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19/07/2020 às 22h43min - Atualizada em 19/07/2020 às 22h21min

Advogada informa acerca de direitos reprodutivos e esterilização voluntária no Instagram

A profissional compartilha em seu perfil no Instagram informações jurídicas, dicas e sua experiência de vida sobre os procedimentos de esterilização voluntária

Ana Thereza Amaral - Editado por Letícia Agata
Entrevista realizada no dia 18/07/2020
Fonte: Reprodução/Internet

Em 1996 foi sancionada, pelo ex presidente da república, Fernando Henrique Cardoso, a Lei do Planejamento Familiar (Lei 6.263/96), que garante ao cidadão brasileiro o direito de realizar regulações para limitar ou ampliar sua capacidade reprodutiva, possibilitando, tanto ao homem quanto à mulher, o direito de assistência na concepção e contracepção, na prevenção de DSTs e no tratamento de cânceres, localizados nas regiões do sistema reprodutivo, tanto no sistema de saúde público como no privado. Uma das garantias que essa lei dá é a possibilidade de realização de cirurgias de esterilização para pessoas que não desejam ter filhos.

Lei 9.263 de 12 de janeiro de 1996 Art. 10: “Somente é permitida a esterilização voluntária nas seguintes situações:

        I - em homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce;

        II - risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto, testemunhado em relatório escrito e assinado por dois médicos.”

 

Por estarmos situados numa sociedade patriarcal, são impostos, às mulheres, padrões de comportamento e um modelo de vida pré-definido: ao chegar à vida adulta precisa arrumar um marido e saber cuidar da casa para ele, ter filhos e servir à todos no lar. Contudo, nas últimas décadas, o movimento em prol da independência feminina vem ganhando cada vez mais força e libertando cada dia mais mulheres desse padrão.

Como consequência, vem se tornado comum que passem a excluir filhos ou até mesmo o casamento dos seus planos de vida, assim como muitos homens também fazem, de modo que a busca por métodos contraceptivos também ganha força. Mas, por esses métodos não serem 100% eficazes, algumas pessoas que têm a plena certeza de que não querem filhos, optam pelas cirurgias de esterilização, como a laqueadura, por exemplo, que são métodos que têm mais chances de eficácia e definitivos.

 

Ao decidir realizar uma cirurgia de esterilização, são encontradas diversas barreiras, não só burocráticas, mas também sociais, já que a mulher é vista como um objeto reprodutor. Argumentos como o arrependimento pós cirurgia e a suposição de que toda mulher nasce com um “dom” para a maternidade, são comumente utilizados para desmotivar mulheres que desejam realizar a esterilização voluntária. A advogada Patrícia Marxs, também ativista pelos direitos reprodutivos, diariamente luta para disseminar informações jurídicas sobre a realização do procedimento e desmistificar preconceitos que o cercam.

 

Em seu perfil no Instagram, “Laqueadura sem filhos sim”, Patrícia relata sua trajetória e as dificuldades que enfrentou para realizar sua salpingectomia (tipo de cirurgia esterilizadora irreversível, caracterizada pela retirada total das trompas), traz informações sobre os direitos reprodutivos no Brasil e ainda dá dicas de como lidar com a pressão social imposta às mulheres, dentro de uma cultura machista que estimula a maternidade compulsória. Em decorrência disso, ela frequentemente recebe comentários ofensivos e críticas duras de pessoas que não entendem que seu objetivo é apenas informar sobre direitos.



Fonte: arquivo pessoal
 

Em conversa com a advogada, ela conta um pouco sobre os principais desafios que ela e outras mulheres que desejam realizar aesterilização voluntária enfrentam e dá uma visão jurídica do assunto.

 

Ana Thereza: Qual a impressão que as pessoas têm ao saberem que você é ativista pelos direitos reprodutivos?

 

Patrícia: Bom, infelizmente muitos acham que sou “Abortista”. Educação e informação são coisas escassas em nossa conjuntura social e política. Assim, pessoas pensam que realmente é apenas mais uma mulher defendendo o direito de “matar bebês”, sendo que eu nunca citei isso. Sempre deixo bem claro que nossa área de ativismo é no pleno acesso aos métodos contraceptivos. Sempre sou confrontada. Ao dizer que sou ativista, sou precocemente julgada, mas me cabe também dizer a verdade e conscientizar, então explico sempre que possível. Até os entendo, é complicado entender do que se trata quando não se conhece a verdade e a informação responsável. Temos que ser a mudança que queremos no mundo.

 

Ana Thereza: Qual a diferença em defender os direitos reprodutivos e ser childfree? 

