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04/08/2020 às 16h24min - Atualizada em 04/08/2020 às 15h59min

Arte indígena: grafismos indígenas como manifestação da identidade

Os grafismos carregam os significações para seu povo, mas tatuá-los é uma homenagem?

Letícia Gouveia Veras - Revisado por Renata Rodrigues
Indígenas da etnia Ashaninka. Foto: Ricardo Stuckert / reprodução Instagram
Existem muitas formas de se manifestar a cultura de um povo, dentre elas, a arte. Dessa maneira, os grafismos indígenas, feitos em pinturas corporais e outros meios, expõem muito mais do que um costume, mas toda uma manifestação da cultura, dos rituais, da simbologia e, principalmente, da identidade indígena.

Os grafismos indígenas não estão ligados somente a estética, eles evidenciam representações importantes para os diversos rituais indígenas, que variam conforme as 305 diferentes etnias que habitam o Brasil atual, totalizando 817.963 indígenas no território, segundo dados do IBGE de 2010.

As tintas são obtidas a partir da extração de elementos naturais, como urucum, jenipapo e açafrão. Os grafismos são feitos, principalmente, na pintura corporal, mas também podem ser percebidos em objetos, por exemplo, adornos como penachos, cocares e colares, que também carregam simbologias próprias.

Na pintura corporal, um determinado desenho pode representar diferentes concepções de acordo com a etnia indígena, o gênero e a faixa etária, podendo indicar, por exemplo, a quantidade de filhos, a ocupação do indígena em sua tribo ou outros ritos de passagem, como luto, festas, guerras, entre outros.

Estes desenhos registram e compartilham significações que são automaticamente compreendidas pelos membros indígenas das tribos, pois são aprendidos e passados de geração em geração através da oralidade e das atividades do dia a dia, com a realização dos rituais e costumes aos quais fazem parte. Dessa maneira, as crianças têm contato com sua arte desde muito cedo. 



A arte indígena torna-se fonte de inspiração para as mais diversas manifestações artísticas, como estampas, cerâmicas, acessórios e tatuagens. Esta última, é uma prática que está associada a diversos rituais de muitas tribos diferentes do mundo inteiro, mas a tatuagem permanente, geralmente, é feita por estética. Porém, muitas delas utilizam grafismos indígenas para isso, tirando uma arte feita em determinado contexto para uma outra simbologia.

O tatuador especializado em desenhos tribais, Thiago Abel, acredita que as tatuagens inspiradas nos grafismos indígenas e em outras artes tribais funcionam sim como homenagem, pois é uma forma de espalhar esta cultura. “Conheci maoris, por exemplo, que acham incrível sua cultura ter alcançado tamanha repercussão nos dias de hoje. Tem admiração pelos que se dedicam a conhecer sua arte e reproduzi-la. Não sou indígena e muito do que faço é só pela estética, mas recebo elogio de indígenas que me escrevem por estar fazendo esse trabalho de espalhar uma cultura”.

De acordo com ele, geralmente, os tatuadores se inspiram nos desenhos tribais, fazem uma pesquisa sobre isso e constroem, em cima destas referências, o trabalho que será tatuado. “Estudamos sim para reproduzir visualmente e esteticamente tais artes e muitas vezes elas se transformam do original e ganham estilos mais modernos. Respeitamos sim essas culturas e não tentamos reproduzi-las, na verdade, usamos mais como inspiração. Acho que esse é o ponto, não seria uma reprodução fiel das culturas originais, mas uma adaptação inspirada por elas”.

Tatuagem de grafismo indígena brasileiro - casco do jabuti e pintura de dança. Marcelo Paro - Baurú

Tatuagem de grafismo indígena brasileiro - casco do jabuti e pintura de dança. Marcelo Paro - Baurú



Já para o indígena Benício Pitiguary, artista plástico especialista em grafismos indígenas e comunicador indígena, ele não se sente homenageado com a reprodução de suas artes. “Quando vejo uma pintura minha tatuada não me sinto homenageado, mas acontece muito de tatuarem eu gostando ou não, pra mim tudo certo, mas não me sinto homenageado.”

Estas são questões muito particulares dos povos indígenas, muitas vezes, a tatuagem pode perder seu significado se feita de maneira permanente e sem conhecer o seu real significado para aquele povo. As pinturas corporais indígenas estão relacionadas a diferentes crenças e rituais, que também se alteram conforme o povo indígena que os praticam. Se tatuadas por não indígenas e de maneira permanente, podem perder a significação atribuída pelo indígena, já que o intuito não é de reproduzir valores, mas apenas questões de estética do corpo tatuado.

“A pintura serve para embelezar e proporcionar a personalidade e a identidade cultural de um povo [...], elas são importantíssimas para a legitimidade indígena, a afirmação de identidade e a comemoração da diversidade e conhecimentos indígenas, tudo isso nos faz indígenas, não só a pintura, mas seus significados, o que ela representa pra gente”, conta Cristian Wariu em seu vídeo “Pinturas indígenas e seus significados”. O indígena xavante expõe em seu canal no YouTube mais informações sobre a cultura indígena.

Wariu declara que “por muitas vezes, até ficamos tristes de ver que muita gente, seja sem nenhuma maldade, acabam por utilizar delas sem ao menos saber o seu contexto ou a sua usabilidade. Claro que temos a liberdade de ir e vir, e usar o que a gente quiser, sem o famigerado “mimimi”, mas, ao menos, custaria saber o que ela realmente representa? E que isso vai muito além da beleza e da estética, mas também expressa uma história de resistência e sabedoria que agregaria muito às pessoas que queiram conhecer e, consequentemente, respeitar.”

“Homenagens não apagam a história sangrenta dos povos indígenas no Brasil. Não precisamos de homenagens, precisamos de justiça e a garantia de nossos territórios” relata Benício Pitiguary, que acredita que as pessoas deveriam conhecer mais da história indígena, pois é sua própria história. “Entender como a ocupação de terras se deu de maneira tão violenta no Brasil é fundamental para compreender a situação indígena atual.”

Procurar por organizações e indígenas é uma forma de obter mais conhecimento e informações verídicas sobre a história e vivência deste povo, além de apoiar indígenas ocupando diferentes espaços na sociedade atual.


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