Lab Dicas Jornalismo Publicidade 728x90
11/07/2020 às 00h00min - Atualizada em 11/07/2020 às 00h00min

Mulheres cineastas: a luta por um espaço na indústria cinematográfica brasileira

Dados mostram que as mulheres são minoria nas produções audiovisuais nacionais, mas, o que isto representa na prática?

Letícia Gouveia Veras - Revisado por Renata Rodrigues
A Hora da Estrela, de Suzana Amaral (1985). Foto: divulgação.
O cinema brasileiro teve seu início no ano de 1897. Desde então, houve uma transformação e expansão do cinema nacional, mas, mesmo no século XXI, as mulheres são minoria nas produções cinematográficas e em todo o cenário audiovisual.

Dados da pesquisa sobre Participação Feminina na Produção Audiovisual Brasileira, realizada pela Agência Nacional do Cinema (Ancine), evidenciam que a direção exclusivamente feminina representa 22% de todos os filmes lançados em 2018, maior porcentagem comparada aos dados de 2014 a 2018, mas, ainda assim, representa um número muito baixo.

Na direção de produções audiovisuais, elas representam 20% do segmento, já as roteiristas, são 25%. O menor número é de diretoras de fotografia, que representam apenas 12% de mulheres na categoria. Nas equipes de produção executiva elas são 41%, e na direção de arte 57% – que tem um número até que positivo, já que representa mais que a metade da equipe sendo feminina. Todos os dados são referentes ao ano de 2018.

Segundo Bruna Avi, formada em Cinema e Produção Audiovisual, há um apagamento das mulheres na história do cinema, tanto nacional quanto internacional. “Desde o começo da história do cinema as mulheres não são creditadas e são excluídas desse ambiente artístico pelo preconceito de gênero. Elas participavam das produções como roteiristas e editoras, mas não eram creditadas ou, comumente, usavam pseudônimos.”

O reconhecimento e visibilidade dos cineastas homens e o apagamento das cineastas mulheres nessa área se dá, segundo Bruna, ao preconceito de gênero e ao patriarcado. “Desde o cinema inaugural, a representatividade feminina foi quase nula em termos de participação creditada, pelo grande preconceito patriarcal dentro do pensamento de que o lugar da mulher não é ali, e sim executando tarefas domésticas”, pensamento que ainda se consolida até mesmo nos dias de hoje.
 

O feminino ao longo da história do cinema nacional


















A primeira mulher a dirigir um longa-metragem foi Cléo de Verberena, nome artístico de Jacira Martins Silveira. A paulistana produziu e atuou em O Mistério do Dominó (1931).

Outro nome de destaque na indústria cinematográfica é de Suzana Amaral, que começou sua carreira no cinema no fim da década de 60, depois de já ter tido seus oito filhos. Um de seus principais longas-metragens é a adaptação do livro A Hora da Estrela (1985) de Clarisse Lispector.

A primeira mulher negra a dirigir um longa-metragem foi Adélia Sampaio, com Amor Maldito (1984), além de outros documentários que contam com sua direção.

Por volta dos anos 70, Ana Carolina Teixeira Soares usou de suas obras para questionar o papel da mulher dentro da sociedade na trilogia Mar de Rosas (1977), Das Tripas Coração (1982) e Sonho de Valsa (1987), além de outras obras que traziam essas e outras questões. Nesta mesma época, pode-se destacar também as cineastas Tereza Trautman e Lúcia Murat, que traziam visões críticas para suas produções.

Dentro do movimento do Cinema Novo, importante marco na produção nacional, Helena Solberg é uma das representantes femininas. No Cinema Marginal, pode-se destacar a figura de Helena Ignez. Tata Amaral, uma das mais importantes realizadoras do cinema nacional, já dirigiu curtas, longas, e minisséries nacionais, sendo muito premiada no Brasil e no mundo. Anna Muylaert, outro nome importantíssimo, dirigiu o longa estrelado por Regina Casé, Que Horas Ela Volta? (2015).

O cinema nacional possuiu muitos outros nomes de mulheres incríveis que se destacam no cenário audiovisual, mas, como diz Bruna de Souza: “Existe muito material produzido por mulheres na internet, mas as pessoas não pesquisam, não procuram, não vão atrás. Antes de estudar cinema, eu provavelmente tinha visto meia dúzia de filmes dirigidos por mulheres, porque ainda existe muita burocracia e preconceito na divulgação dentro da área comercial do cinema, por isso é que se deve pesquisar, porque a informação não vai chegar até nós.”

Em uma entrevista para o canal Trip TV, Carolina Jabor, diretora do filme Aos Teus Olhos (2017), evidencia sua indignação quando as notícias sobre seus filmes seguem referenciando-a com o nome do seu pai e seu marido. “Todas as matérias da minha vida, quase todas, até no Boa Sorte quando eu já tinha 15, 20 anos de carreira, tinha a chamada, o título era bom, aí vinha embaixo: filha de Jabor, casada com Guel. Sacanagem, né? Poxa, a pessoa tá a 15 anos trabalhando pra caramba, é mulher, acabou de fazer o primeiro filme, por que que a chamada embaixo tem que ser isso?” Os homens, como estão mais facilmente inseridos neste meio, produzem mais, possuem mais reconhecimento e visibilidade midiática, contra as barreiras que as mulheres encontram no percurso para produzir.
 

