O acesso à cultura, que deveria ser um direito básico do cidadão, pode ser considerado um luxo no Brasil. Com o fortalecimento diário do elitismo no país, a cultura foi fracionada entre as classes sociais, de modo que as camadas mais favorecidas da sociedade têm um amplo acesso aos mais diversos tipos de informação, enquanto as menos favorecidas são limitadas a determinadas expressões culturais que, muitas vezes, são produzidas dentro da própria comunidade em que vivem.
A partir dessa elitização, surgem rótulos sobre os indivíduos que consomem determinadas categorias de manifestações culturais. Mesmo que involuntariamente, essas ideias estão fincadas no nosso subconsciente. Normalmente, quando vamos criar a imagem mental de uma pessoa dita “culta”, logo imaginamos alguém de roupa social e características que remetem às classes socialmente privilegiadas. Entretanto, ao tentar montar a imagem de uma pessoa que gosta de funk, já se imagina alguém com roupas mais descontraídas, de boné, tênis, camiseta e o famoso óculos “juliet”. Mas isso não é necessariamente verdade, além de ser preconceituoso e limitante.
Justamente em contrapartida a esses estereótipos, Dayrel Teixeira, 21, que mora em uma periferia de Manaus, resolveu criar a página do Instagram “
Funkeiros Cults”, em maio de 2020. Unindo dois dos seus gostos (funk e literatura), ele começou a publicar memes com fotos dele e de outras pessoas segurando obras de literatura — de vão de Franz Kafka a Jorge Amado, passando por Platão e diversos outros filósofos famosos — enquanto estão vestidas com roupas comuns em bailes funk, e junto a foto vem uma legenda que resume as principais mensagens das obras numa linguagem mais informal e similar à utilizada por jovens em periferias.
Em entrevista para o Kondzilla, Dayrel afirma que o funk sempre esteve presente na sua vida, pois é parte da cultura de onde vive, mas seus gostos não se limitam a apenas isso: ele também tem grande interesse por cinema e literatura. Ele notou, ao longo da vida, que as pessoas costumavam estranhar o fato de ele gostar de duas coisas que sempre foram vistas como opostas. Daí surgiu a ideia da página, na qual mostra que nem só de baile vive o funkeiro.
Ao romper com esse preconceito, Dayrel mostra, para outros jovens vindos de periferias, que é possível sim gostar de funk e ler Sartre, sem perder o estilo “chavoso”. Além disso, ao adaptar a linguagem formal e complexa dos livros para algo do cotidiano dessa população, permite uma fácil compreensão, o que torna a página além de uma fonte de entretenimento: uma ponte para a democratização da educação. O jovem Levi Rosal, morador de uma zona periférica de Fortaleza, é seguidor da página e conta como os memes o aproximaram da literatura: