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15/07/2020 às 13h10min - Atualizada em 15/07/2020 às 13h08min

Um retrato do assédio sexual e moral no ambiente de trabalho

Mulheres relatam seus casos e estendem a mão às outras vítimas

André Pontes - Revisado por Renata Rodrigues
Reprodução / klingsup via Freepik
Que é difícil ser mulher em uma sociedade que ainda está enraizada pelo machismo típico, nós já sabíamos. Mas ser mulher no mercado de trabalho é uma tarefa quase dobrada já que elas têm que lidar com os preconceitos e com comentários desnecessários. “Nossa, está de TPM?” e “por que é tão sensível?, são expressões que muitas profissionais já ouviram durante a vida profissional. Esses comentários podem ser ainda piores porém, por medo e insegurança, a denúncia constantemente é deixada de lado.

Assédio é um assunto tão importante, que o cinema americano lançou um filme em 2020 chamado “O Escândalo”, que inclusive foi indicado ao Oscar no mesmo ano. A produção em questão, retrata o assédio em um canal de TV. Além deste, outros títulos famosos que abordaram a temática são “Não Mexa com Ela”, "O Diabo Veste Prada” e “A Proposta”. Alguns com toque humorístico, outros com tom mais sério, todos tem um esteriótipo em comum: um chefe que abusa do poder e um subordinado que acata tudo calado. 

O assédio sexual e moral é uma temática que vem ganhando espaço nas mídias nos últimos anos. Em 2017, um movimento chamado "MeToo" ganhou força em Hollywood após a atriz Alissa Milano falar em suas redes sociais sobre o assunto. Ela incentivou que as pessoas a não se calassem e expusessem seus assediadores. O movimento gerou tanta comoção que foi muito além de Hollywood, se espalhando por todo o mundo. Mesmo com a repercussão do movimento, ainda é um grande tabu e as vítimas sofrem com o bloqueio de falar sobre.


Reprodução/ BBC News

“Não tinha o conhecimento e confesso ainda que me culpava, como se eu fosse apenas uma pessoa chata que não gostava de tais brincadeiras”, afirma Bruna Marsans, 29, fotógrafa e designer de interiores. A não transparência do assunto muitas vezes resulta no desconhecimento total ou provoca culpa sobre os próprios atos.

Priscila Silva, 24, auxiliar administrativa, relata que já possuia conhecimento sobre o que era assédio. Já Jenifer Queiroz, 26, balconista, diz que só se deu conta da situação quando de fato aconteceu com ela. “Acho que quando é com a gente, que entendemos o quanto isso significa de fato. Isso nos faz questionar sobre nossa postura e até nos culpar”.

Segundo a advogada Jaqueline Prestes, primeiro é necessário entender o que é assédio e quem o prática. “O assédio sexual está previsto no artigo 216 – A, do Código Penal, caracterizado pela conduta do agente em constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual. Essa tipificação penal ocorre no ambiente de trabalho, ou em decorrência deste, pois, o agente deve ser superior hierárquico da vítima”. Mesmo tendo esse princípio como uma definição, ela enfatiza que o assédio “pode existir mesmo com a ausência de subordinação. Ou seja, pode ser praticado por qualquer outro colaborador da empresa”.

Os números de denúncias aumentam a cada ano. Segundo a sede do Ministério Público do Trabalho (MPT), de Campinas, São Paulo, os números de denúncias de assédio no ambiente de trabalho cresceram no ano de 2019. Foi considerado um aumento de 9,8% comparado ao ano de 2018. De 721 denúncias, saltou para 792. Além disso, os números revelam que houve uma diminuição de 12,8% das queixas, se comparado ao ano de 2017, que somavam 827. O órgão representa 599 municípios do estado de São Paulo. Segundo ainda o MPT, as empresas de Telemarketing e Indústrias são das que mais recebem denúncias.

O jornal Folha Dirigida revela em uma pesquisa de 2020, feita pela diretoria da CATHO, site de busca de empregos, que o incômodo começa ainda do processo seletivo. Cerca de 39% das mulheres afirmam que se sentem impactadas com questionamentos desnecessários, contra 18% dos homens. Os números apresentados mostram uma realidade vivida pelas mulheres antes mesmo de entrarem no mercado de trabalho.

