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17/07/2020 às 19h17min - Atualizada em 17/07/2020 às 19h09min

O Iluminado e a subversão da linguagem cinematográfica do gênero terror

Porquê o autor do livro não gostou da adaptação

Bárbara Adelle Dalamaria - Editado por Letícia Agata
Frame do filme de 1980
O escritor americano, carinhosamente apelidado por seus fãs de “Rei do Terror”, Stephen King, no auge de seus 72 anos, coleciona mais de 50 adaptações de suas obras (livros e contos) para as telas de cinema em formato de filmes ou minisséries. Porém, nem todos os longas-metragens fizeram sucesso. Muitos deles, inclusive, são classificados como pertencentes ao gênero trash de filmes de horror.

Esse gênero é caracterizado por ser constituído de filmes de baixo orçamento, geralmente abordando temas ligados à ficção científica e terror (tudo isso regado a sangue falso, slime e névoa de gelo seco), além do conceito de objetos assassinos. Um bom exemplo desse conceito é a adaptação cinematográfica do conto Trucks. de Stephen King, que conta a história de uma frota de caminhões possuídos por entidades malignas, que tentam destruir tudo e todos que surgem em sua frente.

Curiosamente, a única adaptação cinematográfica de um livro de King, que se consagrou nas telas e no imaginário coletivo de várias gerações após seu lançamento, foi a que não seguiu à risca a história original. The Shining (1980), dirigido por Stanley Kubrick e protagonizado por Jack Nicholson, apresenta uma subversão da linguagem audiovisual proposta, tanto pelo livro quanto pelo gênero terror/suspense.

No livro, como em tantos outros de Stephen King, o “mau” é representado por uma entidade maligna. No caso de “O Iluminado”, essa entidade se autoproclama “O Gerente”. Já no filme, o “mau” é um instrumento muito mais humano. Em Jack Torrance, não era nenhum espírito demoníaco, era apenas loucura somada ao alcoolismo e a um histórico de violência doméstica (tanto na infância, quanto adulto, período em que passou a reproduzir o comportamento de seu pai), além do fracasso no último emprego e da constatação de que havia se tornado um fracasso em todos os aspectos de sua vida.

A premissa das duas obras é a mesma: um pai de família, desempregado, consegue trabalho como zelador de um hotel nas montanhas durante os meses de inverno, onde ficará isolado com sua esposa, Wendy (Shelley Duvall) e seu filho de cinco anos, Danny (Danny Lloyd). Porém, a forma como o enredo é construído em cada obra a partir disso, muda completamente. Stephen King é fascinado por possessão e criaturas do “além”. Isso se repete em várias histórias dele, como em It – a Coisa, e acaba se tornando o centro de suas narrativas, deixando um pouco de lado o aspecto psicológico e emocional dos personagens.

Tal aspecto é valorizado no filme de Kubrick. O diretor usa e abusa dos planos gerais com o uso de lentes grande angular para reforçar os sentimentos de solidão, pequenez e impotência da família, que se encontra isolada em um hotel enorme e quase sem comunicação com o restante do mundo, subvertendo a linguagem audiovisual do gênero, cujos filmes possuem planos mais próximos, a fim de não deixar o público ver o que está à espreita.
 

Imagem: Reprodução/ Internet.
Outro recurso que estava se popularizando na época era o steadycam (estabilizador de câmera), que permite à pessoa que está filmando movimentação livre pelo local de filmagem, sem dar o efeito tremido de câmera na mão. Como exemplifica o especialista em Cinema, Fábio Rockenbach:
 
“Kubrick tem uma relação estreita com o desenvolvimento tecnológico no cinema. Inovou nos efeitos visuais em 2001 (1968), usou câmeras desenvolvidas pela NASA com lentes especiais para poder iluminar Barry Lyndon apenas com a luz de velas e popularizou o steadycam em ‘O Iluminado’. Mas não foi uma invenção dele ou para o filme. O steadycam existe desde a metade dos anos 70, mas em ‘O Iluminado’, o Kubrick fez um fez um uso narrativo dele que também ajuda na imersão do ambiente. O cenário é um elemento muito importante no filme. Kubrick transforma a locação, ampliando a sensação de labirinto e solidão. Usa espelhos para comentar visualmente o gradual enlouquecimento do personagem e o surgimento de uma ‘dupla’ personalidade. É um filme que depende demais da escolha de lentes e da locação para funcionar da maneira como funciona”.

Outro ponto positivo do filme é a construção do suspense e o uso de trilha sonora com sons ambientes para complementar a sensação de estranheza ao assistir, como na cena em que Danny Torrance anda pelos corredores do Hotel Overlook apenas com som ambiente e a câmera o acompanhando em cada volta do que mais parece um labirinto. Kubrick não apela muito para jump scares nesse filme, o que seria um recurso preguiçoso, considerando a construção narrativa até então.

Todo o elenco ficou muito estressado, devido aos meses de gravação e ao perfeccionismo exacerbado do diretor, que é bem conhecido no meio cinematográfico. Apesar de tudo, o filme é lembrado até hoje e muitos o consideram um clássico. O único que não ficou nada satisfeito com o produto final foi Stephen King, que criticou a construção dos personagens no longa-metragem e a escalação do protagonista que, parafraseando King, já parecia um doido desde o início. O livro ganhou uma adaptação mais fiel à obra original em 1997, no formato de minissérie, dirigido por Mick Garris.

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