 

Patrícia: Bom, eu só sei explicar o primeiro. Até já pertenci ao movimento childfree, mas com o tempo não me identifiquei mais e então percebi que eu não precisava de um rótulo. Percebi que, como mulher e advogada, eu poderia disseminar as informações no Instagram ou pessoalmente a quem precisasse. Poderia fazer minha parte para assim construir uma sociedade igualitária e digna!  Os direitos reprodutivos não compreendem apenas contracepção, mas sim é uma ramificação dele. Temos como o conceito de direitos reprodutivos um conjunto de normas e leis referentes à autonomia de homens e mulheres para decidir se querem ou não ter filhos e o tamanho de sua prole, bem como quando desejam reproduzir.

Portanto é bem vasto. No nosso caso, defendemos o direito de qualquer pessoa reproduzir-se ou não, podendo ela ter sim filhos, ou não tê-los e que, claro, haja sempre dignidade e respeito! Que os seus direitos reprodutivos e direitos constitucionais sejam assegurados!

 

Ana Thereza: Quais são as maiores dificuldades encontradas por pessoas que desejam realizar alguma cirurgia de esterilização?

 

Patrícia: Acredito que por termos uma educação pautada no machismo e na maternidade compulsória, os médicos se negam muito a realizar a cirurgia nas mulheres. Sempre acham que vamos nos arrepender, são os videntes. Acham também que nunca sabemos o que queremos de verdade e que não temos discernimento para decidir. O simples fato de ser mulher é como se já fosse um requisito de falta de discernimento para decidir sobre a maternidade ou não. Porém, a possibilidade do arrependimento não pode ser argumento para o cerceamento do direito reprodutivo de não gerar nem gestar, pois é assegurado pela lei 9263/96.

 

Ana Thereza: Por que essas dificuldades vêm em maior peso para as mulheres? 
 

Patrícia: Acredito que pela sociedade patriarcal, a imposição da maternidade compulsória e pela função social que nós fomos colocadas através do tempo, como as reprodutoras, as responsáveis por perpetuar a espécie. Acredito que também há uma grande força no cristianismo,  o fato que na Bíblia encontramos muitas passagens que corroboram nossa obrigação pela maternidade infelizmente faz com que tudo seja mais difícil para nós.

 

Ana Thereza: Como o machismo contribui para que mulheres que não desejam ter filhos sejam inferiorizadas?

 

Patrícia: Por conta da imposição pela maternidade, bem como a maternidade compulsória, a mulher que não se adequa no rótulo de mãe. Acaba sendo vista como mulher amarga e incompleta. As pessoas não se perguntam se estão prontas para terem filhos, mas questionam o caráter definitivo da decisão tomada por nós, mulheres, que não querem ser mães. Dizem que fazer uma cirurgia de esterilização é muito definitivo, mas nunca vi uma mãe ter um filho esperando que ele dure um tempo determinado. Sempre se quer que ele viva muito, portanto seja definitivo. Assim, fazer uma salpingectomia pode ser definitivo, mas ser mãe também é.

 

Ana Thereza: Na sua decisão de não ter filhos e fazer a cirurgia, quais foram os maiores desafios que você teve que enfrentar até conseguir realizar?

 

Patrícia: Tive muitas recusas médicas. Uma até riu e me chamou de louca. Jamais faria “aquilo” em mim. Outro disse que eu poderia “conhecer um sheik árabe e iria querer engravidar dele” - qual a probabilidade disso acontecer? Não sei! (risos). Um, disse que eu iria me arrepender quando a solidão batesse e eu e meu companheiro iríamos cansar um do outro, então seria necessário uma criança para nos distrair. Todos sempre achavam que sabiam mais da minha vida do que eu mesma, que sabiam das minhas vontades e mais: achavam que além de médicos, eram profetas. Tive a sorte de conhecer minha atual ginecologista, que compadeceu-se da minha história e resolveu me ajudar! Conversou com médicos e conseguiu meu procedimento. Serei eternamente grata a ela! Jamais esquecerei o que ela fez por mim. Mesmo sendo privilegiada por ser branca, classe média e advogada, precisei sim da ajuda da minha ginecologista. Imagine quem sequer tem isso, fica realmente sem realizar o procedimento.

 

Ana Thereza: Quanto ao código de ética da medicina, há alguma menção sobre as cirurgias de esterilização em pessoas sem filhos, já que é um procedimento eletivo e que vários médicos se recusam a fazer?

 

Patrícia: Sobre a cirurgia de esterilização em pessoas sem filhos não, mas sei da existência do art.42 que reza: “Art. 42. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo, devendo sempre esclarecê-lo sobre indicação, segurança, reversibilidade e risco de cada método.” Assim, acredito que não cabe o médico emitir juízos de valores, mas sim buscar a saúde e respeito ao paciente. Acredito que o motivo da recusa médica está, infelizmente, no desconhecimento e na falta de informações sobre a lei 9263/96. Porém, vejo que aos poucos estamos conseguindo uma conscientização e disseminação de informações

 

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