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03/07/2020 às 21h53min - Atualizada em 03/07/2020 às 21h48min

Como memes podem exercer papel de facilitadores no processo de democratização cultural

“Funkeiros Cults” facilita a compreensão de leituras complexas para jovens de periferia e mostra que é possível gostar de funk e literatura

Ana Thereza Amaral - Editado por Letícia Agata
Fonte: Instagram
O acesso à cultura, que deveria ser um direito básico do cidadão, pode ser considerado um luxo no Brasil. Com o fortalecimento diário do elitismo no país, a cultura foi fracionada entre as classes sociais, de modo que as camadas mais favorecidas da sociedade têm um amplo acesso aos mais diversos tipos de informação, enquanto as menos favorecidas são limitadas a determinadas expressões culturais que, muitas vezes, são produzidas dentro da própria comunidade em que vivem.

A partir dessa elitização, surgem rótulos sobre os indivíduos que consomem determinadas categorias de manifestações culturais. Mesmo que involuntariamente, essas ideias estão fincadas no nosso subconsciente. Normalmente, quando vamos criar a imagem mental de uma pessoa dita “culta”, logo imaginamos alguém de roupa social e características que remetem às classes socialmente privilegiadas. Entretanto, ao tentar montar a imagem de uma pessoa que gosta de funk, já se imagina alguém com roupas mais descontraídas, de boné, tênis, camiseta e o famoso óculos “juliet”. Mas isso não é necessariamente verdade, além de ser preconceituoso e limitante.

Justamente em contrapartida a esses estereótipos, Dayrel Teixeira, 21, que mora em uma periferia de Manaus, resolveu criar a página do Instagram “Funkeiros Cults”, em maio de 2020. Unindo dois dos seus gostos (funk e literatura), ele começou a publicar memes com fotos dele e de outras pessoas segurando obras de literatura — de vão de Franz Kafka a Jorge Amado, passando por Platão e diversos outros filósofos famosos — enquanto estão vestidas com roupas comuns em bailes funk, e junto a foto vem uma legenda que resume as principais mensagens das obras numa linguagem mais informal e similar à utilizada por jovens em periferias.




Em entrevista para o Kondzilla, Dayrel afirma que o funk sempre esteve presente na sua vida, pois é parte da cultura de onde vive, mas seus gostos não se limitam a apenas isso: ele também tem grande interesse por cinema e literatura. Ele notou, ao longo da vida, que as pessoas costumavam estranhar o fato de ele gostar de duas coisas que sempre foram vistas como opostas. Daí surgiu a ideia da página, na qual mostra que nem só de baile vive o funkeiro.

Ao romper com esse preconceito, Dayrel mostra, para outros jovens vindos de periferias, que é possível sim gostar de funk e ler Sartre, sem perder o estilo “chavoso”. Além disso, ao adaptar a linguagem formal e complexa dos livros para algo do cotidiano dessa população, permite uma fácil compreensão, o que torna a página além de uma fonte de entretenimento: uma ponte para a democratização da educação. O jovem Levi Rosal, morador de uma zona periférica de Fortaleza, é seguidor da página e conta como os memes o aproximaram da literatura:
 
“por mais que pareça apenas humor, no fim é uma forma de ensino e de aproximar mais a juventude periférica à filosofia e sociologia.  Atualmente não existem muitas iniciativas desse tipo na internet, de trazer literatura dessa forma, e as que existem são pouco conhecidas. Eu não sou um leitor assíduo e nem conheço muito de filosofia, antropologia e afins, mas essa página de uma forma me aproximou de todo esse mundo”.

Isso mostra que é possível simplificar textos complexos de uma maneira lúdica, para entreter e engajar qualquer público na leitura. Depois da popularização da página, muitos professores passaram a interagir positivamente e se juntaram aos funkeiros num grupo do Facebook para dar dicas de estudo, aulas online e suporte nos estudos para quem precisa. A psicopedagoga, Kariny Sena, cita que o processo de aprendizagem não ocorre somente no modo formal, por meio da escola e de aulas:
 
"O que Dayrel faz é influenciar, de um jeito marcante, quem ele alcança. E sem perceber, dissemina o aprendizado aos seus seguidores, que identificam nele uma representação do seu povo, da sua cultura, da sua identidade. Desse modo Dayrel exerce o papel de educador com toda a potência, pois o aprendizado só acontece a partir do momento que emociona e faz sentido. E quem se identifica com ele, passa a se interessar por literatura e tudo que a cerca".


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