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16/07/2020 às 21h00min - Atualizada em 16/07/2020 às 21h00min

Frida Kahlo: de comunista revolucionária a ícone pop

A imagem e história da ativista foi apropriada pelo capitalismo e com o passar do tempo ela ficou conhecida por estampas de camiseta

Ingrid Andrade - Revisado por Renata Rodrigues
Obra de Frida Kahlo, "As duas Fridas" (1939), está exposta em Museu de Arte Moderno de México.

A artista revolucionária Frida Kahlo, completaria 113 anos no dia 6 de julho deste ano. Ela teve sua história marcada por lutas constantes, tragédias e de perseverança. Em 2003, um filme biográfico de sua história foi lançado. “Frida” teve direção de Julie Taymor e foi protagonizado pela atriz Salma Hayek. A inspiração para o longa veio do livroFrida: A Biography of Frida Kahlo”, de Hayden Herrera. No século XXI, o que vemos é uma massificação de sua imagem: estampas em camisetas, pôsteres, canecas, bolsas, chaveiros. Um ícone pop. Uma ação aparentemente inofensiva que tira o foco da sua trajetória de vida.

Para entender as problemáticas apontadas da sua tranformação de sua imagem, é preciso entender sua história política e como suas ideologias marcaram a época, como uma pessoa a frente de seu tempo.

A própria artista se considerava a "filha da revolução", dizia a todos que nascera em 1910, três anos depois se seu nascimento, isso porque foi o inicio da Revolução Mexicana. Na adolescência, em 1922, ao entrar na Escola Nacional Preparatória, Frida faz parte do Los Cachuchas, um coletivo de afeição socialista. E é em 1928 que a mexicana se integra ao Partido Comunista Mexicano, onde defendia o direito dos trabalhadores.

Kahlo era vista pela sociedade com rebeldia contra a feminilidade imposta às mulheres, como explica Eli Bartra,
"Ora se apresentou andrógina, ora pintou cenas de parto, abortos, assassinatos de mulheres, coisa que não se expunha até então". Como mostra a pintura, "Autoretrato com Cabelo Cortado", após seu divórcio vom Riviera, onde aparece de cabelo rapado e terno, com as tranças longas - que seu então ex-marido tanto gostava - em suas mãos.

A forma como ela espôs sua bisssexualidade foi algo que marcou, falava abertamente sobre seu amor por mulheres e a vivência de sua sexualidade. Seu caso com a cantora mexicana Chavela Vargas é o mais lembrado.

 

As dores de Frida

 

Magdalena Carmen Frida Kahlo y Calderón, nascida dia 6 de julho de 1907, na vila Coyoacán, no México. Aos seis anos, Frida contraiu poliomielite, deixando uma sequela em seu pé. Mais tarde, aos 18, sofreu um acidente de ônibus no qual precisou lutar contra a dor durante toda a sua vida. Passou por mais de 30 cirurgias e um longo período no hospital.

 

Foi quando começou a desenhar, como distração. “Para que preciso de pés quando tenho asas para voar?” dizia. Impossibilitada de se levantar, seu pai construiu um apoio para o cavalete e instalou um espelho no teto, para seus famosos auto-retratos. A sua primeira pintura foi “Autorretrato em um Vestido de Veludo”.

 


Retrato de Frida Kahlo pintando enquanto estava acamada, em 1951. Foto: Reprodução/Google Art & Culture.


As suas obras são carregadas de sentimento. Muitas de dor, outras de parecer revolucionário. Desde marcas de sua luta no comunismo até retratos de amor, tristeza e perda. Cada uma de suas pinturas é uma peça do quebra-cabeça das partes que a constitui.
 

Seu sonho de ser mãe não foi concretizado, pois em seu acidente sofrido na juventude houve uma perfuração que atingiu a barriga e vagina, a causa de três abortos espontâneos sofridos futuramente. Toda essa frustração foi retratada em suas obras. Em “Hospital Henry Ford”, Frida conta sobre a perda de seu segundo filho. As pinturas que retratam as perdas de seus filhos podem ser considerandos os mais sofridos e marcantes de sua carreira.

