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21/08/2020 às 09h54min - Atualizada em 21/08/2020 às 09h25min

A taxação de livros e a nova incineração do conhecimento

Uma referência ao livro ‘’A menina que roubava livros”

Adélia Fernanda Lima Sá Machado - Editado por Bruna Araújo
Veja, G1 Notícias, Livro: A menina que roubava livros
Imagem editada por colaboradora
“As palavras sempre ficam. Lembre-se sempre do poder das palavras. Quem escreve constrói um castelo e quem lê passa a habitá-lo.” Essa é uma das várias frases que constroem o livro “A menina que roubava livros”, escrito por Markus Zusak, em 2004. Zusack constrói sua obra com o cenário da Alemanha Nazista, onde livros eram queimados em praça pública, com o intuito de mostrar para a sociedade que apenas uma parcela da população poderia ter acesso a eles, assim como apresentando que a leitura era considerada e vista pelo governo em questão, como crime e desacato ao poder dos governantes.

Com a obra do escritor australiano, o leitor tem acesso aos anos de 1939 à 1943, vividos pela menina Liesel, filha de uma comunista que se vê obrigada a se afastar dos filhos. O irmão da protagonista morre e ela começa a viver na casa de um casal, em uma área pobre de Molching, cidade próxima a Munique. O acesso à leitura é considerado proibido para a classe social na qual Liesel e seus responsáveis fazem parte, com isso a única saída e oportunidade de tê-los em mãos é com a ação de roubá-los.

Apesar do tempo decorrido da escrita do livro em questão (principalmente do período que os protagonistas vivem na obra), a realidade se encaixa muito bem com o cenário atual do Brasil em relação ao mundo literário e da educação.

Nas últimas semanas, o governo Federal do Brasil apresentou uma proposta de reforma tributária que prevê o fim da isenção de contribuição para livros. Esse setor não paga impostos e é protegido dessa cobrança pela Constituição Federal, o que garante menor preço nos livros, e por conseguinte, acesso e contribuição na vida de variadas pessoas.

Existe uma grande semelhança com a postura dos governantes do período retratado no livro com os posicionamentos e propostas dos representantes brasileiros, como é o caso do atual Ministro da Economia, Paulo Guedes, ao ser questionado sobre a questão da taxação do livro no Brasil ele afirmou que livros são artigos para a elite, o que demonstra o perigo/ risco que a literatura e o acesso às informações no Brasil está correndo.

O que o atual ministro da Economia afirma não coincide com os números de pesquisas realizadas com o público leitor do Brasil. Ano passado, 2019, na Bienal do Livro no Rio de Janeiro, da qual participaram 600 mil pessoas, grande parte dos jovens era  da classe C, de acordo com a pesquisa realizada pela Folha de São Paulo. Dessa maneira, é notório perceber que independente da classe social existe o desejo, a vontade e o direito a leitura.

A tributação de livros faz com que a educação torne-se ainda mais seleta e desigual, apesar de ainda assim distribuírem os livros gratuitos nas escolas públicas de nada adianta, pois a desigualdade permanecerá, o indivíduo rico terá acesso aos inúmeros livros, enquanto o pobre lerá apenas o que o governo lhe fornecer.

O que está acontecendo no Brasil não é a incineração de livros em praça pública como ocorreu dentro e fora do livro em questão, mas as propostas e a maneira como está sendo acometido a retirada do acesso aos livros da população é semelhante. Isso assusta toda a comunidade de leitores, escritores e educadores, que possuem e visam a democratização ao acesso à leitura, à educação e às informações.

Alyssandra de Sá Sousa, graduanda de Pedagogia, acredita que com a taxação dos livros intensificará ainda mais o abismo social que se encontra a educação no Brasil. Ao ser questionada como isso impactará na educação no país, ela afirma: “o impacto dessa taxação afeta diretamente o modo como direcionam o acesso à educação no Brasil. O pensamento que vigora nessa proposta é a ideia ultra neoliberal de divisão social aonde de um lado estão os ricos e do outro os pobres. Nesse sentido o ministro da economia afirma que os livros pertencem a essa elite. Assim, com essa taxação os livros que já possuem um preço elevado no Brasil, ficarão ainda mais restrito e direcionados a essa camada privilegiada.”

A proposta ainda não foi aceita pelo Congresso, com isso, desde a divulgação dela as redes sociais serviram como aliadas para o público de leitores do Brasil, onde se manifestaram contra tudo que foi apresentado sobre a taxação. O uso de hashtags e petições foram as formas que a comunidade utilizou para se posicionar contra ao que foi exposto, diante do atual cenário pandêmico do país e do mundo.

Dessa maneira é perceptível as semelhanças que existem no cenário atual do país e do que foi exposto em “A Menina que roubava livros”, em relação a seletividade do acesso ao livro, descaso a educação e as informações. O acesso à leitura jamais deve ser privilégio, e sim uma prerrogativa de toda a população.
 
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