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10/07/2020 às 16h59min - Atualizada em 10/07/2020 às 15h54min

Tabus sobre menstruação dificultam o acesso à informações sobre saúde íntima feminina

Cercada de tabus e preconceitos, a menstruação é um tema ainda pouco discutido

Ana Thereza Amaral - Editado por Letícia Agata
Fonte: a Naturalíssima

É comum que até ao falar diretamente sobre o assunto, utilizamos eufemismos para substituir a palavra menstruação, pois acaba sendo visto como algo constrangedor, ou até nojento, inclusive entre pessoas que menstruam. Mas de onde vem todo esse tabu? Por que até hoje nos são negadas informações básicas sobre algo natural do nosso organismo? 

 

Os tabus em torno da menstruação não são recentes. Em citações muito antigas, como a Bíblia, o Alcorão e a primeira enciclopédia latina, a menstruação é tratada como algo impuro. Há quem diga que as pessoas tinham medo do sangue menstrual, outros acreditam que ele é um sangue sujo, que o corpo está eliminando como se fosse uma impureza. Já para o historiador Robert S. McElvaine, todo esse preconceito é devido à inveja que o homem sente da mulher, já que a menstruação está diretamente ligada com a capacidade de reprodução, de poder gerar outra vida, o que ele chamou de Síndrome Não-Menstrual (SNM). Independente da origem, essas ideias preconceituosas ainda persistem na sociedade moderna.

 

Em países menos desenvolvidos ou conservadores, mal se fala em menstruação. Como consequência, grande parte das mulheres não têm acesso a absorventes higiênicos, tendo que recorrer, normalmente, a pedaços de tecido (como nossas avós usavam: o “paninho” da menstruação). Porém, em algumas situações mais extremas, como no Quênia, mulheres usam alguns artifícios mais precários durante a menstruação, como folhas, pedaços de jornal, pedaços de colchão, argila, dentre outros materiais que podem ser extremamente prejudiciais à saúde íntima.

 

Apesar de parecer absurdo, essa realidade não está muito distante de nós: mesmo num país como o nosso que está “em processo de desenvolvimento”, existem diversas mulheres em situação de rua que não têm acesso às condições sanitárias básicas, não têm onde tomar banho ou um banheiro onde possam fazer suas necessidades, muito menos acesso fácil aos absorventes higiênicos. Os poucos absorventes que conseguem são por meio de doações, normalmente feitas por ONGs.

Mesmo assim, nem sempre são suficientes, já que o período menstrual normalmente dura de 3 dias a uma semana e algumas pessoas têm o fluxo muito intenso, de modo que precisam estar constantemente trocando o absorvente. Em decorrência disso, assim como no Quênia, muitas dessas mulheres utilizam objetos improvisados (miolo de pão, rolhas, meias, plásticos), que tem grande chance de causar infecções. Essa condição vem sido chamada de “pobreza menstrual”.

 

Para combater o problema da pobreza menstrual, estão surgindo iniciativas que propõem dar acesso gratuito de absorventes a mulheres de baixa renda. Em junho de 2020 foi aprovado um projeto de lei, no Rio de Janeiro, que inclui absorventes descartáveis (como também fraldas descartáveis infantis e geriátricas) na cesta básica. Em março de 2020, a deputada Tábata Amaral (PDT-SP) apresentou um projeto de lei que propunha a distribuição de absorventes em departamentos e instituições federais, similar ao plano aprovado pelo governo da Escócia, que tornará o país o pioneiro na distribuição gratuita de absorventes para todas as mulheres.

Além disso, há ainda projetos de lei que propõem a isenção de impostos para esses produtos. Todas essas resoluções visam proporcionar dignidade às mulheres em situação de vulnerabilidade e que não possuem condições de comprar esses produtos sanitários de extrema necessidade.

 

Em 2018, a Netflix produziu um documentário chamado Absorvendo o Tabu, que venceu o Oscar na categoria de melhor documentário curta-metragem, no qual são retratadas diversas mulheres moradoras de uma região rural da Índia, que começam a fabricar e vender absorventes higiênicos de baixo custo, a fim de ampliar o acesso às mulheres de baixa renda e conseguirem sua independência financeira. Ao longo do documentário são mostradas as dificuldades que mulheres indianas de baixa renda sofrem por causa da menstruação e os tabus que a cercam: menos de 10% das mulheres na Índia têm acesso a absorventes higiênicos, o que faz com que muitas delas tenham que usar panos, geralmente não muito bem higienizados.

Uma das mulheres do documentário conta que na sua adolescência teve que largar os estudos por causa do seu fluxo menstrual ser muito intenso. Ela tinha que, frequentemente, trocar de roupa e não tinha como fazer isso perto da escola. Essa história se repete na vida de uma em cada cinco mulheres indianas. Durante a menstruação, elas também são proibidas de entrar nos templos e de rezar para algum deus, por serem consideradas impuras nesse período.

