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06/08/2020 às 12h15min - Atualizada em 06/08/2020 às 12h15min

Professor Paulo Hilu comenta no Lab possíveis desdobramentos políticos, econômicos e sociais em consequência da explosão no Líbano

A escritora Nancy Slim, moradora de Beirute, também permitiu que o Lab fizesse uso de um depoimento e uma fotografia sobre o ocorrido que foram publicados em seu Instagram

Lucas Neves
Fotografia da fumaça proveniente da explosão no porto de Beirute. Foto por: Nancy Slim
Na Terça-feira (4), uma explosão causada por 2.700 toneladas de amônio de nitrato, no porto da cidade de  Beirute, capital do Líbano, deixou mais de cem mortos e cerca de 5 mil feridos, de acordo com ministro da Saúde, Hamad Hassan. A principal suspeita é de que a explosão tenha atingido um galpão que armazenava o composto químico desde 2014, segundo o primeiro-ministro Hassan Diab. Este fato ocorre em meio a tensões políticas, sociais e econômicas que o país no Oriente Médio segue sofrendo.

O coordenador do Núcleo de Estudos do Oriente Médio (NEOM) da Universidade Federal Fluminense (UFF), comentou em uma entrevista quais são os possíveis desdobramentos sociopolíticos e econômicos que este em consequência deste fato. Confira na íntegra:

LUCAS NEVES: Paulo, que honra estar falando com você novamente. O Líbano já tem um histórico de atentados com bombas, em sua parte provocada por razões políticas... Parte população do Líbano ainda tem o imaginário da guerra civil que terminou na reta final do século passado. O governador chorou ao comentar o ocorrido. Mas, muitas pessoas disseram que nunca viram nada parecido. Vale lembrar, professor, que o Líbano se encontra em um cenário de insatisfação política, por parte da população e crise econômica... Ano passado tivemos inúmeros protestos a favor da queda do governo... E, agora, em 2020, ainda há a crise sanitária gerada pelo novo coronavírus. Poderia nos relembrar um pouquinho os protestos do ano passado e suas razões? Após este ocorrido este ano em Beirute, capital libanesa, como você enxerga o Líbano daqui pra frente? Quais peças políticas nesse enorme xadrez podem se movimentar e quais são as possíveis consequências?

PAULO: Desde o ano passado, você tem essa insatisfação da sociedade civil e mobilização com uma total disfuncionalidade do Estado Libanês. O Estado Libanês ele tradicionalmente serve para alimentar as elites políticas, que drenam os recursos do Estado e distribuem esses recursos através de redes de clientelismo. Assim, construindo a sua base eleitoral. Normalmente, no Líbano, se confunde com as comunidades religiosas. Cada partido tem uma base que geralmente é composta por uma das comunidades religiosas do Líbano, seja uma das confissões cristãs, seja uma das confissões muçulmanas. O espaço público Libanês foi “loteado” entre esses clãs políticos, fazendo com que boa parte da população não tenha acesso a bens e serviços que deveriam ser fornecidos pelo Estado.

O caso chave do ano passado foi a coleta de lixo, que entrou em colapso, gerando um desastre sanitário. Isso mobilizou a sociedade civil e foi falado muito em revolução, mas o resultado, efetivamente, foi que pouca coisa mudou de lá pra cá. O que aconteceu no final do ano passado foi uma mudança política, sendo um governo de coalizão que o Hezbollah pela primeira vez participou efetivamente, como uma das principais forças políticas. Isso levou o realinhamento do Líbano com o Irã e a Síria e teve um preço altíssimo. O Líbano foi “marginalizado” pelas grandes economias do Oriente Médio, principalmente a Arábia Saudita e os países do Golfo, como uma forma de punição por conta desse realinhamento político. E como a economia do Líbano não sobrevive sem remessas externas, o que aconteceu foi o colapso da economia... A desvalorização da Libra Libanesa, e isso afetou muito o país que já tinha as suas crises... Lembrando que na Sexta-Feira, um tribunal apoiado pela ONU vai dar um veredicto sobre os indiciados da morte do ex-premiê libanês Rafic Hariri, que ocorreu em 2005, e isso aumenta ainda mais a tensão, pois os indiciados são do Hezbollah, grupo que participa do governo, então isso aponta o dedo para si. Então essa explosão em Beirute, que não sabemos a real natureza dela e provavelmente não saberemos, tem de importante o que ela está produzindo... Então nessa situação, ela só aumenta as tensões, já que temos uma série de teorias conspiratórias, que falam que foi Israel, que foi a Síria, que foram os próprios partidos políticos, talvez no intuito de desestabilizar o governo ou desviar as atenções do julgamento sobre a morte do Rafic Hariri.

