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08/07/2020 às 20h55min - Atualizada em 08/07/2020 às 20h40min

A formação de pessoas negras nas universidades passam de 2,22% para 9,3 após criação de cotas

“Sou a primeira geração da minha família materna a ter um diploma de graduação", diz advogada

Renata Machado - Editado por Barbara Honorato
Renata Machado
As cotas raciais foram criadas com a finalidade de reservar vagas em instituições de ensino superior privadas ou públicas para negros, pardos e indígenas com o intuito de promover inclusão dessa minoria que até então estava pouco presente no meio acadêmico. Sancionada em 2012, a lei de reserva de vagas, de n° 12.711/12 garante 50% das vagas disponíveis nas entidades de ensino do país. 

Um exemplo desse processo de inclusão é a Adriana Martins, formada em Direito através de bolsa integral pelo Programa de Universidade para Todos (ProUni).  A advogada enfatiza as mudanças que a graduação provocou em sua estrutura familiar. “Sou a primeira geração da minha família materna a ter um diploma de graduação e ao mesmo tempo que isso me enche de orgulho, isso me entristece, pois meus antepassados não tiveram sequer a possibilidade de escolha.  Não lhes deram oportunidades. E a falta de oportunidade nos marginaliza. Porque a gente não consegue ter mobilidade social”, analisa a especialista em direito civil que acredita que não conseguiria ingressar na faculdade sem o uso da ação afirmativa.

De acordo com o Programa Nacional de Pesquisas Contínuas por Amostra de Domicílios (PCAD) da Fundação IBGE feita em 2017, após a adoção do sistema de cotas nas universidades 9,3 % da população negra concluiu o ensino superior. Antes dessa medida ser adotada, apenas 2,22% de pessoas negras haviam se formado.

A pesquisadora de relações étnico-raciais Gleicy Souza argumenta a importância da existência da ação afirmativa no ingresso de jovens pretos em universidades do país. “Com todo histórico de desigualdade racial no nosso país, é de suma importância a existência da ação afirmativa. As oportunidades de acesso são negadas à população preta e os fatores socioeconômicos só agravam a dificuldade de permanência de pretos e pretas na academia, informa a psicóloga que obtive o diploma de psicologia com o auxílio das cotas. Gleicy pontua que as cotas são uma oportunidade para os negros diante de tanta desigualdade, mas que se faz necessário a criação de mecanismos que garantam a permanência dessa população nas faculdades, tendo em vista que durante a vivência da graduação as difuldades permanecem. 

TEMA POLÊMICO
Sérgio de Nascimento Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares,  afirmou em uma publicação de uma rede social que o sistema de cotas raciais passará por mudanças em 2022. A entidade da qual ele é titular é vinculada à Secretaria da Cultura e ao Ministério do Turismo criada em 1988 com a finalidade de promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira.

“Cotas devem ser sociais, não raciais. Para que esta mudança ocorra será fundamental o apoio dos negros. Cotas para pobres, de qualquer tom de pele. Não somos incapazes. Queremos Justiça, não racialismo!”, disse Camargo. Em resposta ao questionamento de um dos seguidores, Sérgio admite que as cotas raciais foram implementadas com o intuito de fazer uma “reparação histórica”, mas também enfatizou que “não existe culpa coletiva”, desprezando todos os malefícios que a escravidão provocou ao acesso à educação da população negra.

Para a residente em Serviço Social Laíza Guinancio, de 25 anos, não ocorreram políticas públicas e sociais para manter essa população que se encontrava "livre" após a abolição da escravatura. Diante disso, ficaram à margem da sociedade, sem assistência, e isso se refletiu aos longos dos anos em diversas áreas, inclusive, na educação. “As ações afirmativas são medidas de tentar ‘equilibrar’ esse grande abismo, essa dívida que sabemos que nunca será paga em sua totalidade, mas que, de alguma forma, precisam existir para que não fique tão discrepante”, disse. A desigualdade social entre brancos e negros/pardos é alarmante. Mesmo compondo mais de 50% da população, apenas 40,3%  concluíram, no mínimo, o ensino médio. Já pessoas brancas tem maior percentual com 55% conforme dados da Pnad Contínua do IBGE.

HISTÓRICO DAS COTAS NO PAÍS
A Conferência Mundial Contra o Racismo, que ocorreu em Durban, África do Sul, foi um dos principais fatores que fizeram com que o debate sobre o progresso na paridade racial fosse estimulado.  Além disso, o evento que ocorreu no início dos anos 2000, possibilitou que políticas de inclusão e diversidade fossem efetivadas mais tarde no Brasil.

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em meados dos anos 2000, foi a pioneira em criar um sistema de cotas em vestibulares para cursos de graduação por meio da lei nº 4151/03 que foi sancionada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro  (ALERJ). A lei estabelecia reservas das vagas do processo seletivo para alunos oriundos de rede pública de ensino e negros.

A partir da experiência da UERJ, outras instituições como a Universidade de Brasília (UnB) implementaram o uso das políticas de ações afirmativas para promover acesso à formação acadêmica. Contudo, a política de cotas raciais não é oriunda do país. Durante o período das lutas pelos direitos civis, em meados da década de 1960, as ações afirmativas também foram implementadas nos Estados Unidos. O intuito das cotas raciais por lá era diminuir a discriminação social, advinda da diferença de pigmentação da pele e dos combates entre o norte e sul do país.

PROBLEMAS DAS AÇÕES AFIRMATIVAS
Um dos principais problemas quanto ao uso indevido das cotas raciais é o seu uso indevido por pessoas que não deveriam ser beneficiadas pela lei de incentivo. A realização de bancas de avaliação ainda é um assunto muito sensível e polêmico devido a toda miscigenação de etnias que existe no país, mas a sua ausência acaba possibilitando recorrentes fraudes no uso das ações afirmativas e prejudicando gravemente a pessoas que realmente precisam delas.
A estudante Beatriz Cristina, de 19 anos, entende que não tem o direito de ao uso das cotas raciais mesmo sendo negra, pois estudou por um longo período em uma rede de ensino privada. A vestibulanda, que pretende cursar medicina, acredita que a utilização dessas políticas possa promover mudanças estruturais na sociedade.

“Apesar de ser uma mulher preta e não utilizar as cotas, eu entendo a importância e apoio a existência delas enquanto existir desigualdades. Não existe meritocracia e são necessárias as cotas sim para que os povos pretos e indígenas possam ter oportunidades que nunca tiveram antes. Acredito que esse seja o maior medo das pessoas; que as minorias tenham os mesmos direitos que os privilegiados”, completa.

Escândalos em relação a fraudes no sistema de cotas são recorrentes. No dia 13 de julho, a Universidade de São Paulo expulsou um estudante por ter feito a utilização inadequada da ação afirmativa. Em nota, a universidade informou que "não foi possível constatar a conformidade de suas características fenotípicas com a autodeclaração de PPI". Além desse caso na USP, a Universidade de Brasília (Unb) também registou situação parecida. Desde  2017, estudantes ligados ao Movimento Negro da instituição fazem denúnicias de fraudes no sistema de cotas raciais e ainda sugerem a organização de uma banca para avaliação presencial composta por pessoas ligadas ao movimento de forma que casos como esses sejam minimizados.

 
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