 


Trailer do documentário "Absorvendo o Tabu".
 

Absorventes descartáveis são mesmo a melhor opção?

 

Apesar de parecerem mais higiênicos, os absorventes podem não ser a opção mais saudável para o organismo humano. Por serem industrializados, contém uma enorme quantidade de produtos químicos que, em contato com a nossa pele, são absorvidos e se espalham por todo o nosso organismo, através da corrente sanguínea. Entre os principais produtos químicos presentes nos absorventes, estão os componentes do plástico, como o BPA e o BPS, a Dioxina, que é gerada pelo cloro usado para deixar o algodão dos absorventes branco, agrotóxicos usados no algodão (que é a principal matéria prima dos absorventes), neutralizadores de odor, perfumes, poliéster, polietileno, entre muitos outros.

Além disso, também não são a melhor opção para o meio ambiente, devido ao tempo que demoram para se decompor e à grande quantidade em que são descartados. Uma mulher usa, em média, mais de 10 mil absorventes em toda a sua vida menstrual e cada um deles leva cerca de 100 anos para se decompor, se for externo, e aproximadamente um ano, se for interno.

 

Essa enorme quantidade de químicos é responsável por problemas de saúde como reações alérgicas, disrupção hormonal, problemas imunológicos, cânceres, infertilidade, etc. Além disso, por ser composto majoritariamente por plástico, durante o seu uso a região íntima fica impossibilitada de transpirar, o que ocasiona um aquecimento da área e, consequentemente, o acúmulo de umidade do sangue e do suor, que é favorável ao desenvolvimento de fungos e microorganismos nocivos, incluindo a candidíase, que é muito comum entre as mulheres.  Ainda, como decorrência do contato com os microorganismos e produtos químicos do absorvente, o sangue entra em processo de decomposição, o que gera o mau odor no sangue dos absorventes.

 

Já no caso dos absorventes internos, além de serem considerados um tanto invasivos por algumas pessoas, há o risco do desenvolvimento de um problema grave, chamado Síndrome do Choque Tóxico. Devido ao período de algumas horas que o sangue fica acumulado dentro do nosso organismo, o ambiente se torna propício à proliferação de uma bactéria chamada S. aureus. Essa infecção, apesar de rara, pode ocasionar à morte. Por isso, o absorvente interno deve ser trocado de 4 em 4 horas, podendo ficar por, no máximo, 6 horas no corpo.

 

Uma pesquisa realizada através do Formulários Google com 76 pessoas que menstruam, mostra que 67 delas fazem o uso de absorventes descartáveis e apenas 49 estavam cientes que os absorventes descartáveis podem ser nocivos à saúde, como podemos ver no gráfico abaixo:

 

Mas então existe alguma alternativa menos prejudicial?

 

Sim! E para quem não abre mão dos descartáveis, existem os absorventes orgânicos, que são muito similares, sendo também descartáveis (tendo opções de absorventes internos e externos), porém sem a grande quantidade de aditivos químicos, sendo que alguns são feitos sem plásticos. A desvantagem é que ainda não existe nenhuma marca nacional que o produza, ou seja, quem quiser comprá-los vai precisar importar. 
 

Também existe uma alternativa bem similar, porém mais ecológica: os absorventes externos reutilizáveis, feitos com tecidos absorventes e respiráveis, pensando na saúde íntima de quem os usa. Hoje em dia é cada vez mais fácil encontrá-los, pois algumas marcas grandes e diversas marcas independentes brasileiras produzem e vendem tanto online, quanto em algumas lojas físicas. Seguindo esse mesmo princípio, também existem as calcinhas absorventes, que também são reutilizáveis e proporcionam um maior conforto.


Já para quem prefere os internos, seja pelo conforto ou pela liberdade de poder ir à praia ou piscina sem preocupações, podem optar por usar os coletores menstruais: são um tipo de “copinho” de silicone medicinal, ou seja, sem químicos prejudiciais ao organismo. Eles são reutilizáveis e devem ser retirados de 8 em 8 horas para a higienização. Um único coletor pode durar, em média, 5 anos, se bem conservado. Podem ser comprados em lojas online, com revendedoras, ou em algumas farmácias.
 

Mas por que essas alternativas são tão pouco conhecidas?

 

Dentre as pessoas que responderam a pesquisa, enquanto todas conheciam os métodos tradicionais descartáveis, apenas 26% conhecem os absorventes orgânicos, 71% conhecem os absorventes reutilizáveis, 83% conhecem as calcinhas absorventes e 93% já conheciam o coletor menstrual.

