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01/05/2019 às 22h45min - Atualizada em 02/05/2019 às 15h22min

Depressão: doença por trás da farda

Por trás de uma farda, existe uma pessoa cheia de medos, necessidades, problemas físicos e psicológicos

Ariel Vidal - Editado por Gabriella Braga
Foto: Lucas Neves/ Reprodução
Eles acordam pela manhã, colocam o uniforme, se olham no espelho e procuram ver em si alguém forte e seguro. Se despedem da família e vão para o departamento de polícia, sem saber se irão sobreviver a mais um dia.

Por fora, são temidos e seguros, mas enquanto cuidam da cidade, quem cuida deles? O sangue frio que os policiais precisam ter para enfrentar a rotina de ocorrências os expõe à muitos problemas emocionais.

Conforme os dados do Relatório Anual da Ouvidoria das Polícias do Estado relataram casos de suicídios entre policiais civis e militares. Foi divulgado em fevereiro um aumento de 73% casos de suicídio em relação a 2017, onde foram constatados 26, e em 2018, 45 casos.

Esse aumento é preocupante para a Ouvidoria, pois segundo o relatório é necessário haver um acompanhamento para a saúde mental desses profissionais. De acordo com o Estudo de Pesquisa em Suicídio e Prevenção da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a força policial carioca pode ter mais chance de cometer suicídio que a população comum, pois a pressão sobre os PM's é grande no dia a dia e pós o trabalho, visto que esperam que eles resolvam os problemas, mas não atentam para a condição mental de cada policial.

Pressão no trabalho

Maria Rita é policial militar e viveu um momento muito difícil em sua vida, quando teve depressão. Ela acredita que o maior motivo foi o estresse no trabalho e o fato de perder colegas a qualquer momento. “A pressão do trabalho não é fácil. Essa profissão é linda, mas vivemos uma linha muito tênue, entre vida e morte. Hoje você abraça seu amigo e daqui a pouco ele está encurralado em uma troca de tiros", completa.



Segundo a psicóloga clínica Bruna Mendes, a depressão é uma doença multifatorial e pode interferir na vida social e laboral do profissional militar. Foi o que aconteceu com Maria, onde ela afirma ter sentido vergonha. “Eu não pedi licença do trabalho, mesmo tendo sido encaminhada ao psiquiatra que disse ser necessário. Eu tinha vergonha do que estava acontecendo comigo".

Bruna ainda afirma que o cuidado com relação ao trabalho pode começar na própria instituição militar, aumentando o contingente de trabalhadores para que não haja sobrecarga de trabalho. "Além disso, propor diretrizes para melhorar os meios de lazer, atividades físicas e construção de espaços adequados para eles, sobretudo melhores condições de trabalho”, finaliza.

Um texto publicado no Facebook de Maria Rita revela com detalhes a situação que viveu.



Diante disso, o que a fez "voltar a viver" foi fazer parte de uma instituição que atende crianças com problemas de câncer. Durante esse período, o que Maria mais precisava era apoio, e quando via tantas crianças sorrindo, com sua presença no local, lhe dava forças para continuar. Maria percebeu que ter essa ligação com as crianças era algo maior que apenas estar ali presente. "Aqueles sorrisos eram como se dissessem: não desiste porque tem alguém que precisa do seu sorriso", completa.



Teste da vida real 

Em 2006, foi realizado o estudo Síndrome de Burnout e Qualidade de Vida de Policiais Militares e Civis. A amostra contou com 474 policiais de todas as patentes, independente de sexo, em uma população de 2321 policiais. Nesta pesquisa, a investigação é sobre a Qualidade de Vida em profissionais da segurança pública, sendo constatado que entre os policiais, o Desconforto Relacionado ao Trabalho é grande, por diversos motivos, seja a pressão no trabalho, a carga horária, que acabam provocando problemas familiares e emocionais. Enquanto isso, o apoio por parte da organização é pouco, visto que diante do aumento da violência na sociedade a exigência sobre os policiais é maior, gerando situação de estresse. Com isso, o estudo propõe a criação de políticias por parte das organizações que sejam mais eficazes para a promoção do bem-estar psicológico destes profissionais.

Instrução errada

Um vídeo que circulou na internet sobre o treinamento no Centro de Formação das Praças, em Sulacap, mostra dois policiais recebendo jato de spray de pimenta.  Acompanhe o vídeo:


Violência em evidência

Segundo o Grupo de Estudo em Pesquisa e Suicídio, foram feitas diversas apurações através da coordenadora e professora Dayse Miranda, a qual investigou a questão do ser policial militar hoje e a problemática da violência.

Conforme o livro "Por que os policiais se matam", de Dayse Fiocruz, o Estado do Rio de Janeiro desenvolveu uma deficiência com o aumento da violência, o que torna a persistência por diminuir as taxas de crimes como o ato de enxugar uma grande pedra de gelo. O que resulta na grande demanda sobre policiais militares que são treinados a matar ou morrer, nem que o matar seja a si próprio. Enquanto isso, “a saúde psíquica dos policiais permanece invisível aos olhos dos gestores. No Rio de Janeiro, o descaso em relação ao sofrimento emocional desses profissionais é condizente com o caráter tradicional das políticas de segurança pública", afirma Dayse.

Por fim, é como dizem nos versos de Augusto dos Anjos, ‘de tanto viver entre feras, o homem sente o desejo de também ser fera.’
 
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