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15/07/2020 às 11h36min - Atualizada em 15/07/2020 às 11h37min

Automedicação aumenta em 200% durante isolamento social no Brasil

Um mau hábito comum entre os brasileiros, tem um aumento durante a pandemia do novo corona vírus e volta a ser tema de debate entre os especialistas

Mariana Couto - Editado por Alan Magno
Conselho Federal de Farmácia; Conselho Nacional de Saúde; ICTQ - Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação para o Mercado Farmacêutico
Com a ameaça do vírus do novo coronavirus, ainda sem tratamento ou vacina, a prática da automedicação aumentou em 200% durante o isolamento social no Brasil, de acordo com o Conselho Federal de Farmácia (CFF). Ainda que os esforços de muitos cientistas e pesquisadores se intensifiquem dia após dia para encontrar uma forma de combate e também de prevenção. Uma das justificativas para esse aumento, de acordo com especialistas, é o medo diante da nova doença.

A automedição é o processo no qual um indivíduo decide fazer uso de medicamentos sem a orientação de um profissional da saúde. Um mau hábito comum entre 77% da população brasileira. Uma pesquisa feita pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), aponta que quase metade dos brasileiros, índice de cerca de 47% se automedicam uma vez por mês e que 25% fazem isso todo dia ou uma vez por semana. As mulheres são as que mais fazem uso de medicamentos sem prescrição médica, representando 53% das ocorrências. A maior influência vem de pessoas próximas, como familiares e amigos, sendo responsável por 25% dos casos.

A prática é perigosa e envolve efeitos colaterais que podem ser prejudiciais a saúde do indivíduo, como intoxicação, reações alérgicas, dependência e até levar a óbito. Os medicamentos identificados como os mais utilizados pelos brasileiros são analgésicos, antitérmicos, antibióticos e relaxantes musculares. A prática da automedicação está entre as principais causas de intoxicação no país.


A farmacêutica Paula Gomes conta que existem inúmeros medicamentos livres de prescrição, o que facilita o acesso de qualquer pessoa a esses remédios, porém por mais que estes medicamentos possam ser adquiridos sem receita não significa que eles não apresentam riscos. “Todos os medicamentos apresentam contraindicações e podem causar reações adversas. (...) Além de uma reação não desejada, a automedicação pode levar ao agravamento de outras doenças, uma vez que o medicamento que está sendo utilizado pode estar mascarando os sintomas”, afirma.


Além do fácil acesso a determinados tipos de remédios, existe outro ponto que é parte do problema da automedicação, o atendimento clínico adequado. Uma pessoa que tem condições pode pagar por um plano de saúde ou por uma consulta particular e sempre que precisar, será atendida. Mas infelizmente essa não é a realidade de boa parte da população brasileira, que depende do Sistema Único de Saúde (SUS) e em algumas situações essas pessoas precisam ir até outra cidade para conseguir uma consulta.

Mariane Siqueira, moradora da cidade de São Pedro da Aldeia na região dos lagos do Rio de Janeiro, relata que por vezes compra remédio sem prescrição médica por não conseguir um atendimento pelo SUS ou por não poder pagar por uma consulta. “Eu tinha que voltar no médico a cada três meses para pegar uma [receita]. Sem condições pagar consulta várias vezes ao ano. Para marcar uma consulta na UBS aqui do bairro tem que madrugar na fila ou esperar muito tempo para ter um médico especializado para o problema”, relatou. Mariane contou ainda que depois de um tempo, as farmácias da região passaram a vender o medicamento pra ela sem precisar apresentar a receita atualizada. 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que, até 2050, 10 milhões de pessoas poderão morrer a cada ano no mundo devido a enfermidades mais resistentes a medicamentos. Isso porque a prática da automedicação pode aumentar as chances de um diagnóstico errado de doenças ou deixar algumas enfermidades resistentes ao tratamento. No Brasil, 60% das doenças infecciosas já se tornaram resistentes a medicamentos, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

“O que diferencia o remédio do veneno, é a dose. A administração de uma dose incorreta pode levar à intoxicação e consequentemente a morte. Existem alguns medicamentos com a janela terapêutica bastante estreita, isso significa uma pequena diferença entre as concentrações terapêuticas e tóxicas ao organismo. Nesses casos, há a necessidade de monitorização da dose, dos efeitos clínicos e mesmo das concentrações sanguíneas destes fármacos, com o objetivo de garantir a eficácia sem toxicidade”, explicou Paula Gomes.

