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17/04/2019 às 15h32min - Atualizada em 17/04/2019 às 15h32min

Sobre o voar do tempo e a saudade de ser criança

Adrieli Fátima Bonini
Pexels
Seus pés estavam pesados. Suas pernas doíam pelo caminhar na estrada de pedra, em direção ao local onde ela nutria tanta saudade e anseio por saber e ver com seus próprios olhos como aquela pequena casa de madeira se encontrava. Havia longos anos que ela partira em direção a cidade grande, em busca de realizar o seu sonho, aquele de ser escritora.

Quando chegara ao seu destino, ela, já com seus 35 anos e uma câmera fotográfica em mãos, planejava tentar, ao menos, recordar e, assim registrar suas poucas memórias de um local, de uma singela casinha de madeira, um jardim que anteriormente configurara-se recheado de diversas espécies de flores, folhagens e árvores, sendo este o seu lugar favorito para passar as longas tardes pegajosas de verão, brincando com suas bonecas, devorando as dezenas de livros que retirava na biblioteca da escola, poucos quilômetros dali.

Mas pelo contrário, ela encontrou apenas um amontoado de madeira, já desgastada pelo tempo, pela chuva e o sol incessante. Não pôde disfarçar a sua dor, o seu desapontamento ao observar tudo o que já foi o seu motivo de felicidade, de amor, e de simplicidade ter espontaneamente acabado. Ela se indagara o que diabos poderia fazer sem sair desse lugar com uma história para contar aos seus filhos, e acima de tudo, sem conseguir registrar tantas lembranças que perpassavam pela sua mente.

Assim, sentara em um pequeno banquinho de madeira, o resto que sobrou de uma camélia que proporcionava nas primaveras a beleza de contemplar suas flores cor de rosa. Instantaneamente, um filme de lembranças guardadas a fundo começaram a surgir. Ela, pequenina, juntamente com seu pai, brincavam com um velho livro, que, outrora, pertencia a alguém no qual ela não possuía mais nenhum contato. Seu pai, agora, um senhor de idade avançada, já não possuía a mesma recordação que sua filha. Ela lembrou-se dos tantos desenhos que ambos faziam juntos naquele livro velho. O começo de sua paixão pelos livros e pela escrita se deu através do estímulo de seus pais, mesmo ambos não tendo uma escolaridade suficiente. Não faziam ideia de que criariam sua filha para voar mundo afora.

Percorrendo o jardim, que outrora possuía um vasto aglomerado das mais diversas flores; agora o que está diante de seus olhos é apenas um campo seco, de plantas que foram arrancadas e esquecidas. Sentiu um misto de tristeza e melancolia. Lembrara do quanto a sua mãe sentia amor por cuidar das mesmas... Continuando a caminhar pelo local, lembrou-se dos momentos vividos naquela casa, esta, já com a tinta azul descascada pelo correr dos anos. No seu quarto, recordou-se dos momentos harmoniosos no qual ela e sua pequena irmã passaram, as incontáveis brincadeiras, as bonecas, o balanço pendurado numa velha ameixeira, onde, restou apenas cordas apodrecidas pelo tempo.

Ao sair dali, com lágrimas nos olhos e uma saudade ínfima do que não deu valor, do que não aproveitou o suficiente, de não amar o suficiente. Se deu conta do quanto o tempo voa sem se importar com quem fica o vendo partir. Nesse momento, como nunca antes, desejou voltar ao passado, para desfrutar novamente de todos aqueles instantes. Na sua infância, ela foi feliz, mesmo, por vezes assustando-se com a maldade do mundo, mesmo com o carinho que achava não ser merecedora, mesmo com a simplicidade no qual vivia, mesmo observando sem entender como aqueles podem se achar superiores pelo simples fato de possuir mais dinheiro. Hoje, ela os vê como fantoches desengonçados que se mexem através da ganância e de futilidade inúteis. Sem pestanejar, foi em direção a casa de seus pais, e com lágrimas nos olhos e o coração apertado de uma saudade que não conseguia explicar, disse: “Eu amo vocês, obrigada por me fazerem quem eu sou hoje”. Há momentos, no qual a gente não pode perder tempo.

 
Editador por Leonardo Benedito.

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