 

Na esfera do amor não foi diferente. Aos 22 anos, casou-se com o artista e político Diego Rivera. Foram morar na 'Casa Azul', onde nasceu. Frida teve um casamento conturbado, com muitas traições do marido – inclusive com sua irmã, Cristina, com quem Diego teve um filho. Uma das descobertas que mais machucou a artista. Entre indas e vindas do relacionamento, viveram a maior parte do casamento em casas separadas. Mas eram vizinhos e as casas eram interligadas por uma ponte.
 

  

Deficiência apagada

 

Frida era uma mulher com deficiência locomotiva e nunca escondeu isso. Ela mostra isso em diversas de suas pinturas em que está sentada em uma cadeira de rodas. Entretanto, segundo a ativista contra o capacitismo Mariana Torquato, as artes atuais insistem em apagar que Frida era uma pessoa com deficiência (PCD).

Obra de Frida Kahlo, "Autorretrato com Dr. Juan Farril" (1951), exposta na galeria Arvil, na Cidade do México.

 

Analisando as recriações de sua imagem nas camisetas, percebemos que nunca é mostrado Frida Kahlo como realmente era, em seu corpo, com sua deficiência. Há estampas suas em que está de shorts, a perna com uma pele lisa e sem manchas, cintura curvilínea e andando de bicicleta. Quase nunca a vemos sentada em uma cadeira de rodas. Talvez por uma imagem que não mostre sua deficiência seja mais 'vendível no mercado'.
 

Diante de todos os preconceitos, o capacitismo, chega por último, não sendo nem conhecido o seu significado pela maioria das pessoas. Segundo a militante das causas PCD Julia Aquino, “capacitismo é o preconceito voltado para as pessoas com deficiência, [...] atua de diversas formas em nossas vidas, diretamente ou indiretamente, de forma explícita ou não explícita". Relacionado à Frida, ela comenta que é evidente quando não se fala de sua lesão modular e como a deficiência fez parte de sua história como artista.
 

Isso está relacionado com o que é faturamento para o capitalismo. Esse sistema econômico entende que qualquer coisa pode ser vendida, mesmo que, para isso, seja necessário moldar sua verdade e tirar seus conceitos. O mercado não se importa de tirar Frida de sua existência como mulher deficiente para projetar um empoderamento vazio, se for para agradar a massa. O que reforça o capacistismo da sociedade em tirar de pessoas com deficiência a capacidade de exercer atividades, não enxegam seu potencial de criar coisas incríveis.

  
Essa representatividade, por sua vez, é importante, como relata Julia: "mesmo com todos os pagamentos de sua deficiência, é possível que nós enquanto pessoas com deficiência e principalmente mulher com deficiência, peguemos ela e tudo que ela fez na história da arte e tudo que ela foi em sua vida inteira e falamos: 1Olha bem a Frida, veja a vida dela... Incrível não é? Pois é, ela era assim como eu, uma mulher com deficiência e é incrível como qualquer outra mulher sem deficiência!''


Esvaziamento ideológico

 

A massificação não é vista como totalmente errada. Leonardo de Oliveira, do canal Mimimidias, defende que “apesar de criar uma certa descontextualização e gerar certo esvaziamento ideológico, não deixa de aumentar seu alcance e, consequentemente, a potência de tais ícones”. O argumento visa buscar o lado bom: se seu rosto está estampado, ela está sendo vista e se é vista, a capacidade de replicação dos seus pensamentos é expandida.

 

Nas redes soiais, algumas pessoas reivindicaram sobre a imagem de Frida ser vendida de forma deturpada. Eles não aceitam que sua história rodeadas de lutas revolucionárias, seja apagada, mesmo que em razão de sua propagação em larga escala.

 



Reprodução / Twitter



Reprodução / Twitter

 

Frida Kahlo sofre apagamentos por sua essência não ser comercialmente vendável: a sua deficiência. Por conta do capacitismo e sua ideologia comunista, caso fosse reconhecida por sua história, perderia o valor de mercado. 

Para a famílila, "Frida Kahlo não é um produto ou uma marca. Frida Kahlo não é uma boneca", disse a fotógrafa Cristina Kahlo, sobrinha-neta da artista, em entrevista à Reuters.  "Para nós, é importante manter a imagem de Frida Kahlo como a pintora que ela era".


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