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11/07/2020 às 11h10min - Atualizada em 18/07/2020 às 10h48min

As mortes pararam de importar?

O país ultrapassa a marca de dois milhões de infectados um mês após alcançar o primeiro milhão

Laisa Gama - Revisado por Renata Rodrigues
Foto: Thom Bradley / Reprodução: Shopify Burst

Desde que foi divulgada no país a chegada da covid-19, no dia 26 de fevereiro, houve uma corrida na tentativa instintiva de prevenção. Filas se formaram nos supermercados, álcool em gel e máscaras, principais produtos aliados a proteção individual, foram sumindo das prateleiras com tanta facilidade que foi preciso limitar a quantidade que cada pessoa poderia comprar. 

A marca de um milhão de infectados notificados por coronavírus foi ultrapassada no dia 19 de junho. Embora tenhamos demorado pouco mais de três meses para atingir esse número, no início de julho a quantidade de infectados no país era 1,5 milhão e os mortos passavam dos 60 mil, de acordo com os dados do consórcio de veículos de imprensa formado pela Folha de S. Paulo, O GLOBO, UOL, Estadão, G1 e Extra.

Mesmo com um altos índices de contaminados, aparentemente a população tem ignorado os dados sobre o coronavírus e ignorado a quarentena necessária para diminuir a curva de contaminação. Em todo o país, a média de adesão do isolamento social, em 8 de julho, era 38,8%, de acordo aos dados publicados pela In Loco, embora  os especialistas digam que  o mínimo necessário seria de 70%.

Quando o número de óbitos ultrapassa os 80 mil e os infectados  os 2 milhões, porque é que as medidas sanitárias recomendadas pelos profissionais da saúde parecem ter perdido a eficiência? Quando o medo da contaminação acabou? Para entender melhor a situação, o Lab Dicas falou com alguns profissionais e a respeito do assunto. 

Quais as possíveis causas?

Após o primeiro susto com a chegada do coronavírus no país, menos de dois meses depois, as taxas de isolamento ao redor dos Estados começaram a cair. De acordo com os dados fornecidos pela In Loco, a maior taxa de isolamento geral do Brasil aconteceu no dia 22 de março, sendo de 62,2%, e a partir dessa data foram diminuindo até chegar no ponto em que no dia 8 de julho tenham caído para 38, 8%. Paralelamente a isso, o número de mortes aumenta a cada dia.

​Em Salvador, no dia 5 de julho, uma movimentação no bairro do IAPI, na comunidade do Brongo, chamou atenção. O paredão lotou as ruas de pessoas bebendo e dançando, sem a utilização de máscaras . A festa durou até a manhã de segunda (6). O prefeito ACM  Neto,durante a requalificação da Praça Marechal Deodoro, do Comércio, lamentou as festas que tem ocorrido na cidade e a falta de empatia com que as pessoas que frequentam as aglomerações tiveram com o resto da população.

Porque cada vez mais vemos notícias de festas e pessoas indo contra o isolamento social, mesmo que os números de mortes aumentam todos os dias?

A psicóloga cognitivo comportamental e neuropsicopedagoga, Pâmela Nogueira, fala que a resposta para isso pode ser multifatorial, podendo-se relacionar tanto fatores individuais como sociais. “Há pessoas que estão em negação, com dificuldade de aderência aos cuidados coletivos e não reconhecem a importância de se resguardar, pois a situação de pandemia não é algo concreto, como outras situações de crise e catástrofes. Portanto, só passa a fazer parte da realidade do indivíduo quando ele é infectado ou ocorre com pessoas próximas”, explica. 

Associado a isso, ela completa que, em um momento conturbado politicamente como o de hoje em dia, as informações falsas que são tão presentes no cotidiano encontram na falta de empatia e da ignorância social, através descumprimento de seus deveres como cidadão por motivos injustificáveis, uma forma de se propagar em larga escala.

Os exemplos de quem influencia

 

 


[Print do stories de Lydi Siqueira/ Reprodução Instagram]

A designer de interiores e influencer, Lydi Siqueira, de Feira de Santana, viralizou na internet após postar vídeos na internet falando sobre a festa promovida em sua casa no dia 6 de julho. Assim que surgiram as primeiras críticas ao comportamento,  Lydi  foi em sua rede social onde os vídeos da festa haviam publicados, rebater os comentários: “A vida é minha, o risco é meu. E você não foi convidado para minha festa.” Até aquela data, o número total de infectados em Feira de Santana era de 4.134 casos, tendo como 67 o número de mortos, de acordo com dados divulgados pela Secretaria Municipal de Saúde.

Pâmela atenta ainda  para a  questão da negação de muitos da doença, de que eles não têm uma noção da gravidade da situação. “Quando estas pessoas têm uma grande visibilidade na mídia, seja por meio da política ou seja da classe artística, qual será o impacto disso no meio social?”, reflete. A psicóloga explica que ao associar a imagem de uma figura admirada e que apresenta uma representatividade ao indivíduo com um discurso atraente que mostra uma preocupação com interesses que vão de encontro com as aflições que o indivíduo vivencia, é exercida um grande poder de influência no pensar e interpretar de situações.

