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19/07/2020 às 00h18min - Atualizada em 19/07/2020 às 00h09min

O mal da produtividade exagerada no século XXI

A disseminação da cultura da produção atinge mais a vida do brasileiro e não é saudável para a mente

Ingrid Andrade - Revisado por Renata Rodrigues
Foto: Sarah Pflug

O Brasil é o segundo país com mais pessoas com estresse relacionado ao trabalho, segundo pesquisa da International Stress Management Association (ISMA-BR), feita em 2019. A conhecido síndrome de burnout, têm sintomas similares aos da depressão e afeta cerca de 32% da população brasileira. Além disso, o país é campeão quando se trata de transtornos de ansiedade (9,3%) e depressão (5,3%), de acordo com a Organização Mundial de Saúde, a OMS.

 

O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em seu livro “A Sociedade do Cansaço”, aponta respostas para o aumento de doenças psicológicas, conhecidas como ‘as doenças do século’: a sociedade do desempenho. Segundo ele, isso é provocado pelo exagero de positividade, onde seus habitantes são sujeitos de desempenho e produção. Saímos de uma sociedade onde a determinação é a da 'negatividade da proibição', em que predomina-se o não-ter-o-direito e fomos para o ‘sim, nós conseguimos’.

 

As pessoas são mais eficientes quando tem o poder de si do que recebendo ordens. Se tornam mais produtivas de maneira inconsciente, quando não há ruptura no ciclo de produtividade. Com isso, nos tornamos uma geração que repele o tédio profundo, pois ficar sem produzir trás a sensação de inutilidade, o que o filósofo vê com outro olhar.

 

“Quem se entedia no andar e não tolera estar entediado, ficará andando a esmo inquieto, irá se debater ou se afundará nesta ou naquela atividade. Mas quem é tolerante com o tédio, depois de um tempo irá reconhecer que possivelmente é o próprio andar que o entedia. Assim, ele será impulsionado a procurar um movimento totalmente novo”, escreve.

 

Uma outra característica é a multitarefa. Byung-Chul compara essa ação como de animais selvagens, que ao mesmo tempo que comem estão atentos ao redor para um possível ataque. Ele explica que o bom desempenho parte de uma super atenção.

 

A atenção dividida necessita de mudança de focos, o que significa que nunca irá fazer as coisas com um resultado que se espera. A psicóloga Luciana Mochikawa exemplifica que, se a pessoa fizer três tarefas ao mesmo tempo em conjunto, estará com o foco prejudicado, já que nunca será 100% às três, se tratando de apenas um sujeito. Ela afirma que não é impossível, afinal é comum. Porém interfere no produto final.

 

O mal que a nossa sociedade do desempenho trás consigo é a produtividade tóxica, uma pressão intensa durante a vida que nos força, inconscientemente, a fazer mais e mais. Não saber separar lazer de trabalho, pois é preciso estar na ativa, “tempo é dinheiro” é a expressão do século. 

 

A cultura do fazer tudo ao mesmo tempo e fazer coisas úteis o tempo todo passa pela infância e é crescente durante o desenvolvimento. Tirar boas notas em todas as matérias, aprender um novo idioma, criar um projeto de vida irreversível, escolher a faculdade certa antes de completar o ensino médio, terminar a faculdade aos 22 anos e só assim crescer na vida.

 

“Mais tempo, mais produção”?

 

O fenômeno da produtividade já toma conta das redes sociais com o advento de se espelhar em vidas perfeitas há um tempo, mas veio com mais potêncoa após o isolamento social. Com muitas pessoas em casa, houve um aumento da percepção do tempo e como ele deveria ser “gasto”. Cursos online, livros, filmes, aprender um novo hobbie, maratona de lives. E por aí vai. Um febre de ser produtivo o tempo todo.

 

Com o trabalho e estudos em casa, ficou muito difícil para alguns acompanharem aquilo que parecia divertido no meio de uma pandemia, onde alguns não conseguiam nem produzir nem “se divertir”. Em uma pesquisa não oficial feita com 54 pessoas, 62,3% se sentiram mais pressionados durante o isolamento, e 49% passaram a misturar a vida pessoal com as obrigações. 

 

“Com certeza eu me sinto muito mais cansada, estressada e preocupada trabalhando home office, porque como tenho 2 filhas e uma delas tem só 3 anos, ela precisa de atenção o dia todo e isso não é possível! Para realizar o meu trabalho preciso de atenção, foco, silêncio e estando em casa é quase impossível. A gente vai se adaptando aos poucos. No início achei que não ia conseguir, agora depois de 4 meses de isolamento social as coisas melhoraram e a rotina não está tão complicada.”, relata a pedagoga Raquel Otero.

 

A pesquisa revela que poucas pessoas conseguem superar fases de pressão intensas. Ao serem perguntadas como lidam com a questão, a maioria das respostas relataram que extravasam com choro ou que ficam muito mal por um tempo. Algumas dizem passar com tranquilidade, tentando respirar e organizar o tempo. Mas a minoria, apenas duas pessoas, procuram resolver o problema com terapia.

 

Luciana acredita alguns passaram a envolver-se mais tempo do que deveria ao trabalho por medo, mesmo que inconsciente, de perder o emprego, por conta dos números crescentes de desemprego no país. É como se fosse um sistema de defesa, que tende aumentar os níveis de ansiedade e estresse, levando a sobrecarga, um estado de exaustão.

 

Há alguns mecanismos que são indicados para sair desse ciclo. A psicóloga indica que deve haver o tempo estipulado para tudo, criar rotinas e anotar seus avanços do dia é o mais recomendado, deixar o mais parecido com o presencial, definir os horários de acordar, trabalhar ou estudar, e de encerramento. “Se for parar às 18h, então nada a mais que isso”, diz. “É importante separar o espaço, mesmo que no quarto, que seja em uma mesa”, acrescenta.


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