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17/07/2020 às 23h36min - Atualizada em 17/07/2020 às 23h16min

De Basílica, à Museu e Mesquita em Istambul: Hagia Sophia e impasses na Turquia

Primeiras orações muçulmanas devem começar na próxima semana

Lays Bento - Editado por Camilla Soares
Update or Die
Museu desde 1934 e considerado Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco a partir de 1985, Hagia Sophia (ou “sagrada sabedoria”, em Grego), conforme decisão do Conselho de Estado turco na sexta (10), será reconvertido à mesquita. Mas, afinal, qual o impacto da decisão que despertou até pronunciamento do Papa Francisco e como isso toca na adesão da Turquia à União Europeia? 


Governo, laicidade e adesão à União Europeia

Há quase 18 anos no poder, Erdogan, atual presidente do país, emitiu oficialmente o decreto acordado pelo Conselho do Estado turco. Conselho este “um poder nem judiciário, nem executivo. Ou seja, uma decisão de Estado e não de governo, o que é mais grave e um claro retrocesso”, explica o sociólogo, analista internacional e engajado com questões do Oriente Médio e Palestina, Lejeune Mirhan. 

Lejeune menciona que, com a recente decisão de revogar o museu de Hagia Sophia à mesquita, é possível perceber “um passo atrás na laicidade do local”, já que Erdogan, na verdade, é também líder do AKP, Partido da Justiça e Desenvolvimento, grupo este que defende uma islamização moderada da Turquia. 

De fato, dados da mais recente pesquisa conduzida pela Sabancı University, em 2006, 98,3% dos turcos na época já eram muçulmanos.

A Turquia fica entre a Ásia e Europa. A cidade de Istambul, sendo assim, é a única no mundo localizada em dois continentes.

O novo status de Hagia Sophia levanta uma polêmica questão regional: o que gira em torno de não aceitarem a Turquia na União Europeia?

Para Leujene, apesar do inegável desejo do país em adentrar a união econômica e política, isso dificilmente ocorrerá. "A Turquia é o país mais ocidentalizado da Ásia. Mas, ao meu ver, a Europa dificilmente aceitará algum dia a Turquia. Há um preconceito na Europa contra os turcos e turcas; é outra etnia e religião, apesar de toda a ocidentalização que ocorreu na Turquia. Diga-se, aliás, que essa ocidentalização implicou até no abandono na forma de escrever! De siríaca para a forma latina de escrever".

Preconceito este, que segundo o sociólogo, está presente pelo mundo. “Na Europa tem crescido muito a presença de muçulmanos e a religião islâmica. Isso é visto com preconceito por grande partes dos europeus ainda. Coisa que os judeus sofreram a vida inteira com preconceito e perseguição, os muçulmanos na Europa, ou melhor, pelo mundo, sentem isso na pele. Seja na hora de pegar um avião, fazer check-in, visto, enfim. A associação do terrorismo internacional com os muçulmanos, e árabes em particular, ainda é muito grande”, desabafa.

Sendo assim, ele adverte que “a decisão tomada pelo Conselho de Estado da Turquia referente à Hagia Sophia não reflete de modo algum a opinião dos muçulmanos de modo geral no mundo”.

Hagia Sophia é uma construção original do século XI.
 

Apesar de permanecer aberta aos visitantes em horários distintos das orações muçulmanas, a decisão ainda divide opiniões no que tange questões como a conservação do ambiente e a restrição nos acessos do público afinal, a conversão de Hagia Sophia em justamente museu na década de 30 sempre esteve embasada na afirmação do fundador da República da Turquia, Mustafa Kemal Atatürk, de “oferecimento à humanidade”.

 

Natanael dos Santos Pires, historiador e diretor do canal Jornada na História comenta que a revogação de tal espaço é inusitada.  "Sobre [Hagia Sophia] voltar ao próprio status de mesquista, eu nunca vi algo assim ocorrendo na História. Até o próprio Papa se manifestou. Convenhamos que era um símbolo antigo do Cristianismo, era uma catedral bizantina", comenta.

 

Com resquícios de uma civilização que por lá viveu há mais de mil anos, é válido questionar o futuro de um dos pontos mais visitados em Istambul, Turquia.  "A História é um grande quebra-cabeças. Nós, historiadores trabalhamos com aquilo que descobrimos e com o que nos é passado por documentos históricos. Sendo assim, restringir as pessoas da História, restringir artefatos, é restringir as pessoas da verdade e, claro, de um possível passado", finaliza Natanael.

 

 

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