 

As marcas de absorventes descartáveis já são demasiadamente consolidadas no mercado, tanto que em qualquer farmácia, supermercado, loja de conveniência, você os encontra. Também são vistos corriqueiramente em propagandas de marcas na televisão, em revistas, panfletos etc. Essa consolidação se deu ao fato da grande praticidade do seu uso e a ideia de higiene que é vendida: o absorvente recolhe seu sangue, você o joga no lixo e coloca um novo e limpo e, após um tempo, repete todo o processo. E como as pessoas têm nojo do sangue menstrual e não querem ter esse contato por crerem ser algo sujo, optam por esse método, que de certo modo é mais prático, principalmente na rotina agitada dos tempos atuais.

 

Outro fator que assusta as pessoas quando cogitam comprar esses métodos alternativos é o custo. Um coletor menstrual, por exemplo, custa em média 80 reais, enquanto um pacote de absorventes descartáveis com 8 unidades custa por volta de 5 reais. Porém, deve-se levar em consideração o investimento e o tempo de duração. Uma mulher usa, ao menos, 2 pacotes de absorventes por ciclo, o que totaliza 10 reais ao mês e 120 reais ao ano. Utilizando um mesmo coletor menstrual por 5 anos você terá gasto apenas 80 reais, ao invés de 600, o que acaba se tornando uma economia a longo prazo.

 

Entretanto deve-se levar em consideração que pessoas com renda baixa, não terão acesso fácil a esses métodos. Se a pobreza menstrual já afeta quem usa os descartáveis, que são mais populares e de mais fácil acesso, o quadro se agrava ao tratarmos dessas alternativas, pois se tratam de investimentos financeiros mais altos, fora que alguns desses itens são mais comumente encontrados na internet, que não alcança grande parcela da população mais pobre em diversos lugares no mundo.
 

Mulheres se relacionando com seus ciclos

 

Um outro problema que afeta a saúde menstrual das mulheres é o mal relacionamento com o ciclo. Nojo, vergonha e falta de conhecimento sobre o próprio corpo estão presentes nas vidas de diversas mulheres ao redor do mundo. Uma das mulheres que responderam ao questionário chegou a contar que já chegou a ficar os dias do período sem sair de casa, por medo de o absorvente vazar o sangue menstrual e o constrangimento que isso iria lhe causar, pois, mesmo estando no século XXI, o sangue menstrual ainda não foi naturalizado socialmente.

 

As alterações de humor e dores, que até certo ponto são comuns, também influenciam nesse relacionamento com o próprio organismo, uma vez que causam desconforto. Além disso, inúmeras doenças podem estar relacionadas diretamente com a menstruação e com a natureza do sistema reprodutivo feminino, como endometriose, síndrome dos ovários policísticos, transtorno disfórico pré menstrual, entre outras, acometem uma grande porcentagem de mulheres. Como consequência, exigirá um tratamento médico, normalmente hormonal, que acaba gerando um grande estresse durante o período menstrual, tornando-o tão indesejado.

 

Entre os relatos de diversas mulheres que responderam à pesquisa acerca da maneira com que se relacionam com seus ciclos, uma jovem de apenas 17 anos, que preferiu não ser identificada, contou:
 

“A minha relação com a minha menstruação é a mais traumática possível. Meu ciclo é completamente desregulado. Estar menstruada ataca a minha ansiedade e quando não estou, também é motivo de preocupação, porque eu nunca sei quando vem (...)”.

 

Com o crescimento e a popularização do Ecofeminismo, que propaga os conhecimentos sobre o Sagrado Feminino (filosofia que proporciona à mulher uma compreensão a respeito da sua conexão com a natureza e o entendimento dos ciclos de seu organismo), cada vez mais as mulheres vêm normalizando a menstruação. Ainda há muito caminho pela frente, mas hoje podemos ver muitas mulheres adotando a menstruação como forma de empoderamento. Algumas mulheres que responderam à pesquisa chegaram a relatar que durante a menstruação se sentem fortes, livres, e ressignificam esse período, assim como passam a se autoconhecer aumentando o contato com seus corpos.

 

“Ao contrário de muitas mulheres, me sinto bem. É um momento mais intenso na vida na mulher, a minha sensação é que durante o período eu me sinto mais profundamente. É com o se o período me levasse a me recolher e olhar com mais intensidade para meu eu. Como que se eu sentisse mais carinho, mais amor por mim mesma. Agradeço por esse período", relata Selma Amaral, de 46 anos.

 

Ainda há muito o que se debater sobre todas as questões que envolvem a menstruação tanto no espectro da saúde, quanto no cultural, para difundir informações corretas para pessoas das mais diversas classes sociais e em todo o mundo. Para isso, paradigmas necessitam ser desconstruídos para dar voz a todas as pessoas que menstruam e falarmos livremente desse assunto, de todos os pontos de vista e situações possíveis.

 

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