05/07/2020 às 16h38min - Atualizada em 05/07/2020 às 16h38min
'O tempo da ciência é incompatível com a ansiedade das pessoas pela informação', diz microbiologista Natalia Pasternak
Em entrevista ao programa Roda Viva, cientista condenou a reabertura iniciada por alguns governantes, elogiou a cobertura da mídia sobre a pandemia e comentou a possibilidade da distribuição de uma vacina contra Covid-19 em dezembro
Por Cinthia Resende - Edição Luana Gama
Roda Viva
Na última segunda-feira (29), a doutora em microbiologia e presidente do Instituto Questão de Ciência, Natalia Pasternak, concedeu entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura. Ela falou sobre pontos fundamentais da pandemia do novo coronavírus de maneira clara e concisa. Segundo o Ministério da Saúde, até a publicação desta matéria, o país tem 1,5 milhão de infectados e mais de 64 mil mortes. Apesar dos números, a flexibilização das medidas de isolamento sociais já ocorre em várias cidades, atitude condenada pela microbiologista. “Foi precoce. A abertura depende da análise de dados, não temos um comitê cientifico que assessore essa decisão. Estamos com a curva [de contaminação] ainda em ascensão, não é o momento para reabertura. Infelizmente, as pessoas ainda não entenderam a gravidade da situação”, afirmou. Segundo ela, a população não está preparada para entender como a ciência funciona. “Num momento de angustia gerado pela pandemia e da sensação de incapacidade, somos levados a querer soluções fáceis e milagrosas, algo que a ciência não oferece. Estamos vivendo uma tragédia, mas nunca preparamos as pessoas para entender que a ciência é um processo”, disse. Outra questão debatida ao longo do programa é a dificuldade de comunicação existente entre cientistas e a população: “nós fomos preparados para nos comunicar com os pares. A comunicação é muito mais tranquila. Onde está o equilíbrio do cientista em saber se comunicar com os pares e com a sociedade também?”, pontuou. Mídia Com o avanço da pandemia, a população tem cada cada vez mais procurado por fontes seguras de informação. A confiança na mídia tradicional, que havia se perdido nos últimos anos, agora volta com força. O trabalho jornalístico mostra-se incansável na cobertura da pandemia, algo elogiado por Pasternak. “O trabalho que a mídia tem feito é excelente! Nunca vimos tanto espaço para cientistas na mídia. Nunca vimos a mídia se preocupando tanto em passar a informação real tão correta a orientar a população. A cobertura da pandemia, em geral, feito pela mídia tradicional, tem sido excelente”, ponderou. Com tudo, a busca por respostas rápidas e concretas tem gerado grande inquietação nas pessoas e a doutura explica que “o tempo da ciência é incompatível com a ansiedade das pessoas pela informação definitiva, correta e absoluta. Isso não existe em ciência. O processo da ciência está sempre em mudança, ela sempre pode mudar de ideia diante de novas evidencias". Investimento em ciência A falta de investimento em ciência também foi um assunto abordado na entrevista. “A gente tem uma emergência, corre todo mundo pra apagar o ‘fogo’. Foi assim na epidemia do zika. Mas uma vez que a epidemia acabou…cadê o investimento naquela doença especifica? Se o investimento funcionar só durante esses 'soluços' e não for um algo perene, nós estaremos extremamente vulneráveis na próxima pandemia. E a próxima pandemia virá. Precisamos de um investimento em pesquisa acoplado com a indústria e com o desenvolvimento”, afirmou. Vacina Na última parte do entrevista, a questão da vacina foi comentada: “pode ser que tenhamos uma vacina no final do ano, se tudo ocorrer perfeitamente bem. As vacinas de Oxford e da Sinovac estão bem adiantas, mas tudo depende da fase três, que é a que vai começar agora. Se tudo ocorrer bem, o que não costuma acontecer em ciência, teremos uma vacina no final do ano. Pode acontecer? Pode, mas pode não acontecer. Tudo depende do caminho. É muito difícil fazer essa previsão”, finalizou.