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24/07/2020 às 10h44min - Atualizada em 24/07/2020 às 10h45min

"Educação não é privilégio": precisamos aprender com Anísio

O que o educador pensaria frente aos desafios postos à educação durante a pandemia da Covid-19?

Franciele Rodrigues - Editado por Bruna Araújo
Agência Brasil
No último 12 de julho, alcançamos 120 anos de Anísio Teixeira. O baiano, nascido em Caetité, é um dos principais responsáveis pela criação da escola pública no Brasil. Na década de 1930, surgiu o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, que tem entre seus criadores o educador, e vislumbrava uma ampla reforma educacional no país.

Muitas das ideias estabelecidas no documento ainda geram discussões como a construção de melhores condições de trabalho para os docentes. Um estudo lançado em 2013 pelo Movimento Todos pela Educação identificou que um professor da educação básica com formação em nível superior ganha, em média, 30% menos que outro profissional com a mesma escolaridade. Além da questão salarial, há outros problemas que demandam atenção como a crescente violência dentro das escolas. 

Com a pandemia do novo coronavírus, a maioria das escolas e universidades trocou os encontros presenciais por atividades remotas. A tentativa é prosseguir com o calendário letivo em meio à necessidade do distanciamento social para a contenção da doença. Porém, diversos pesquisadores e entidades voltadas à educação têm apontado para o risco de que a crise sanitária leve ao aumento das desigualdades socioeducacionais já existentes no país.

Nesse sentido, um relatório divulgado no dia 23 de junho pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) advertiu que a pandemia de Covid-19 dificulta ainda mais o acesso ao ensino de estudantes oriundos das classes populares, negros, indígenas e deficientes. A associação informou que 260 milhões de crianças não tiveram acesso à educação em 2018, entre eles, o maior obstáculo declarado para a continuidade dos estudos foi a vulnerabilidade econômica. 

No ensino superior a realidade não é diferente. Uma reportagem publicada pelo portal G1 em maio deste ano relatou que estudantes da Universidade de São Paulo (USP) criticaram a adoção do ensino à distância, a substituição ao ensino presencial ocorreu em março e se mantém desde então. Alunos da instituição denunciam que a parcela mais prejudicada é composta por estudantes de baixa renda, os quais não possuem computadores e/ou acesso livre à internet.

Além dos desafios impostos pelo coronavírus, os estudantes brasileiros têm atravessado a crise política que assola o Ministério da Educação (MEC). Desde o início da gestão Bolsonaro, o MEC já foi comandado por quatro nomes, entretanto, até o momento nenhum deles deixou contribuições, sobretudo no enfrentamento aos obstáculos gerados pela doença. A ausência de proposições que auxiliem os estados e municípios a reestruturar a educação durante e após a pandemia é ocupada pela criação de disputas ideológicas, muitas das quais sem lastro na realidade.

Mediante as contradições que perpassam a educação para além da pandemia, as reflexões de Anísio Teixeira ensinam bastante. A necessidade de democratizar o acesso ao ensino de qualidade é urgente. O educador brasileiro também ressaltava a importância do conhecimento científico, argumento que seria deslegitimado por grupos obscurantistas em ascensão na esfera pública. Acho que ele perderia o sono ao topar com a emergência de movimentos como o terraplanismo em 2020.

O seu livro "Educação não é privilégio", cuja a primeira edição foi lançada em 1957, apresenta duas conferências, nas quais a principal ideia é a de que educação constitui um direito de todas e todos, pressuposto que o autor já argumentava desde 1920. Assim, destacamos a importância atribuída por Anísio ao Estado a fim da gestão da educação pública, da garantia de acesso e permanência dos estudantes. Escola que, segundo ele, deveria ser organizada em tempo integral e oferecer formação humanística e para o mundo do trabalho, rompendo o dualismo no ensino básico através do qual as classes populares recebem apenas qualificação para o mercado de trabalho, para desempenhar funções precarizadas enquanto às camadas mais abastadas é oferecido uma aprendizagem mais propedêutica, condição para prosseguir em níveis superiores de formação.  

Ademais, cada instituição escolar teria que privilegiar a localidade em que está inserida, a cultura regional e os interesses dos alunos, uma escola viva, inclusiva, ou seja, a educação pública é uma ferramenta de aproximação entre os indíviduos e por meio dela as diferenças são reconhecidas e não fatores para afastamentos e ausências. As colocações de Anísio não foram bem recebidas por setores da sociedade como a Igreja Católica.

A instituição defendia que educar era tarefa das famílias e a escola pública só deveria existir onde não pudesse haver particular. Hoje, ele empresta o seu nome ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o órgao que sob a gestão de Weintraub cogitou não adiar o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) em meio a pandemia da Covid-19, a prova é um dos principais passaportes para o ensino superior no país. Sob grande resistências de professores, movimento estudantil, as datas de aplicação das avaliações foram prorrogadas. 

Anísio, feliz aniversário! Por aqui, observamos que a construção de uma educação antidemocrática, projeto reafirmado ao atravessamos a crise sanitária, visto que os estudantes e docentes foram deixados a própria sorte e muitos, embora matriculados não estão acessando aos conhecimentos que lhes são de direito, parece ser um vício ainda não superado. Como você nos alertou incessantemente, o que fica é a certeza de que o acesso é fundamental, mas é preciso ir além dele: garantir que a escola seja libertária, cheia de gentes - no plural - e de sonhos, afinal, eles também ensinam. Por aqui, também permaneceremos na luta para que isso não seja apenas palavras jogadas ao vento. Obrigada por tanto! 


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