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18/07/2020 às 10h43min - Atualizada em 18/07/2020 às 10h43min

A invisibilidade da literatura amazônica

“ Nós somos os matutos, os seringueiros, o que vale é o que vem de fora”

Hellen Lirtêz - Editado por Bruna Araújo
GIACOMO,Fred.“todo lugar é centro”: Pistolagem e colonialismo entre alemanha e amazônia.Disponível em: "Todo lugar é Centro": pistolagem e colonialismo entre Amazônia e Alemanha.Acesso em: 07/07/2020


   Maria Cecília Pereira Ugalde, 61, é contista e poetisa, natural do do estado do Amazonas mas, criou-se no Acre, na cidade de Sena Madureira. Começou a escrever logo que dominou as primeiras letras, na época foi sua mãe quem a alfabetizou. Ugalde morava num seringal, neste período de sua vida ela já escrevia suas prosas poéticas mesmo sem dominar os elementos textuais.


          Fonte: Maria Cecília Ugalde (arquivos pessoais. )
  
  Seu primeiro livro, “Retalhos D'alma”, foi lançado no ano de 2016.quando ela cursava Letras. A escolha do nome corresponde a muitas perdas familiares que  teve durante sua vida. Somente em 2019 onze anos depois ela publicou “A outra face da colheita” e “O verso do inverso”.
       Fonte: Maria Cecília Ugalde (arquivos pessoais. )
 
   Ela conta que não havia perspectiva em ser publicada, uma vez que publicar livros eram para pessoas que tinham recursos. Devido a falta de acessibilidade, algumas de suas obras se perderam com o tempo, como ela conta no trecho abaixo:

“ Eu lembro que teve um caderno inteiro de poesia que meus filhos leram até que não restou mais nenhuma página. Ele foi embora, o tempo levou, sem ser publicado. Eu morro de pena desses poemas, porque eles morreram inéditos.”

Segundo ela, não há um mercado consumidor de literatura amazônica, principalmente para as mulheres, pois as obras não são valorizadas. Elas chegam a ser entregues em livrarias mas, não são vendidas. Ugalde concluiu sua fala com a seguinte frase sobre a invisibilidade da literatura Amazônica:

“Nós somos os matutos, os seringueiros, o que vale é o que vem de fora dos outros estados e países. Nós somos acostumados a consumir o do outro e não o que é nosso.”

  Suelen Silva é uma pesquisadora paraense que atualmente mora na Alemanha. Em uma entrevista para a coluna do UOL(ecoa )“todo lugar é centro” ela falou sobre a herança do colonialismo no país que faz com que apenas o Rio de Janeiro e São Paulo sejam vistos como “centros” enquanto a região norte  é correlacionada com “o descobrimento do novo” e o "selvacionismo".

  A amazônia possui uma rica produção literária regionalista que busca expressar a vida através do contato com a floresta e o folclore, entretanto não se restringe apenas a isso. A invisibilidade de autores amazônicos é ainda mais notória quando buscamos referências na educação brasileira. Quantos autores nós lemos durante nossa vivencia escolar? quais nomes são citados como referência e quais não são?

   Existe uma “colonialidade do saber”, ou seja, a produção de conhecimento é historicamente invisibilizada em favor de uma ciência ocidental que foi construída para produzir saberes universais. É preciso “descolonizar o currículo” pois ele é resultado dos esforços teóricos e epistemológicos da colonização de indígenas e negros.

  
Enquanto a educação mantiver-se no eixo colonial, várias obras e nomes amazônicos serão apagados pois, boa parte desses escritores são negros, indígenas e afro-indígenas. Além disso, o Norte ainda é a segunda região com maior déficit na educação e na qualidade de vida. Portanto, não se lê livros de origem amazônica porque as identidades  dessas pessoas são apagadas antes que elas sejam publicadas.



POR RAZÕES DIVERSAS

Minha querida Sena Madureira...
Amo-te por razões diversas
Guardas para mim amigos e amores,
Lembranças vivas de diversas cores
Como o arco-íris das estradas.

Tu és a canção da felicidade
Que na minha mocidade eu cantei
E hoje, quando me vem a solidão, a nostalgia,
Lembro-me dos sonhos que em ti eu embalei.

Ah! Minha Sena Madureira...
Quanto sonho e quanta ilusão!
Quanta vida verdadeira e quanto amor!
Quantos dias a sorrir, quanta paixão!

Guardas o calor dos dias de verão,
As serenatas com sabor de eternidade,
As juras de amor à sombra dos benjamins,
Dois olhos de gato com sorriso de marfim.
Tudo, tudo, minha Sena Madureira...
Tudo tu ainda guardas para mim.


(Poema de Cecília Ugalde sobre sua a cidade onde cresceu no interior do Acre, publicado no livro “o verso do inverso".)

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