O ambiente de trabalho é o local em que a perseguição têm início, podendo se estender para fora da empresa. É exatamente através das brincadeiras ou elogios com segundas intenções, que o assédio acontece e a vítima pode começar a identificar situações diferentes. “Na primeira vez, fui identificando que ele tinha algumas brincadeiras diferentes que fazia comigo e não com outras pessoas, como me chamar de linda ou amor, mais tarde essas brincadeiras começaram a entrar em um nível mais baixo me deixando completamente constrangida, como me presentear com uma roupa íntima”, conta Priscila.

Para Bruna, essa barreira foi ultrapassada no processo seletivo. “Logo que fiz a entrevista com o dono da empresa, eu já saí de lá contratada. De início pensei que ele havia gostado muito do meu currículo, o que foi um grande engano meu, pois assim que cheguei já comecei a perceber as brincadeiras de cunho sexual para cima de mim”, revela.  Em outros casos, o reconhecimento do assédio se torna a saída desse ciclo. "A gente sempre se nega a aceitar o que está acontecendo, acredito que aquilo sempre aconteceu, mas eu por algum motivo não notava”, comenta Jenifer.

 

Reprodução / aleksrybalko via Freepik

Cada vítima identifica os atos dos assediadores de uma maneira diferente. A advogada Jaqueline Prestes afirma que existem várias formas de cometer os assédios. “O assédio pode ser caracterizado, inclusive, pela conduta do assediador em perseguir a vítima, em intimidá-la, humilhá-la, constrangê-la, perturbá-la. Além de poder ser praticado também por mensagem, e-mails, expressões físicas ou gestos obscenos".

O nível de intimidamento das vítimas pode aumentar quando, através do diálogo, buscam encontrar uma solução e os assediadores se sentem 'invadidos' e até 'ofendidos', retornando a culpa. Como decisão, muitas vezes, a sobrecarga de trabalho cai sobre a pessoa assediada. “Ele dizia que entendia a situação, mas ele ficava bravo e para me castigar, ele me fazia trabalhar o dobro ou não tirava dúvidas. Deixava tudo para eu resolver”, explica Priscila.

Devido ao poder que um superior tem em decorrência de seu cargo é muito comum nesse cenário ocorrer ameaças principalmente com a ''fala sobre a demissão''. O empregado se sente constrangido com os comentários feitos e ao mesmo tempo com a sensação de medo em bater de frente e perder seu emprego. ''
ele me chamava na sala dele para fazer tal pergunta "você sabia que você é gostosa né?". Outro dia ele ameaçou me mandar embora se não saísse com ele”. Relata Bruna. A finalização do assédio muitas vezes só ocorre com a denúncia feita e o afastamento da empresa.

A especialista e advogada explica quais são as consequências previstas em lei para o assediador, e mostra como provar perante a justiça o ato cometido. Ela faz uma orietação também sobre em como fazer a denúncia:
  • A pena prevista no código penal é de 1 a 2 anos de detenção, podendo ser aumentada se a vítima for menor de 18 anos.

  • O assediador pode sofrer reprimenda do empregador, com a dispensa por justa causa, além do empregador ser responsabilizado pela indenização da vítima.
  • O assédio sexual pode ser comprovado por todos os meios de prova em direito admitidos. As provas mais comuns são: testemunhas, mensagens, e-mails, filmagem, gravações entre os interlocutores, entre outros.

Para a denúnciar, "é importante que a vítima de assédio procure um advogado para a propositura de medida judicial, contudo, ela pode procurar uma delegacia de polícia e registrar a ocorrência do assédio, bem como realizar uma denúncia no Ministério do Trabalho. A vítima pode também requerer junto a Justiça do Trabalho a rescisão indireta do seu contrato, com pedido de indenização por dano moral em face do empregador", conta Jaqueline. 

A recomendação é que as pessoas que passem por isso não tenham medo de falar sobre o assunto. Não se calem! É preciso compreender que as pessoas assediadas não estão sozinhas. “Se respeite, se escute e principalmente entenda que não sua é sua culpa. Nunca tenha medo de denunciar! Assédio é algo muito sério”, diz Bruna. 

 

Referências:

G1.GLOBO. Denúncias contra assédio moral no trabalho voltam a crescer na região do MPT em Campinas. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/campinas-regiao/noticia/2020/01/18/denuncias-contra-assedio-moral-no-trabalho-voltam-a-crescer-na-regiao-do-mpt-em-campinas.ghtml. Acesso em: 8 jul. 2020

FOLHADIRIGIA. Mais de 40% das mulheres sofrem assédio moral nas empresas. Disponível em: https://folhadirigida.com.br/empregos/empregos/mais-de-43-das-mulheres-sofrem-assedio-moral-nas-empresas. Acesso em: 8 jul. 2020


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