CLOROQUINA

Alguns medicamentos que já foram usados para tratamento de outras doenças, como a malária, começaram a ser testados em pacientes infectados pelo COVID-19 e internados em estado grave. Inicialmente os resultados foram positivos, mas depois de determinado período o uso desses medicamentos trouxe um agravamento no quadro clínico dos pacientes testados. Dentre tantos estudos e testes, um medicamento ganhou maior evidência entre a população após boatos percorrem a internet de que seria 'a cura para o coronavírus’. A medicação hidroxocloroquina se mostrou mais segura e com efeitos colaterais menores do que outros medicamentos nos testes realizados.

Perguntamos a Paula Gomes se uma pessoa saudável que decide se automedicar, com a ideia de que está se prevenindo contra a nova doença, pode estar prejudicando sua própria saúde. A farmacêutica pontuou que não existe nenhuma comprovação científica de qualquer medicamento contra o coronavírus ou que seja capaz de prenivir a Covid-19. "Uma pessoa saudável fazendo uso de medicamentos sem qualquer comprovação científica de que quando utilizado em humanos apresenta benefícios que possam prevenir a infecção pela doença, pode estar sim prejudicando sua saúde, uma vez que não há benefício para esta finalidade específica e ela continua exposta as reações adversas e contraindicações do medicamento”, explica. 

O remédio que funciona como imunomodulador, ou seja, que fornece aumento da resposta imune contra certos tipos de microrganismos, é utilizado em pessoas diagnosticadas com lúpus, artrite reumatoide e malária. Em pacientes que testaram positivo para Covid-19, a hidroxocloroquina controla a infecção e impede que o vírus se reproduza no organismo. A eficácia do remédio não é comprovada, em parte da população isso gera uma esperança, mas para outros ainda há muito que ser debatido e estudado. Enquanto alguns testes indicam a melhora dos pacientes, outros casos apontam que o uso da medicação não fez diferença no tratamento. 

"Não há estudos suficientes que comprovam a eficácia clínica da Cloroquina ou Hidroxicloroquina para Covid-19. (...) In vitro os estudos mostraram que a Hidroxicloroquina é capaz de alterar o PH intracelular prejudicando a replicação do vírus. Porém não há estudos até o momento com relação a dose correta, posologia correta e tempo de tratamento eficaz contra a COVID-19. O que torna o uso indiscriminado do medicamento preocupante", explica Paula. Ela faz um alerta importante para os efeitos colaterais desse medicamento, sendo eles: alterações cardiovasculares e neurológicas, dor de cabeça, fadiga, coceira, queda de cabelo, entre outros. O surgimento de vermelhidões, bolhas e vergões com pus também é possível. As alterações no sistema cardiovascular aumentam ainda as chances de um ataque cardíaco.

Daiana Tostes, funcionária de uma farmácia na cidade de Cabo Frio (RJ) há 10 anos, conta que a maioria dos clientes já tinham o hábito de comprar remédios sem receita médica e agora durante a pandemia essa procura cresceu. Ela afirma que o estabelecimento em que trabalha não indica o uso dos remédios usados para testes em pessoas com coronavírus por saberem que há risco. “Por conta da pesquisa dos medicamentos que estão fazendo o tratamento da COVID-19, como azitromina, dexametasona, cloroquina, ivermectina e annita. A procura aumentou ainda mais, e pior, sem receita e realmente saber a verdade sobre o tratamento. ”, relata Daiana.


Desde 1999, o dia 5 de maio é marcado pela ‘Campanha Nacional pelo Uso Racional de Medicamentos’. A data foi criada para oferecer conscientização e alertar a população sobre os riscos à saúde causados pela automedicação. O presidente do Conselho Federal de Farmácia (CFF), Walter Jorge João, alerta que algumas orientações são fundamentais para o uso responsável de medicamentos. Uma delas é nunca usar medicamentos por conta própria, nem mesmo os de venda livre de prescrição. “O que foi bom para o seu vizinho, pode não ser bom para você".
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