LUCAS:  Você comentou sobre Israel... As explosões acontecem um dia depois de o exército israelense afirmar que impediu a infiltração terrorista na fronteira com o Líbano. Na terça, o Estado de Israel afirmou que não teve envolvimento com as explosões e ofereceu ajuda humanitária. Como fica essa questão Israel x Líbano a partir de então?

PAULO:  A oferta de ajuda humanitária não pode ser levada a sério. São dois países que estão tecnicamente em Guerra, então, por Lei, o Líbano não pode aceitar nada de Israel. Podemos voltar para o atentado de 11 de Setembro e lembrar que Muammar al-Gaddafi ajudou ajuda humanitária aos EUA. Isso é um exercício de cinismo no mundo geopolítico. E Israel fazendo isso, aumenta as tensões no Líbano. Não é algo ingênuo. Porque eles sabem que o governo não vai aceitar, e o governo não aceitando aumentam as acusações de que o Estado não está atendendo os anseios da população libanesa. Claramente não há nenhuma chance disso ser real.

Israel negou envolvimento com a explosão, mas isso também é de praxe. Por outro lado, Netanyahu fala que vai punir os envolvidos, o Hezbollah, na tentativa de infiltração em território israelense. Ou seja, isso também é um jogo clássico na geopolítica, em que Israel de certa nega, mas fomenta as teorias conspiratórias... Então no mesmo dia que acontece isso, você tem a declaração do Netanyahu dizendo que ia punir os possíveis responsáveis. Então é um jogo em que os benefícios acontecem dos dois lados.

LUCAS: O porto de Beirute, obviamente, era o maior e principal porto do país. Agora, as importações e exportações libanesas recorrerão a portos alternativos, como o de Trípoli, por exemplo, tendo em vista a desativação de Beirute por um tempo. Como isto interfere na economia do país? Quais são as alternativas para a cidade se reerguer?

PAULO: É algo extremamente complicado porque mais problemático do que as exportações libanesas, são as importações. Boa parte da economia libanesa gira entorno das importações. Então isso é um desastre... Claramente os portos menores não tem capacidade, e vale lembrar que, embora a Guerra Civil na Síria tenha basicamente terminado, com a vitória do Regime, usar os portos deste país é muito complicado também.

A única alternativa é atrair investimentos, principalmente estrangeiros, o que é muito complicado a nível mundial por conta da crise econômica gerada pela pandemia, quanto na situação geopolítica do Líbano. Basicamente os investidores tradicionais libaneses estão colocando condições muito claras de mudanças políticas para eles poderem investir e o governo não vai aceitar isso.

Efetivamente o Estado Libanês não funciona mais. Não há controle do seu próprio território, não consegue estabelecer nenhuma relação de governabilidade com a população... Ainda não está neste nível, mas efetivamente o Estado Libanês está entrando em colapso por conta das mudanças sociais e políticas que ocorrem desde a última década e meia.

A escritora Nancy Slim, moradora de Beirute, descreveu nas redes sociais o que viu e sentiu. Ela concedeu autorização ao Lab Dicas de Jornalismo para replicar a sua postagem nesta matéria. Segue na íntegra o depoimento:
  “Meu desabafo. Uma foto muito nua da explosão que aconteceu é a única imagem que eu salvei no meu rolo da câmera. Vi vídeos de pessoas gritando e toda vez que vejo uma nova foto, um novo cadáver sendo encontrado, um novo post de “descanse em paz”, choro novamente. Não parei de chorar desde então e minha dor de cabeça é insuportável. Ainda me lembro dos segundos em que o vidro da minha varanda começou a tremer e corri para mamãe, papai e meus irmãos perguntando "Israel?". Peguei o celular correndo para ligar para minha melhor amiga, meu tio, minha avó, minha tia e depois meu avô. Corri para mandar mensagens para meus amigos, meus ex-amigos, porque eu ainda me importo. Eu não queria morrer deixando problemas com ninguém. É o que acontece à mente de alguém quando a morte está a apenas um telefonema. Rezo por todas as vidas inocentes perdidas. Eu te amo, Beirute. Espero vê-lo em breve.”

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