadores de grupos de leitura durante a pandemia.

Valter do Carmo Moreira, 32 anos, é artista plástico, professor e vive em Arapongas, município localizado no interior do Paraná. Ele conta que já participou de algumas edições do grupo “Leia Mulheres”, de Londrina (PR). Em 2019, organizou o “Encontro de leitores de HQs” (histórias em quadrinhos), a medida compôs um dos eixos do projeto “Diálogos literários”, realizado no Serviço Social do Comércio (Sesc), unidade centro, também em Londrina.

O profissional, que é doutorando em Estudos Literários pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), explica que: “Atualmente, participo de dois grupos de estudo informais, um deles formado por mim e mais dois amigos pós-graduandos para discutirmos o caminhar de nossas pesquisas, o outro é formado por mim e mais três colegas, onde lemos e discutimos livros teóricos”.  

Segundo Moreira, embora sempre gostasse de ler e partilhar as leituras em rodas de conversa, o seu envolvimento em grupos estruturados, mais formais, começou a ocorrer na graduação ao lado de colegas de turma e professores. Ele informa que antes do coronavírus, os encontros eram presenciais, aconteciam semanalmente ou quinzenalmente na casa de algum dos membros ou nas dependências da universidade.

Com o avanço da covid-19, as reuniões passaram a ser organizadas através de videoconferências, o que trouxe a necessidade de habilitar todos os integrantes a usar os aplicativos. Para o professor, o aproveitamento das discussões não foi alterado, mas as celebrações após os encontros estão fazendo falta. Moreira avalia que, mesmo após o fim do isolamento social, o grupo irá manter o uso de tecnologias para realizar os debates já que considera que estes recursos facilitam na ocorrência de conflitos de horários ou impossibilidade de deslocamento.

Kelly Shimohiro, 44 anos, escritora e residente em Londrina conta que juntamente com a sua irmã, Dany Fran, 40 anos, também escritora e jornalista, moradora de Maringá (PR), fundou o grupo de leitura chamado “Amigos de palavra”. Ela revela que, antes de expandir, o projeto recebia o nome de “Irmãs da palavra”.

A iniciativa foi criada em 2015 e desde então mantém as atividades. Atualmente, possui 15 participantes. “Tivemos vontade de criar um novo espaço de encontros literários em Londrina e Maringá num formato mais descontraído, onde todo participante pudesse escolher e indicar obras, sem seguir um gênero literário, podendo passear por mais diversos autores e estilos”, explica Shimohiro.

Uma das idealizadoras do grupo, Shimohiro pontua que antes da pandemia da covid-19, ocorriam encontros presenciais em livrarias, sendo que em Londrina as reuniões aconteciam no segundo sábado do mês e em Maringá no último sábado do mês. Com a chegada do coronavírus, os participantes continuam seguindo os cronogramas previstos para ambas as cidades, mas os encontros estão sendo virtuais mediados por tecnologias de informação e comunicação.

As mudanças nos modos de organização foram sentidas entre todos os integrantes do grupo de leitura: “há mais participações nas discussões por aplicativos de mensagens, todo mundo querendo falar, postar fotos da sua rotina e leituras em casa. E ao mesmo tempo, existem membros que não gostam da discussão virtual e acabam não participando”, avalia.

Ela relata também que algumas estratégias foram adotadas a fim da continuidade das atividades à distância como: estímulo a leitura como forma de aliviar a ansiedade e ocupar o tempo de confinamento em casa, também estão conversando mais online “os amigos da palavra é uma rede de apoio para este momento, fizemos até um encontro a mais a pedido dos membros do grupo”, afirma.

No entanto, Shimohiro observa que não identificou diferença em sua rotina de leitura, ao comparar a quantidade de livros concluídos no mesmo período entre o ano passado (2019) e agora, constatou que está muito semelhante. Para a escritora, os encontros virtuais não substituem os presenciais, mas é uma forma de prosseguir com as atividades enquanto atravessam a crise sanitária “a leitura é um bote salva vidas”, conclui.

Ela e o restante dos membros que formam o grupo de leitura “Amigos da palavra” pretendem retomar as reuniões de modo presencial assim que possível, por enquanto os abraços ficam a cargo dos livros. Mergulhando nessas histórias e conhecendo a importância do contato com o mundo e com os outros, lembrei de Eduardo Galeano. Talvez todo livro seja um abraço, este que tanto sentimos falta em tempos de distanciamento social, e ao leitor cabe morar neles como fez Lucia por toda a vida:

“Quando Lúcia Peláez era pequena, leu um romance escondida. Leu aos pedaços, noite após noite, ocultando o livro debaixo do travesseiro. Lúcia tinha roubado o romance da biblioteca de cedro onde seu tio guardava os livros preferidos. Muito caminhou Lúcia, enquanto passavam-se os anos. Na busca de fantasmas caminhou pelos rochedos sobre o rio Antióquia, e na busca de gente caminhou pelas ruas das cidades violentas. Muito caminhou Lúcia, e ao longo de seu caminhar ia sempre acompanhada pelos ecos daquelas vozes distantes que ela tinha escutado, com seus olhos, na infância. Lúcia não tornou a ler aquele livro. Não o reconheceria mais. O livro cresceu tanto dentro dela que agora é outro, agora é dela” (Eduardo Galeano, Livro dos Abraços, 2002, p.19).

Espero que os seus livros lhe abracem apertado! 

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