Assim que o Presidente Jair Bolsonaro começou a defender a volta à normalidade anterior ao vírus, e até mesmo a utilização da Cloroquina, medicamento que não tem a comprovação de melhora do quadro médico, em pronunciamento em rede nacional no dia 8 de abril, encontramos diversos comentários de pessoas concordando com suas falas e elogiando o seu trabalho

                                                                           

     

                                                                                                                                                                                
[Reprodução: Twitter]

              


A normalidade da quebra do isolamento 

Maria*, estudante de odontologia em Salvador, divide casa com sua mãe, seu pai e uma irmã. Toda sexta-feira ela vai a casa de seu namorado. No início da quarentena, em março, ela passou por uma pequena crise em seu relacionamento por conta que ela e seu namorado tinham opiniões diferentes a respeito do isolamento, o que fez com que além de ir até a casa do namorado, tenha saído com ele duas vezes para outros locais. “O meu ponto de vista é que todos devemos ficar em casa, sair só para o necessário afinal é o que evita o contágio. Já o ponto de vista dele (o que eu não concordo) é o isolamento vertical. Foi muito difícil entrar em um consenso.”

Ela conta que nunca passou por sua cabeça ficar afastada do seu namorado. Desde o início de tudo, eles adotaram essa maneira de se ver semanalmente. “A gente sempre foi muito grudado para tudo, então essa ideia de ficarmos separamos não passou na minha cabeça e nem na dele.”  A única coisa com que tem receio é o fato de seu namorado não ter sido dispensado do trabalho.

A psicóloga fala que essa questão do distanciamento social quebrou a rotina individual das pessoas, causando impactos emocionais variados, podendo  serem acompanhados por frustração, tédio e solidão, mesmo tendo convívio com familiares e uso de redes sociais. “A busca de alívio e diminuição de tais sentimentos e sensações podem levar ao descumprimento das recomendações de saúde e de distanciamento.”

“Creio que é essencial para evitar a contaminação, e a propagação do vírus. Porém, não cumpro com o isolamento”. É o que diz Daniel Estrela, 21, de Capela do Alto Alegre. Ele trabalha com reposição de mercadorias e é atendente em uma padaria na cidade. Em seu expediente, sempre tem o cuidado de lavar as mãos quando em contato com clientes. Porém, em seus finais de semana, costuma sair com amigos sem utilização de nenhuma forma de se proteger. Nunca considerou evitar o contato com os outros.

Pâmela ainda diz sobre a necessidade de ser realista tendo em vista o cenário atual. “Sabemos que muitas pessoas passam por dificuldades extremas neste momento. Negar a seriedade e complexidade do que estamos vivenciando não ajuda em nada a superar tudo isso”, explica. “O distanciamento social deve ser um esforço consciente para reduzir o contato e aumentar a distância física entre as pessoas, a fim de diminuir a velocidade do contágio, é uma questão de senso comunitário, de altruísmo, de proteção de todos, algo que vai além de nós mesmos”.


As semelhanças com o passado

Está longe de ser a primeira vez em que o país e o mundo se encontram em estado caótico atribuído por meio de doenças que foram descredibilizadas pela população e governantes. A exemplo disso, temos a gripe espanhola, pandemia datada no início do século XX.

O historiador Eric Moura, formado pela Estácio de Sá e mestrando pela UFRPE em Patrimônio Cultural do Recife antigo, nos explica o cenário anterior e como se dava as impressões que a sociedade tinha. Em 1918, o Influenza começou a ser disseminado pelo mundo em um cenário pós Primeira Guerra Mundial, no qual os países estavam enfrentando a fome e problemas econômicos.

“Como historiador, é preciso ter cuidado para não cometer anacronismos, pois a história não se repete, há semelhanças. Não tínhamos acesso a essa quantidade de informações e tecnologia de hoje em dia", alerta Eric ao comentar a semelhança das atitudes da sociedade dos períodos.

A gripe espanhola, chegou ao país a partir de Recife, Salvador e Rio de Janeiro. Em geral, houve um descrédito do perigo que ela poderia causar, vindo da sociedade e da imprensa que era dividida entre os veículos que noticiavam a doença e os que mantinham um ponto de vista mais neutro.  Além disso havia uma incompetência do governo do presidente Rodrigo Alvez em agilizar as medidas para conter o avanço da doença agindo com um certo desdém em relação às mortes que estavam cada vez mais se alastrando pelo país pela doença que foi apelidada de “La Dansarina”. 

Atualmente, em um dos seus primeiros pronunciamentos a respeito do coronavírus, em 25 de Março, Bolsonaro, de maneira similar a Alves, tratou a covid-19 como uma gripe comum. Segundo ele,  não havia necessidade de alarme da forma que os jornais tentavam passar, já que a manifestação mais preocupante era pessoas acima dos 60 anos. 


*Nome fictício alterado a pedido da fonte.

Fonte utilizada: BRITO, Nara Azevedo de. " La dansarina: A gripe espanhola e o cotidiano na cidade do Rio de Janeiro. In: Hist. cienc. saude-Manguinhos vol.4 no.1 Rio de Janeiro Mar./June 1997. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-59701997000100002&script=sci_arttext. Acesso em: 08 jul. 2020


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