Mulheres e a intersecção de raça e sexualidade



Se a representatividade feminina no audiovisual já é apagada, a representatividade feminina negra ou LGBTQI+ é ainda mais difícil. “Eu sou muito privilegiada de poder trabalhar com equipes que são majoritariamente compostas por mulheres, mas se, por exemplo, fizermos um recorte de raça, ainda fica muito visível o quanto falta representatividade dessas minorias dentro da produção cinematográfica” relata Bruna.

E é isto que Everlane Moraes sente na pele. Mulher, negra e cineasta, ela afirma que as mulheres negras possuem mais dificuldades dentro desta área, pois, além do machismo, existe também o racismo. “É um meio extremamente elitista e machista, tem uma marcação de gênero muito grande no cinema desde seu surgimento, e é muito difícil romper estas estruturas cinematográficas porque é uma indústria, rola muito dinheiro [...]”.

Segundo ela, existem muitas dificuldades para adentrar num espaço que, por muito tempo, foi dominado por homens brancos. “Primeiro, a gente tem, historicamente, os homens brancos fazendo atividades relacionadas ao cinema, depois mulheres brancas, depois homens negros, depois mulheres negras”.

“Eu me considero mais uma negra jovem que está tentando romper estes espaços, romper esta bolha e se expressar. Mais do que uma cineasta, uma artista em si e uma cidadã que tem o direito de se expressar. Ainda somos muito poucas em relação à quantidade de negros no Brasil, deveríamos ser a maioria, não deveríamos estar discutindo estes poucos espaços” relata a nordestina, cujo um dos filmes dirigidos foi o documentário Pattaki, premiado internacionalmente.

As plataformas online



Hoje em dia, com os avanços tecnológicos, as produções audiovisuais podem ser acessadas com mais facilidade pelas plataformas online, tanto pagas quanto gratuitas, que permitem uma divulgação e disseminação dos conteúdos produzidos por mulheres de forma mais rápida e acessível aos públicos.

Porém, como observou Everlane, estas plataformas, por mais que ajudem, ainda precisam de certa atenção, pois, há uma grande quantidade de pessoas no Brasil que não tem acesso à internet. “Eu acho que é uma plataforma muito importante, de alguma maneira, contribui para que os filmes cheguem em lugares onde não chegaria muito fácil, onde não tem cinema, não tem mostras, enfim, de alguma maneira, contribui sim para que algumas pessoas possam ver estes filmes e possam se apaixonar pelas imagens, se apaixonar pelo cinema, e começar a fazer seus filmes, é incontestável essa dimensão. Mas, ao mesmo tempo, a gente tem que entender que essas coisas não chegam em todos os lugares, porque nem todos os lugares tem luz, imagina internet”.  

Representatividade

É extremamente importante a representatividade das mulheres e de outras minorias neste meio. É necessário que elas ocupem estes espaços para que mais pessoas possam se enxergar fazendo parte dele. Isto gera uma onda de inspiração para produções autorais mais diversificadas, que lutam por um espaço nesta indústria cinematográfica de maioria masculina.

Para Everlane “é sempre importante equilibrar isto, ter homens, ter mulheres brancas, mulheres negras, homens negros, indígenas, nordestinos, toda a comunidade LGBTQI+, ter todo o tipo de pessoa se expressando, o importante é ter pessoas diversas. É importante que todos possam ser expressar, independente se vão representar ou não uma comunidade, e que o cinema e as artes sejam para todos. É importante que tenha cada vez mais essa diversidade neste meio”.

Uma importante ação para uma maior visibilidade do cinema feminino, para a cineasta, é a produção de mais filmes, uma busca por políticas públicas de incentivo à cultura, lutar politicamente pelos espaços, produzir, buscar apoios e conexões e promover debates sobre deste lugar a ser conquistado, como cidadão e como artista.

Além disso, a especialista Bruna Avi, sugere pesquisar e apoiar o trabalho feminino: “Sem representatividade a gente não se enxerga, eu procuro sempre pesquisar sobre os filmes que são dirigidos por mulheres, procuro ver os trabalhos que minhas colegas da área produzem, e divulga-las. Se você conhece alguma cineasta, ajude a divulgar o trabalho dela, veja os seus filmes, procure em listas de filmes dirigidos por mulheres, veja filmes dirigidos por mulheres dentro das plataformas digitais, isso, de alguma maneira, mesma que lenta, ajuda a desfazer esse nó patriarcal e preconceituoso que nos tira do nosso lugar de pertencimento”.



 
Link
Notícias Relacionadas »
Comentários »